Rádio Voz do Maranhão

sábado, 18 de junho de 2016

Com água no pescoço, PMDB e governo interino afundam, empurrados pela delação de Machado e o fim de Cunha, destaca CartaCapital

 
Aposta do PMDB, Gabriel Chalita não andava bem na disputa pela Prefeitura de São Paulo em 2012. Preocupado com o desempenho do candidato, o presidente do partido naquele momento, o senador Valdir Raupp, enviou um recado a Sérgio machado, presidente da Transpetro, subsidiária da Petrobras, por indicação de cardeais peemedebistas: Michel Temer, padrinho político de Chalita, queria apoio financeiro à campanha. Machado telefonou ao então vice-presidente da República e marcou um encontro. Era setembro, reta final da eleição, e no dia combinado o executivo foi a Brasília, entrou em um carro alugado na Localiza pela estatal e no fim da tarde, começo da noite, dirigiu-se à Base Aérea, local de pousos e decolagens de autoridades. Temer viajaria a São Paulo. Ante de embarcar, conversou a sós com Machado em uma sala reservada. De viva voz disse-lhe que Chalita precisava de mais financiamento.

Machado sabia o que o pedido queria dizer. Teria de arrancar uma doação de algum fornecedor da Transpetro. Estava acostumado a esse tipo de missão. Por esse motivo, figuras de proa do PMDB no Senado, entre eles Renan Calheiros, José Sarney, Romero Jucá, Jader Barbalho e Edison Lobão, haviam bancado em 2003 sua nomeação para a estatal. O fornecedor que recusasse os pedidos de colaboração financeira com peemedebistas seria excluído dos negócios da empresa pública. Uma ameaça sempre à mão nos 12 anos em que dirigiu a empresa, período no qual teria providenciado mais de 100 milhões de reais em propinas para seus padrinhos políticos e acumulado 70 milhões de reais, fortuna escondida no exterior com o apoio dos filhos.

A julgar pelas descobertas da Operação Lava Jato sobre as relações entre o poder político e o econômico, os relatos do cearense Machado, de 69 anos, soam verossímeis. Resta saber se os fatos são reais. O peemedebista esforça-se para prova-los em um acordo fechado com o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, em troca da possibilidade de escapar da cadeia e de proteger os herdeiros. Recém-homologado pelo Supremo Tribunal Federal, o explosivo conteúdo da delação premiada veio a público na quarta-feira (15), um dia após o ministro Teori Zavascki, relator dos processos da Lava Jato no STFm ter quebrado o sigilo do acordo. Um tiro de canhão no governo provisório.

No caso da suposta propina solicitada por Temer à campanha de Chalita há pistas desagradáveis para o presidente interino. Em depoimento de quase seis horas a procuradores em 6 de maio no Rio de Janeiro, Machado disse que, na reunião de 2012, acertou-se o repasse de 1,5 milhão de reais ao candidato. “O contexto da conversa deixava claro que o que Michel Temer estava ajustando com o depoente era que este solicitasse recursos ilícitos das empresas que tinha contratos com a Transpetro”, afirma um trecho da delação. Após o encontro, Machado procurou Ricardo de Queiroz Galvão, então vice-presidente da Queiroz Galvão, e Ildefonso Colares, ex-diretor da empresa, selou a contribuição e telefonou a Temer para relatar o resultado. A doação seria repassada à Direção Nacional do PMDB e, posteriormente, encaminhado á campanha de Chalita. Valor “oriundo de pagamento de vantagem indevida pela Queiroz Galvão”, assinala outro trecho da delação.
A prestação de contas de Chalita e da direção do PMDB entregues à Justiça Eleitoral reforçam o relato. Em setembro de 2012, quando Machado e Temer se reuniram em Brasília, a Queiroz Galvão doou no dia 28 ao partido 1,5 milhão de reais. Na mesma data, houve uma transferência de 1 milhão de reais da direção para a campanha de Chalita. Em 2 de outubro foi feito repasse complementar de 500 mil reais.

A acusação desorientou Temer, pego de surpresa  no dia em que enviaram ao Congresso uma proposta de engessamento de gastos públicos com saúde e educação por 20 anos, um anúncio desenhado pelo interino para cativar o “mercado” e produzir boas notícias em meios de comunicação conservadores. Em nota, o interino chamou a história de “absolutamente inverídica”. Na quinta (16), fez um pronunciamento no Palácio do Planalto para se defender. Classificou a denúncia de “mentirosa e criminosa” e comentou:  quem pratica atos como os delatados por Machado “não tem condições de presidir o Brasil”, Registro feito.

Horas depois, a delação provocou outra baixa no ministério, a terceira desde a posse do governo provisório. Henrique Eduardo Alves deixou a pasta do Turismo, saída cantada em prosa e verso dadas as ligações do ex-deputado com Eduardo Cunha e aos “indícios bastante seguros” contra ele, segundo Janot, À Procuradoria, Machado disse a respeito de Alves: “Eu o ajudei sempre por meio de doações oficiais, cuja origem eram vantagens indevidas pagas pelas empresas contratadas pela Transpetro”. Segundo o delator, Alves recebeu 1,55 milhão de reais em propina disfarçada de doações feitas pela Queiroz Galvão e Galvão Engenharia.

O ex-deputado, agora ao alcance do juiz Sérgio Moro, pois não tem mais foro privilegiado como ministro nem mandato no Legislativo, foi um dos inúmeros políticos auxiliados por Machado nos 12 anos à frente da Transpetro, conforme o delator. Uma turma de agraciados suprapartidários: os petistas Cândido Vacarezza, Edson Santos, Luiz Sérgio e Ideli Salvatti, o pepista Francisco Dornelles, governador interino do Rio de Janeiro, José Agripino, presidente nacional do DEM, e Heráclito Fortes, do PSB, entre outros. Todos os citados negam irregularidades.

O uso de estatais para arrecadar caixa de campanhas eleitorais e cobrar propina é práxis na política brasileira desde 1946, segundo machado, filho de um ministro do presidente deposto João Goulart (1964-1964) e líder tucano no Senado por cinco anos na gestão Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). Um esquema do gênero na companhia mineira Furnas testemunhado por Machado esteve no centro de uma operação do PSDB para eleger quase cem deputados na campanha de 1998, aquela da reeleição de FHC, e em seguida conquistar a presidência da Câmara para o líder da bancada, o mineiro Aécio Neves, em 2001. Um plano bem-sucedido, graças ao apoio de um apadrinhado de Aécio na diretoria de Planejamento, Engenharia e Construção de Furnas, Dimas Toledo, responsável por irrigar o caixa de tucanos e seus aliados em 1998 e 2001 com verba arrancada de fornecedores da estatal. Toledo é o famoso protagonista da Lista de Furnas, um episódio abafado pela influência dos tucanos na Justiça e na mídia. Com a menção de Machado, somam-se seis os delatores a citar Aécio Neves no esquema da Petrobras.

Mesmo a oposição, sem poder para emplacar indicados em cargos públicos, tira proveito deste modus operandi. Em 2006, narra Machado, a Transpetro enfrentava dificuldades para obter do Senador aval para elevar seu teto de endividamento. A autorização ficou um bom tempo parada na gaveta do, à época, presidente da Comissão de Infraestrutura, Heráclito Fortes, então no DEM. Este só permitiu a votação depois de Machado acionar o senador Sérgio Guerra, presidente do PSDB na oportunidade, e combinar a prospecção de 1 milhão de reais em doações para o tucano e outro tanto para Fortes, anfitrião do QG secreto do impeachment de Dilma Rousseff em 2015 e 2016.
A delação complicou mais um pouco a vida de Temer. E não só por acusa-lo de recorrer a propina para socorrer um correligionário ou por conta de outra baixa na equipe ministerial. Empurrado para o centro da Lava Jato, o PMDB, sigla de Temer e das maiores bancadas na Câmara e no Senado, sai enfraquecido e reduz ainda mais a margem de manobra de um governo de legitimidade contestada, dono de uma agenda impopular e que ainda luta para se consolidar com a aprovação final do impeachment. Luta não, desespera-se, a julgar por certas manifestações de homens de confiança de Temer, como Eliseu Padilha, chefe da Casa Civil, e Moreira Franco, responsável pelas privatizações, ambos ansiosos por um desfecho rápido da deposição.

De quebra, o avanço da Lava Jato sobre a porção da legendo no Senado adiciona incertezas ao caótico quadro político e atrapalha a tentativa de Temer de mostrar força para aprovar seu duro pacote. No sistema financeiro, o Senador é visto como o ponto mais frágil da articulação do governo provisório, dizia na terça-feira (14) um analista do “mercado” a percorrer a Câmara preocupado com uma notícia daquele dia: a abertura de um inquérito no STF para investigar Calheiros, Barbalho, Jucá e Raupp por cobrança de propina nas obras da Hidrelétrica de Belo Monte. A construção saiu do papel quando um companheiro dessa turma, Edison Lobão, comandava o Ministério de Minas e Energia.

Calheiros, presidente do Senado e um dos mais implicados por Machado, acha que o ajuste fiscal de Temer deveria ser votado somente após uma decisão sobre a cassação de Dilma. Mais: está disposto a iniciar uma guerra contra o procurador-geral, ao sinalizar a intenção de abrir um processo de impeachment de Janot, a quem chama de “mau-caráter”. Decisão arriscada. Com Cunha à beira do cadafalso, Janot poderá concentrar esforços no senador, alvo de uma série de inquéritos no STF. Calheiros arquivou antes pedidos para depor o procurador-geral, mas agora avisa: vai rever decisões ou atender a última, apresentada por militantes antipetistas que consideram Janot leniente em relação a Dilma e ao ex-presidente Lula.

A ira de Calheiros tem a ver justamente com pedidos de prisões. No caso, um contra ele, Jucá e Sarney formulado pelo procurador-geral sob o argumento de que a trinca conspira contra a Lava Jato, conforme indicam conversas gravadas por Machado. O encarceramento do trio foi negado por Zavascki no mesmo despacho em que o ministro quebrou o sigilo da delação. Calheiros atacou Janot, ao rotular a pretensão de “esdrúxula” e de ultrapassar o “limite do ridículo”. O senador, diz um líder partidário, tenta convencer os pares a embarcar na cruzada anti-Janot, embora sejam mínimas as chances de êxito. Para este líder, Calheiros saiu, no entanto, fortalecido e com uma espécie de atestado provisório de absolvição, após o STF negar sua prisão.

No pedido de prisão, Janot mostra-se convencido da existência de uma trama anti-Lava Jato por trás da ascensão de Temer ao poder e da tentativa de agentes políticos legados a ele de construir um pacto nacional contra a investigação. Certeza surgida das gravações de Machado: “Pode-se inferir destes áudios que certamente fez parte dessa negociação a nomeação de Romero Jucá para a pasta do Ministério do Planejamento, além da nomeação do filho de José Sarney para o Ministério do Meio Ambiente e de Fabiano Silveira, ligado a RenanCalheiros, para o ministério que substituiu a Controladoria-Geral da União, além dos cargos  já mencionados para o PSDB”, escreveu. De lá para cá, Jucá e Silveira foram demitidos. Sarney Filho segue firme.
Os áudios, entende Zavascki, não eram suficientes para comprovar a tese de embaraço às investigações e justificar as detenções. O ministro acha que a Procuradoria deveria ter apresentado indícios ou elementos adicionais. Estranho. No mesmo dia da solicitação das prisões, 23 de maio, Janot requereu buscas e apreensões nas residências de Calheiros, Sarney e Jucá, todas negadas pelo ministro.

A tentativa de encarcerar próceres do PMDB levou Janot a um embate duro com outro ministro do Supremo, Gilmar Mendes, e à abertura de um inquérito da Polícia Federal para apurar o vazamento à mídia da informação sobre o pedido de prisão, até então sigiloso. Mendes, um inegável antipetista sempre ao lado da trincheira do impeachment em julgamentos ou comentários, insinuou ter sido o procurador-geral o responsável pelo vazamento, com o objetivo de emparedar a Corte por meio da opinião pública e obter as prisões requeridas. “Isso é uma brincadeira com o Supremo”, esbravejou, pela primeira vez em dois anos incomodado com a divulgação de dados da operação antes de o processo concluído. Tomou o revide na sexta-feira (10). “Figuras de expressão nacional, que deveriam guardar a imparcialidade e manter decoro, tentam disseminar a ideia estapafúrdia de que o procurador-geral da República teria vazado informações sigilosas”, disse Janot. “Como hipótese investigativa inicial, vale a pergunta: a quem esse vazamento beneficiou? Ao Ministério Público não foi.”

Os percalços de expoentes do PMDB no Senado ofuscaram um pouco o infortúnio do timoneiro da agremiação entre os deputados. Depois de oito meses, um recorde de lentidão, o Conselho de Ética da Câmara votou o processo por quebra

De decoro instaurado contra Eduardo Cunha sob a alegação de ele ter mentido aos pares e ao Fisco a respeito de contas no exterior. Aprovou, por 11 votos a 9, derrota dolorida para o peemedebista, que se considerou traído. Se tudo correr como esperado, sem novas manobras, o caso será decidido no plenário na primeira semana de julho e é improvável que Cunha mantenha o mandato.

Quando o conselho se reuniu para votar, a situação de Cunha era provavelmente inédita nos anais do Congresso. Réu no STF por corrupção e lavagem de dinheiro em um caso de uso do mantado para achacar um fornecedor da Petrobras. Denunciado ao Supremo por cobrar propina na compra de um campo de petróleo pela estatal na África. Multado em 1 milhão de reais pela Banco Central por não declarar contas no exterior. Alvo de uma ação de improbidade administrativa a requerer a suspensão de seus direitos políticos por dez anos e a devolução de 80 milhões de reais ao Erário por enriquecimento ilícito. Responsável por sua esposa, Cláudia Cruz, ter virado ré por lavagem de dinheiro. Na mira de um pedido de prisão preventiva apresentado por Janot ao STF.

Com tal prontuário, Cunha só escaparia caso prevalecesse a inclinação suicida de aliados dispostos a assumir o desgaste perante a opinião pública. A baiana Tia Eron, so PRB, e o paraense Wladimir Costa, do Solidariedade, contabilizados como votos certos a seu favor, refugaram na hora H. Apelos do Planalto em favor de um aliado de Temer, revelados nos corredores pelo mineiro Júlio Delgado, não surtiram efeito. Ameaças veladas de Cunha, via mídia, de levar junto 150 deputados, além de um ministro e um senador, também não.

As más notícias continuaram após o fim da sessão. Logo em seguida, o juiz Augusto Cesar Pansini Gonçalves, da 6ª Vara Federal do Paraná, bloqueou os bens do casal Cunha na ação de improbidade, enquanto Zavascki dava cinco dias de prazo para o peemedebista defender-se do pedido de prisão de Janot. O ex-dono da Câmara está sem dinheiro e à beira de ir para a cadeia. Não surpreende ruminar, conforme indicam certas informações plantadas no noticiário, a ideia de fazer uma delação premiada, embora não se saiba se a Procuradoria-Geral tenha interesse em um acordo. Se Machado foi capaz de causar tantos estragos, imagine Cunha.

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