O procurador regional da República Carlos Fernando Santos Lima diz que
delações da Odebrecht provocarão 'tsunami' no mundo político
do UOL/Estadão Conteúdo
Curitiba e São Paulo - Um dos principais negociadores de delações e acordos de leniência da Operação Lava Jato, o procurador regional da República Carlos Fernando dos Santos Lima afirma que as revelações de executivos e ex-funcionários da Odebrecht devem provocar um "tsunami" no mundo político. "A corrupção está em todo o sistema político, seja partido A, B ou C. Seja no governo federal, seja no governo estadual. Ela grassa em todos os governos."
Para ele, houve uma mudança na percepção da Lava Jato após o
impeachment de Dilma Rousseff. "Tem grupos que viam a Lava Jato apenas com
interesse contra o partido que estava no poder, o Partido dos Trabalhadores, e
apoiavam. Para este grupo, naturalmente, não interessa a continuidade das
investigações e é natural que faça esse movimento crítico agora", afirmou.
O procurador também criticou o foro privilegiado. "Se não fosse só
injusto e antirrepublicano, ainda é ineficiente. Da maneira que está, não é
possível, é uma armadilha para o Supremo", disse à reportagem o decano da
força-tarefa da Lava Jato, em Curitiba.
Há um abuso
das prisões na Lava Jato?
Evidente que não, até porque elas têm sido referendadas nos tribunais.
O sistema permite tamanha quantidade de recursos que não há como se dizer que
há abusos. No Brasil temos excessos de prisões de pessoas por crimes menores,
como furtos, mulas de tráfico. Agora, não vi problema carcerário por excesso de
prisões de colarinho branco. Temos é de aumentar o número de prisões para esses
casos.
Por que a
manutenção das prisões por longos períodos?
A prisão se justifica segundo os requisitos de lei. Normalmente, temos
feito prisão por necessidade da instrução, pela ordem pública. E, enquanto presentes
os requisitos, o juiz mantém a prisão.
Uma crítica
recorrente é que a Lava Jato não respeita os direitos individuais dos
investigados...
Não é uma crítica justa. Existem recursos e tribunais para se resolver
a questão. A interpretação excessiva desses direitos individuais é que tem
causado a impunidade no Brasil. Temos de fazer um balanço entre a necessidade
que a sociedade tem de punir esses crimes e o direito das pessoas. Mas quem
decide esse balanço são os tribunais e, até o momento, eles têm mantido as
decisões. Os fatos que temos levantados são bem graves, continuados e continuam
até hoje.
A operação
tem responsabilidade na recessão econômica?
Não, é tentar culpar o remédio pelo problema da doença. Temos um
problema sério no Brasil que é um sistema político disfuncional, que se utiliza
da corrupção para se financiar. Decidimos propor à população as 10 Medidas
Contra a Corrupção, entendendo que o problema talvez fosse de leis penais e
processuais penais. No dia em que a Câmara retaliou a proposta, percebemos que
o sistema político precisa ser corrigido. Precisamos parar de ter um sistema
que gera criminalidade, que precisa de dinheiro escuso para sobreviver, para
financiar as campanhas. A corrupção gera uma corrida entre os partidos para o
financiamento ilegal. E financiamento ilegal não é caixa 2. É um toma lá da cá.
Quem paga exige algo desses grupos políticos.
A alteração
do pacote anticorrupção foi um revés?
Foi uma retaliação impensada (do Congresso). Como procuradores
apreendemos a ser resilientes. Outras medidas virão, outras campanhas, em
outros momentos. Não se pode modificar o que já foi revelado, sabemos o que
aconteceu.
A mudança de
governo teve impacto na Lava Jato?
Nós vemos na Lava Jato, e isso incomoda, a manipulação ideológica que é
feita das investigações, tentando justificar as investigações, que são uma
obrigação nossa (Ministério Público), com ideias de que há uma perseguição
política de um grupo A ou B. A corrupção está em todo sistema político
brasileiro, seja partido A, B ou C. Seja no governo federal, seja no governo
estadual. Ela grassa em todos os governos. Isso vai ser revelado bem claramente
quando os dados das colaborações e da leniência da Odebrecht forem divulgados.
E vai se perceber que o esquema sempre funciona da mesma forma. Ele é um grande
caixa geral de favores que políticos fazem por meio do governo e, em troca,
recebem financiamento para si ou para seus partidos e campanhas. A Lava Jato e
o combate à corrupção não têm cunho ideológico. Para nós é indiferente a troca
do governo.
Mas o senhor
identificou mudança de discurso de grupos políticos em apoio à Lava Jato?
Tem grupos que viam a Lava Jato apenas com interesse contra o partido
que estava no poder, o Partido dos Trabalhadores, e apoiavam. Para este grupo,
não interessa a continuidade das investigações e é natural que faça esse
movimento crítico agora. São grupos que nos apoiavam e agora fazem um discurso
contra. Sabemos que os interesses políticos se aglutinam contra a Lava Jato,
como aconteceu no fim do ano passado, com o Congresso tentando, quase que
semanalmente, a aprovação, na madrugada, de alguma medida extraordinária. Neste
ano parece que estão tentando um esvaziamento lento e gradual da operação.
Com a Lava
Jato no Supremo, que tem um ritmo mais lento, pode haver um reflexo negativo na
imagem da operação?
A percepção das pessoas fica bastante alterada, porque elas estão vendo
que o sistema de foro privilegiado é ineficiente. Se não fosse só injusto e
antirrepublicano, ainda é ineficiente. Alguns ministros se manifestaram, como o
ministro (Luís Roberto) Barroso. Da maneira que está, não é possível, é uma
armadilha para o Supremo. Quanto mais chegam investigações de Curitiba, de São
Paulo, do Rio e, agora, de outros Estados, eles (STF) são cada vez mais
incapazes de trabalhar com esse número de processos (da Lava Jato). É preciso
espalhar esses processos. Precisamos de uma democracia mais eficiente, mas
também um Judiciário que não tenha contra ele a pecha de pouco confiável.
Quando se cria o foro privilegiado, a mensagem para a população é que o juiz de
primeira instância não é confiável. Se for assim, todos têm o direito de querer
foro.
O Supremo vai
conseguir julgar a Lava Jato?
Acho que vai ser uma armadilha. O mensalão, que era muito menor, já foi
um sacrifício. Imagine agora, que os fatos são múltiplos, porque (a corrupção)
acontecia na Eletronuclear, na Eletrobrás, na Caixa, na Petrobrás, nos fundos
de pensão. São dezenas de processos, contra centenas de pessoas. Materialmente
é impossível o Supremo dar conta de julgar os processos todos que virão. Talvez
a solução seja a do ministro Barroso, um entendimento mais restritivo de foro,
ou uma emenda constitucional. O que acho que vai acontecer, mas espero que não
aconteça, é que vai haver uma sensação de frustração. É o risco da prescrição e
da impunidade.
O sr. defende
o fim do sigilo da delação da Odebrecht?
É complexo, é uma ponderação, um lado ganha um ponto, outro lado perde
um ponto. Temos de um lado a necessidade das investigações, então o sigilo é
importante, porque se podem perder provas, podem (os delatados) combinar
versões se souberem o que foi revelado. De outro lado, nós aqui da Lava Jato
estamos cansados de termos a imputação de vazamentos. A posição da
Procuradoria-Geral da República é a melhor, existem poucos casos em que manter
o sigilo seja melhor. Talvez a maior parte deva vir a público.
As mudanças
de ministro no Supremo podem influenciar ou até prejudicar a Lava Jato?
Vejo menos gravidade nos fatos acontecidos até agora. Existe um jogo
político de apoiamentos que usa certos mecanismos de difamação em relação a uma
ou outra pessoa. Claro, existem pessoas que se manifestaram contra a Lava Jato,
mas que acho extremamente bem qualificadas, como o doutor (Antônio Claudio)
Mariz. Em relação ao ministro Alexandre de Moraes, temos ele como um jurista
capaz. O doutor Edson Fachin (relator da Lava Jato no STF) é uma pessoa
extremamente bem conceituada. Então, não temos problema.
O governo
Temer tem manobrado para frear a Lava Jato?
Nesse governo ainda não percebemos isso claramente. Mas não temos
dúvida de que há um interesse da classe política de lentamente desconstruir a
operação, isso sabemos. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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