Qualquer um é capaz de lembrar em seu Município e Estado os responsáveis por grandes saques aos cofres públicos. E constatam que a grande maioria estão ricos e/ou ocupando altos cargos públicos, vivendo como “cidadãos de bem”. Os autores de grandes crimes de corrupção não enfrentam processos.
POR ALAN ROGÉRIO MANSUR SILVA*
Em julho de 2015, a sociedade
conheceu propostas formuladas pelo Ministério Público Federal. Eram as
denominadas 10 medidas de combate à corrupção, elaboradas por Procuradores da
República que por diversos anos atuaram em grandes casos criminais e de
improbidade, e no decorrer deste tempo constataram as fragilidades e as brechas
de nosso sistema normativo. Perceberam na prática que era necessário modificar
as leis. Da forma que estava era impossível ficar.
Pelas propostas, foram expostas
algumas fragilidades patentes em nosso sistema, como: a) o enriquecimento
ilícito de agentes públicos ainda não é crime; b) a pena de crimes de corrupção
de altos valores se assemelha a crimes leves e dificilmente a condenação
implica cumprimento em regime fechado; c) a ação de improbidade administrativa
contém uma fase anacrônica, que permite que o mesmo ato de defesa do réu seja
realizado em dois momentos distintos e atrasa o processo; d) que não há prisão
preventiva para assegurar que milhões desviados da saúde e educação sejam
devolvidos ao erário, o que permite que o dinheiro ilícito transite
tranquilamente em paraísos fiscais; e) que a prática de caixa 2, apesar de ser
uma irregularidade eleitoral, não é um crime.
Os Procuradores buscaram apoio
na sociedade. O projeto deveria entrar na Câmara como projeto de lei de
iniciativa popular. Outros diversos “pacotes anticorrupção” já tinham ficado
engavetados no Congresso.
Eram necessárias 1,5 milhão de
assinaturas. Em março de 2016, apenas 9 meses depois, a mobilização popular
alcançou a impressionante marca de 2 milhões de apoiadores. Nunca um projeto de
iniciativa popular obteve tantas assinaturas em tão pouco tempo. A Lei da Ficha
Limpa precisou mais de um ano para coletar as assinaturas necessárias. A
sociedade respondeu em grande estilo.
Essa mobilização veio no
ambiente de repúdio total à corrupção no país. A sociedade brasileira começou a
perceber diariamente que os recursos públicos são desviados e a punição é
demorada e incerta. O cálculo do risco da prática do crime acaba sendo favorável
ao criminoso do colarinho branco. A quantidade de presos no sistema
penitenciário do país por diversos crimes contra a Administração Pública,
somados, alcança pífios 0,5%. E destes, a maioria dos casos é de agentes
públicos que foram subornados com pequenos valores, como propina para um agente
de fiscalização de trânsito, por exemplo.
Qualquer um é capaz de lembrar
em seu Município e Estado os responsáveis por grandes saques aos cofres
públicos. E constatam que a grande maioria estão ricos e/ou ocupando altos
cargos públicos, vivendo como “cidadãos de bem”. Os autores de grandes crimes
de corrupção não enfrentam processos.
Quando são denunciados, os
processos são submetidos a um número excessivo de recursos que interrompem o
seu curso. Quando chegam ao final, o risco de prescrição é grande. Nos
improváveis casos em que se chega à condenação, é grande a possibilidade de não
se encontrar mais bens penhoráveis e a pena aplicada ser pequena. Normalmente
tais crimes são praticados por grupos organizados que mantém o sigilo absoluto,
sob a ética do colarinho branco. A “omertá”, dos grupos mafiosos. E os bens
desviados se esvaem em diversas empresas de fachada, bens em nomes de
terceiros, contas no exterior. Ou mesmo no gasto para ostentação social.
Além dos avanços propostos para
a legislação com as 10 medidas, também precisamos ficar de olho para evitar
retrocessos. Há projetos de lei que visam estrangular investigações ou
facilitar práticas ilegais: um deles impede que a colaboração premiada seja
feita por réu preso; outro, que as investigações tenham limite de 12 meses para
ser concluídas (como se a corrupção passasse recibo e tivesse hora certa para
começar e terminar); ainda, há o que pretende que o Ministério Público fique
excluído de acordos de leniência, que permitiriam perdão a empresas infratoras
sem um controle efetivo.
É inegável que temos no Brasil
hoje um ataque direto à Operação Lava Jato e a diversas investigações que
incomodam os investigados e as pessoas que percebem que podem se tornar alvo dos
órgãos de fiscalização. A transparência e a luz do sol ainda incomodam muito
aqueles acostumados a agir pelas sombras, tramando nos bastidores medidas para
que continuem intocáveis, sem perceber que esta categoria de pessoas não mais
deve existir em uma sociedade verdadeiramente democrática.
As 10 medidas são excelentes
propostas apresentadas por Procuradores experientes no combate ao crime e que
podem tornar o sistema jurídico mais efetivo e justo, no resguardo aos direitos
individuais e também na proteção aos cofres públicos e à probidade
administrativa, historicamente tão maltratados em nosso país.
ALAN ROGÉRIO MANSUR SILVA é
Procurador da República do Núcleo de Combate à Corrupção (MPF/PA) e Diretor da
Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR).
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