por Saulo Araújo
Uma sucessão de erros tem chance de ter
contribuído para a morte de Marcelo Dino. Um relatório escrito por uma das
médicas que atendeu o estudante de 13 anos revela que não havia profissionais habilitados na unidade de
terapia intensiva (UTI) do Hospital Santa Lúcia quando o garoto passou mal. A
Polícia Civil do DF investiga também a falta de aparelhos fundamentais para
contornar as crises asmáticas do menino, além de apurar por que Marcelo foi
levado, primeiramente para uma UTI adulta, e, horas depois, transferido
para uma unidade pediátrica sem
equipamentos adequados para o tratamento.
O filho caçula do presidente do
Instituto Brasileiro deTurismo (Embratur) e ex-deputado federal Flávio Dino
(PCdoB-MA) morreu há 10 dias, após passar 18 horas internado na unidade de
saúde, na 716 Sul. Flávio prestou depoimento ontem na 1ª Delegacia de Polícia
(Asa Sul).
Ao fim da oitiva, que durou mais de
quatro horas, ele conversou com a reportagem, pela primeira vez desde a perda
do filho, sobre o trágico episódio que tirou a vida de Peixinho, como Marcelo
era conhecido.
“Eles receberam o meu filho vivo e me
entregaram morto”, desabafou (leia entrevista). O Correio também teve acesso ao
parecer assinado por uma pediatra intensivista. No documento, ela narra desde o
momento em que o adolescente chegou ao hospital, pouco depois das 12h, até a
hora da morte, às 6h15 (leia fac símile). Num dos trechos, a médica confirma que estava ausente da UTI na hora em que o
estudante começou a apresentar dificuldades para respirar. “Fui chamada pela
auxiliar para avaliar o Marcelo devido à queixa de desconforto respiratório”,
escreveu.
A profissional ratifica ainda a versão
dos parentes, de que o jovem chegou estável e consciente ao centro clínico:
“Marcelo se sentia bem até a hora em que foi medicado com broncodilatadores, usados para controlar doenças
que comprometem o aparelho respiratório. “Dormiu bem, mantendo os parâmetros
respiratórios, sem desconforto”, atestou.
A partir daí, o quadro clínico se
agravou. Os batimentos cardíacos, até então na casa dos 102bpm, baixaram
drasticamente. O oxigênio se mantinha em 96%, mas despencou para 60%, minutos
depois da aplicação do remédio. A gravidade do caso fez com que mais dois
médicos entrassem na sala na tentativa de reanimar o menino, mas nem as sessões
de massagens cardíacas, nemas 12 doses de adrenalina foram capazes de salvá-lo.
Marcelo morreu na frente do pai e da mãe, a professora da Universidade
de Brasília (UnB) Deane Maria Fonseca de Castro e Costa, que também prestou
esclarecimentos à polícia ontem.
Negligência
O delegado-chefe da 1ª DP, Anderson
Espíndola, apura ainda a denúncia de que um aparelho essencial para levar ar
aos pulmões de Marcelo estaria danificado e teria sido trocado às pressas.
“Todas as informações prestadas pelos familiares que estavam no hospital vão
ser confrontadas com a versão apresentada pelos médicos. Se for preciso, vou
pedir a ajuda de médicos do CRM (Conselho Regional de Medicina) para entender
se a conduta dos profissionais atendeu ao protocolo”, explicou o investigador.
Os três médicos que participaram do
atendimento a Marcelo deveriam prestar depoimento ontem à tarde, mas, a pedido
do advogado do Hospital Santa Lúcia, as oitivas foram adiadas para a próxima
semana. “Não podemos retirar três médicos de uma vez só do hospital. Se isso
ocorrer, pode comprometer o tratamento dos pacientes”, justificou Frederico
Donati Barbosa.
O defensor negou todas as denúncias
feitas por familiares. Sobre a suposta ausência de um médico na UTI, respondeu:
“A sala de descanso dos médicos fica ao lado da UTI. A enfermeira não teve de
andar o hospital todo para chamá-la. Assim que foi comunicada, ela (a médica)
atendeu prontamente o menino”. Os parentes alegam que o socorro demorou mais de
cinco minutos.
Frederico garantiu que nenhum aparelho
apresentava defeito na UTI, nem houve erro na manipulação dos medicamentos.
“Não houve na nenhum problema de falta de pessoal, falta de aparelho ou
equipamento danificado”, disse.
A 1ª DP investiga outra morte no
Hospital Santa Lúcia por suposta negligência. O Instituto de Medicina Legal
(IML) divulgou o resultado parcial do laudo que apura a causa da morte de
Marcelo Dino. Nos exames clínicos, os legistas não conseguiram apontar com
exatidão o que levou ao óbito do garoto. Outras amostras de fragmentos serão
avaliadas em um exame histopatológico, que consiste em observar
microscopicamente tecidos de órgãos do paciente, com o intuito de tirar as
dúvidas em relação à morte. Esse novo procedimento deve ser concluído em uma
semana
Apuração
A 1ª Delegacia de Polícia (Asa Sul)
investiga a morte de uma fisioterapeuta de 28 anos, ocorrida há cerca de dois
meses, também no Hospital Santa Lúcia. Juliana Araújo de Souza deu entrada no
centro médico com vômito e diarreia. A família alega ter ocorrido negligência
devido à suposta demora no atendimento realizado no fim da noite de 18 de
dezembro do ano passado. Por volta das 7h do dia seguinte, ela morreu. Na
certidão, a causa da morte foi atestada como “a esclarecer”.
Quatro
perguntas para Flávio Dino, presidente da Embratur e pai de Marcelo
Como
o senhor tem acompanhado as investigações sobre a morte do seu filho?
Eu só quero que o (Hospital) Santa Lúcia
responda a uma pergunta: é comum um garoto de 13 anos morrer de asma dentro de
uma UTI? Se eles conseguirem provar por meio de estatísticas ou através da
literatura médica que isso é normal, eu me calo. Mas o que eu tenho ouvido de
vários profissionais é que o meu filho estaria vivo hoje se os procedimentos
adotados fossem corretos. Se o Marcelo tivesse morrido dentro da escola, eu não
iria responsabilizar a instituição de ensino, mas, dentro de um hospital e
dentro de uma UTI, é inadmissível aceitar que uma criança morra dessa forma.
Quero que o hospital,em respeito à memória do meu filho, diga o que ocorreu
naquele dia, pois eles receberam o meu filho vivo e me entregaram morto.
O
que leva a família a acreditar que houve erro da equipe médica?
Eu não classifico o que ocorreu como
erro médico. Eu quero que a polícia investigue se houve um crime ou não. Até
agora, o Santa Lúcia não me deu nenhuma explicação. Eles (gestores do hospital)
fizeram uma reunião a portas fechadas e depois divulgaram para a imprensa uma
nota omissa, que não diz nada. Eu passei o dia anterior inteiro andando de
bicicleta com ele. Ele se comportava bem, com saúde. O que ele teve na escola
foi uma crise como tantas outras, uma asma leve que sempre foi contornada sem
maiores problemas.
O
que o senhor viu antes da morte do Marcelo?
Eles aplicaram uma medicação no meu
filho e, em seguida, ele começou a ter dificuldades para respirar. A médica
demorou a chegar e o meu filho morreu. Sem contar que eles não fizeram a
entubação no Marcelo quando ele começou a passar mal e, para piorar, ainda
solicitaram material quando ele estava passando mal.
As
últimas horas de Marcelo
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