Em alguns municípios, funcionários estão
há mais de seis meses sem receber, de acordo com dados da CNM.
Embora a situação mais delicada esteja no Nordeste, cidades de Estados mais ricos, como São Paulo e Rio de Janeiro, enfrentam as mesmas penúrias.
Anna Carolina Papp
Luiz Guilherme Gerbelli e Renée Pereira
O Estado de São Paulo
Os cofres vazios em grande parte das
prefeituras do País têm se refletido diretamente nos bolsos dos funcionários
municipais. Em 576 cidades, os prefeitos não têm conseguido pagar em dia o
salário dos servidores. Desse total, 11% estão com atraso superior a seis
meses, segundo levantamento da Confederação Nacional dos Municípios.
No Piauí, por exemplo, algumas
prefeituras foram acionadas na Justiça para fazer o pagamento dos funcionários.
Esse é o caso do município de Boa Hora, a 156 quilômetros de Teresina.
Mergulhada numa forte crise financeira, os servidores públicos estão há quatro
meses com salários atrasados. Diante da situação, os professores decidiram
fazer greve por tempo indeterminado ou até receberem os pagamentos. A dívida inclui
ainda salários de vigias, zeladores e secretários escolares.
Além dos meses em atraso neste ano, há
outras pendências na conta da prefeitura: salários em aberto referentes a
dezembro de 2012, dezembro de 2014 e a novembro e dezembro de 2015.
A presidente do Sindicato dos Servidores
Públicos de Boa Hora, Maria da Conceição Almeida, afirma que os planos de saúde
também foram cancelados e que não há recursos para pagar os empréstimos
consignados da Caixa Econômica Federal. A cidade, de 6,5 mil habitantes, tem 22
escolas de nível fundamental e uma de ensino médio. No total, são 171
professores efetivos.
Para contornar o problema, o Ministério
Público Federal pediu bloqueio de valores de contas públicas para impedir que a
prefeitura use os recursos do Fundeb (Fundo de Desenvolvimento da Educação
Básica) em outras despesas que não o pagamento de salários. O prefeito José
Araújo Rezende (PPS) diz que é importante que a Justiça entre no caso.
“Nós
provaremos que não estamos pagando porque o recurso não dá.” Ele argumenta que
o atraso se deve às quedas consideráveis dos recursos do Fundeb e que a
prefeitura tem adotado uma série de medidas para economizar, incluindo a
redução de seu salário, de seus secretários e de funcionários comissionados em
20%. “Eu cortei na própria carne.”
A crise afeta diretamente a vida da
população, porque serviços públicos como coleta de lixo, educação e saúde estão
sendo prejudicados. As medidas de contingenciamento se estendem por vários
municípios do Estado. Prefeitos paralisaram obras, suspenderam pagamentos de
fornecedores e reduziram seus próprios salários, dos secretários e de cargos
comissionados.
Folha de pagamento
Na Bahia, alguns
municípios também devem seguir o mesmo caminho para equilibrar as contas. Em
Retirolândia, cidade com 13 mil habitantes, o prefeito André Araújo Martins
(PSD) prevê para junho uma redução dos salários dos funcionários municipais,
incluindo os vencimentos dele próprio, de seu vice e dos secretários. “É melhor
pagar pouco, mas pagar todo mundo. Se a arrecadação continuar nesse nível,
tenho certeza de que não conseguirei pagar a folha toda no final do ano”, diz.
Na tentativa de evitar esse cenário, a
alternativa tem sido cortar gastos não essenciais. “Estamos mantendo apenas os
serviços básicos, como os de saúde e de limpeza”, afirma o prefeito. De acordo
com Martins, os cortes mais intensos são nas áreas de infraestrutura e
investimentos.
Em Lafaiete Coutinho, também na Bahia,
onde 70% da receita é proveniente do governo federal, os cortes se concentraram
nos investimentos. “A verba de investimento de saúde e educação foi reduzida a
zero. Estamos tirando de outras fontes”, conta o prefeito Zenildo Brandão (PP).
Lei de Responsabilidade
Manter a folha
de pagamento em dia, porém, está longe de ser um sinal de saúde financeira para
muitos municípios. As prefeituras estão extrapolando o limite com gasto de
pessoal determinado pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), de 54% das
receitas (60%, se considerado o salário do Legislativo), correndo então o risco
de não conseguir honrar os compromissos por muito mais tempo.
Segundo dados da Confederação Nacional
dos Municípios (CNM), até abril, 22,5% das prefeituras do País ultrapassaram
esse limite na última folha de pagamento. Em alguns Estados, no entanto, esse porcentual
é muito maior. Em Pernambuco e Espírito Santo, por exemplo, quase 70% dos
municípios infringiram o limite da LRF no ano passado. Situação ainda pior vive
a Bahia – Estado onde quase todos municípios já descumpriram a lei.
“Apenas 100 cidades no Brasil inteiro –
num universo de mais de 5 mil – conseguem pagar o quadro de funcionários com
receita própria”, afirma o economista-chefe da Federação das Indústrias do Rio
de Janeiro (Firjan), Guilherme Mercês. “A dependência da União é muito grande,
e as despesas obrigatórias são muito elevadas.”
O quadro pode se agravar ainda mais nos
próximos meses. “A tendência é essa situação ficar ainda pior no segundo
semestre, já que as transferências federais tendem a diminuir (porque o governo
começa a pagar as restituições do Imposto de Renda)”, diz o presidente da
Associação Piauiense de Municípios, Arinaldo Antônio Leal.
Com boa parte do orçamento comprometida
com despesas de pessoal, sobra pouco para as outras necessidades da população.
“Já fizemos corte de cargos comissionados, redução de pessoal, tudo que foi
possível”, afirma o presidente da Associação dos Municípios de Pernambuco, José
Patriota.
Para garantir o funcionamento da maquina
pública, o corte de alguns funcionários resultou no acúmulo de tarefas para
quem ficou. Em Venda Nova do Imigrante (ES), os cargos comissionados foram
reduzidos pela metade. O secretário de Administração, por exemplo, passou a
acumular a Secretaria de Turismo; e o secretário do Meio Ambiente, a pasta da
Agricultura. Segundo a Associação de Municípios do Estado do Espírito Santo, a
maioria dos municípios do Estado reduziu os cargos comissionados pela metade.
A inadimplência afeta não só os
funcionários, mas também os fornecedores das prefeituras. Segundo a CNM, 59,2%
dos municípios estão com algum atraso no pagamento de fornecedores. Desses,
8,6% estão com atraso superior a seis meses. Outras prefeituras vão além e
comprometem os serviços públicos básicos: encostam veículos e máquinas pesadas
para economizar no combustível e diminuem contratos de limpeza da cidade e
coleta de lixo.
Embora a situação mais delicada esteja
no Nordeste, cidades de Estados mais ricos, como São Paulo e Rio de Janeiro,
enfrentam as mesmas penúrias.
“Para economizar com luz e telefone, alguns
prefeitos estão reduzindo o horário de atendimento dos serviços públicos pela
metade e proíbem horas extras”, afirma o presidente da Associação Paulista de
Municípios, Marcos Monti.
Em 2015, a falta de dinheiro obrigou a
cidade de Barra Bonita (SP) a editar um decreto de contingenciamento reduzindo
em 20% o salário do prefeito e do vice-prefeito, em 10% a remuneração de cargos
de confiança e a encurtar o horário de expediente. Durante seis meses, as
repartições públicas do município (exceto saúde, educação e assistência social)
funcionaram das 7 às 13 horas.
“Conseguimos economizar R$ 1 milhão”,
diz o prefeito Glauber Guilherme Belarmino (PSDB). Ele conta que atividades
culturais também passaram por revisões. “A feira de artesanato foi cancelada, o
réveillon teve parceria da iniciativa privada e os investimentos no carnaval
foram cortados em 40%.”
Em Águas de Lindoia, o prefeito Antônio
Nogueira (DEM) diz não saber mais o que fazer para adequar as despesas às
receitas. Até o dia 20 de cada mês, ele paga contas diversas, como os
fornecedores. A partir daí, todos os pagamentos são suspensos para que a
prefeitura consiga quitar a folha. “Hoje em dia, recebe quem grita mais alto. A
conta de luz nós atrasamos até o limite do corte da ligação. Na saúde,
compramos os remédios mais urgentes.”
COLABORARAM
LUCIANO COELHO, LUIZA FREITAS e THAÍS BARCELLOS, ESPECIAL PARA O ESTADO
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