Em pronunciamento que durou quinze minutos, logo após a decisão do Senado de afastá-la, a presidente cassada afirmou que um 'grupo de corruptos' assume o poder e destacou luta 'incansável'.
"Nada poderá nos fazer recuar. Não direi adeus a vocês, tenho certeza que poderei dizer ‘até daqui a pouco’. Nós voltaremos. Voltaremos para continuar nossa jornada rumo a um Brasil onde o povo é soberano”, disse.
Em seu
primeiro discurso depois da decisão do Senado de afastá-la, a presidente
cassada Dilma Rousseff disse que um "grupo de corruptos" assume o
poder e que haverá contra eles oposição "firme, incansável e
energética".
"Ouçam
bem: eles pensam que nos venceram, mas estão enganados. Sei que todos vamos
lutar. Haverá contra eles a mais firme, incansável e enérgica oposição que um
governo golpista pode sofrer", disse Dilma no Salão de Mármore do Palácio
da Alvorada, uma das residências
oficiais da Presidência da República que Dilma deve deixar depois da decisão do
Senado.
O
pronunciamento de Dilma durou quinze minutos. O ex-presidente Luiz Inácio Lula
da Silva acompanhou a presidente cassada, que foi recebida aos gritos de
"Dilma, guerreira, da pátria brasileira" no Palácio da Alvorada.
Senadores, deputados, dirigentes de partidos aliados e integrantes de
movimentos sociais também estavam ao lado dela. Não faltaram críticas à
imprensa, chamada pelos manifestantes de "mídia golpista". Na
despedida de Dilma, gritos de "Fora Temer" e "Ocupar e Resistir
até o Temer cair" ecoaram pelo Alvorada.
"Causa
espanto que a maior ação contra a corrupção da nossa história, propiciada por
ações desenvolvidas e leis criadas a partir de 2003 e aprofundadas em meu
governo, leve justamente ao poder um grupo de corruptos investigados",
afirmou a presidente cassada.
Dilma
também estava acompanhada de parlamentares que votaram contra o impeachment.
Ela disse que vai recorrer "em todas as instâncias possíveis" contra
o que classificou de "fraude".
Ela
disse que a decisão do Senado de afastá-la definitivamente da Presidência vai
entrar na história como uma das grandes injustiças e que os 61 senadores que
deram o voto para cassá-la "escolheram rasgar a Constituição" e não
respeitaram a vontade. "Condenaram uma inocente e consumaram o golpe
militar".
"Travei
bons combates. Perdi alguns, venci muitos e, neste momento, me inspiro em Darcy
Ribeiro para dizer: não gostaria de estar no lugar dos que se julgam
vencedores. A história será implacável com eles", afirmou.
No
discurso, a presidente enalteceu ações do seu governo e de Lula, principalmente
na área social. "Por mais de 13 anos realizamos com sucesso um projeto que
promoveu a maior inclusão social e redução de desigualdades da história do
nosso País", afirmou. Esta história não acaba assim. Estou certa que a
interrupção deste processo pelo golpe de estado não é definitiva. Nós
voltaremos. Voltaremos para continuar nossa jornada rumo a um Brasil em que o
povo é soberano", completou Dilma.
A
presidente encerrou o discurso com um poema do poeta russo Maiakovski:
"Não estamos alegres, é certo/Mas também por que razão haveríamos de ficar
tristes?/O mar da história é agitado/As ameaças e as guerras, haveremos de
atravessá-las,/Rompê-las ao meio,/Cortando-as como uma quilha corta."
"Um belíssimo alento", disse Dilma ao se despedir, deixando um "carinhoso
abraço" a todo povo brasileiro.
Leia a íntegra:
Pronunciamento da presidenta
Dilma após aprovação do golpe parlamentar
Ao
cumprimentar o ex-Presidente Luís Inácio Lula da Silva, cumprimento todos os
senadoras e senadores, deputadas e deputados, presidentes de partido, as
lideranças dos movimentos sociais. Mulheres e homens de meu País.
Hoje,
o Senado Federal tomou uma decisão que entra para a história das grandes
injustiças. Os senadores que votaram pelo impeachment escolheram rasgar a
Constituição Federal. Decidiram pela interrupção do mandato de uma Presidenta
que não cometeu crime de responsabilidade. Condenaram uma inocente e consumaram
um golpe parlamentar.
Com a
aprovação do meu afastamento definitivo, políticos que buscam desesperadamente
escapar do braço da Justiça tomarão o poder unidos aos derrotados nas últimas
quatro eleições. Não ascendem ao governo pelo voto direto, como eu e Lula
fizemos em 2002, 2006, 2010 e 2014. Apropriam-se do poder por meio de um golpe
de Estado.
É o
segundo golpe de estado que enfrento na vida. O primeiro, o golpe militar,
apoiado na truculência das armas, da repressão e da tortura, me atingiu quando
era uma jovem militante. O segundo, o golpe parlamentar desfechado hoje por
meio de uma farsa jurídica, me derruba do cargo para o qual fui eleita pelo
povo.
É uma
inequívoca eleição indireta, em que 61 senadores substituem a vontade expressa
por 54,5 milhões de votos. É uma fraude, contra a qual ainda vamos recorrer em
todas as instâncias possíveis.
Causa
espanto que a maior ação contra a corrupção da nossa história, propiciada por
ações desenvolvidas e leis criadas a partir de 2003 e aprofundadas em meu
governo, leve justamente ao poder um grupo de corruptos investigados.
O
projeto nacional progressista, inclusivo e democrático que represento está
sendo interrompido por uma poderosa força conservadora e reacionária, com o
apoio de uma imprensa facciosa e venal. Vão capturar as instituições do Estado
para colocá-las a serviço do mais radical liberalismo econômico e do retrocesso
social.
Acabam
de derrubar a primeira mulher presidenta do Brasil, sem que haja qualquer
justificativa constitucional para este impeachment.
Mas o
golpe não foi cometido apenas contra mim e contra o meu partido. Isto foi apenas
o começo. O golpe vai atingir indistintamente qualquer organização política
progressista e democrática.
O
golpe é contra os movimentos sociais e sindicais e contra os que lutam por
direitos em todas as suas acepções: direito ao trabalho e à proteção de leis
trabalhistas; direito a uma aposentadoria justa; direito à moradia e à terra;
direito à educação, à saúde e à cultura; direito aos jovens de protagonizarem
sua história; direitos dos negros, dos indígenas, da população LGBT, das
mulheres; direito de se manifestar sem ser reprimido.
O
golpe é contra o povo e contra a Nação. O golpe é misógino. O golpe é
homofóbico. O golpe é racista. É a imposição da cultura da intolerância, do
preconceito, da violência.
Peço
às brasileiras e aos brasileiros que me ouçam. Falo aos mais de 54 milhões que
votaram em mim em 2014. Falo aos 110 milhões que avalizaram a eleição direta
como forma de escolha dos presidentes.
Falo
principalmente aos brasileiros que, durante meu governo, superaram a miséria,
realizaram o sonho da casa própria, começaram a receber atendimento médico,
entraram na universidade e deixaram de ser invisíveis aos olhos da Nação,
passando a ter direitos que sempre lhes foram negados.
A
descrença e a mágoa que nos atingem em momentos como esse são péssimas
conselheiras. Não desistam da luta.
Ouçam
bem: eles pensam que nos venceram, mas estão enganados. Sei que todos vamos
lutar. Haverá contra eles a mais firme, incansável e enérgica oposição que um
governo golpista pode sofrer.
Quando
o Presidente Lula foi eleito pela primeira vez, em 2003, chegamos ao governo
cantando juntos que ninguém devia ter medo de ser feliz. Por mais de 13 anos,
realizamos com sucesso um projeto que promoveu a maior inclusão social e
redução de desigualdades da história de nosso País.
Esta
história não acaba assim. Estou certa que a interrupção deste processo pelo
golpe de estado não é definitiva. Nós voltaremos. Voltaremos para continuar
nossa jornada rumo a um Brasil em que o povo é soberano.
Espero
que saibamos nos unir em defesa de causas comuns a todos os progressistas,
independentemente de filiação partidária ou posição política. Proponho que
lutemos, todos juntos, contra o retrocesso, contra a agenda conservadora,
contra a extinção de direitos, pela soberania nacional e pelo restabelecimento
pleno da democracia.
Saio
da Presidência como entrei: sem ter incorrido em qualquer ato ilícito; sem ter
traído qualquer de meus compromissos; com dignidade e carregando no peito o
mesmo amor e admiração pelas brasileiras e brasileiros e a mesma vontade de
continuar lutando pelo Brasil.
Eu
vivi a minha verdade. Dei o melhor de minha capacidade. Não fugi de minhas
responsabilidades. Me emocionei com o sofrimento humano, me comovi na luta
contra a miséria e a fome, combati a desigualdade.
Travei
bons combates. Perdi alguns, venci muitos e, neste momento, me inspiro em Darcy
Ribeiro para dizer: não gostaria de estar no lugar dos que se julgam
vencedores. A história será implacável com eles.
Às
mulheres brasileiras, que me cobriram de flores e de carinho, peço que
acreditem que vocês podem. As futuras gerações de brasileiras saberão que, na
primeira vez que uma mulher assumiu a Presidência do Brasil, a machismo e a
misoginia mostraram suas feias faces. Abrimos um caminho de mão única em
direção à igualdade de gênero. Nada nos fará recuar.
Neste
momento, não direi adeus a vocês. Tenho certeza de que posso dizer “até daqui a
pouco”.
Encerro
compartilhando com vocês um belíssimo alento do poeta russo Maiakovski:
"Não
estamos alegres, é certo,
Mas
também por que razão haveríamos de ficar tristes?
O mar
da história é agitado
As
ameaças e as guerras, haveremos de atravessá-las,
Rompê-las
ao meio,
Cortando-as
como uma quilha corta."
Um
carinhoso abraço a todo povo brasileiro, que compartilha comigo a crença na
democracia e o sonho da justiça.
Com informações de O Estado de S. Paulo e Brasil 247
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