Ameaçado por traficantes que condenou,
magistrado teme se aposentar, pois perderá a escolta: 'sou refém da toga'
José Maria Tomazela
O Estado de São Paulo
Considerado um dos maiores algozes do
crime organizado no País por ter condenado a mais de mil anos de prisão dezenas
de narcotraficantes e confiscado centenas de milhões em bens das quadrilhas, o
juiz federal Odilon de Oliveira, com 68 anos de idade e mais de 30 de Judiciário,
tem medo de se aposentar. A Justiça não garante escolta para o magistrado fora
da ativa e ele já foi jurado de morte pelos chefões do tráfico que mandou para
a cadeia. “Sou refém da toga. Se saio na rua aposentado e sem escolta, fico tão
vulnerável que sou morto a porrete”, afirmou.
Oliveira, que nasceu em Exu (PE) e
começou a trabalhar muito cedo, já pediu a contagem do tempo de serviço para
requerer a aposentadoria. “Eu poderia ficar até os 75 anos, mas estou saturado
da hipocrisia da Justiça Penal brasileira e queria parar. O que está pegando é
a segurança.”
Segundo ele, embora não haja uma norma
clara a respeito, já houve provimentos dando ao juiz ameaçado direito a
segurança após a aposentadoria.
O magistrado disse ter consultado o
Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão regulador e de apoio ao Judiciário,
mas ainda não teve resposta. “Em janeiro de 2014, pedi ao CNJ para que
encaminhasse consulta ao ministro da Justiça, indagando se, após a
aposentadoria, em virtude do risco à minha segurança criado pela atividade
jurisdicional, eu poderia ter alguma proteção. Até hoje o CNJ não decidiu
nada.” Procurado, o conselho afirmou que o processo tramita em segredo.
Oliveira ficou conhecido não somente
pela mão pesada na aplicação de penas contra os narcotraficantes. Após aplicar
a sentença, o magistrado se valeu de instrumentos legais para expropriar
fazendas, mansões, aeronaves, lanchas e carros de luxo adquiridos com o
dinheiro do tráfico. Desde 2005, quando assumiu a Vara Criminal de Ponta Porã,
em Mato Grosso do Sul, na linha da fronteira com o Paraguai, ele promoveu o
confisco de 85 fazendas, 370 sítios, casas e apartamentos, 18 aviões e 14 mil
veículos - cerca de R$ 2 bilhões em valores atuais.
Jurado de morte, em 2011 teve o hotel
invadido por homens armados quando não estava no apartamento e se abrigou no
quartel do Exército. Com a chegada da escolta feita por dez agentes da Polícia
Federal, passou a morar no Fórum. Na ocasião, o Estado o encontrou à noite,
dormindo em um colchonete, na sala de audiências. Até então, ele tinha
condenado 114 traficantes a penas, somadas, de 920 anos. A Vara de Ponta Porã
era a que mais condenava traficantes no País.
CV e PCC
Em julho daquele ano, o jornal paraguaio La Nación publicou a informação de que traficantes brasileiros que agiam no Paraguai se dispunham a pagar US$ 300 mil pela cabeça do juiz. Além da escolta, ele recebeu um carro com blindagem para tiros de fuzil AR-15.
Em julho daquele ano, o jornal paraguaio La Nación publicou a informação de que traficantes brasileiros que agiam no Paraguai se dispunham a pagar US$ 300 mil pela cabeça do juiz. Além da escolta, ele recebeu um carro com blindagem para tiros de fuzil AR-15.
“Dos meus 30 anos de carreira no Judiciário,
18 foram sob escolta. Na época, os filhos ainda moravam comigo e isso causava
enorme constrangimento para a família. Eu não me arrependo, só que não posso
ficar eternamente em serviço. De lá para cá, continuei condenando muitos
criminosos, mas o tráfico continua e está cada vez mais armado.”
Mesmo depois que foi retirado da
fronteira contra sua vontade e passou a atuar na 3.ª Vara Federal de Campo
Grande, supostamente mais segura, Oliveira teve de continuar com escolta 24
horas por dia. Ele tem uma lista com mais de 60 nomes de criminosos que teriam
motivos para matá-lo. Um deles é Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho
Beira-Mar, líder do Comando Vermelho (CV), mandado várias vezes para o castigo
do Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), quando ele era juiz corregedor da
penitenciária federal de Campo Grande, entre 2006 e 2009.
Quando interrogava o megatraficante
colombiano Juan Carlos Abadia, o juiz descobriu um plano de Beira-Mar para
sequestrar um dos filhos do então presidente Lula. O traficante foi sentenciado
em um processo de lavagem de dinheiro de R$ 11 milhões. O magistrado também
condenou o traficante José Severino da Silva, o Cabecinha, líder do Primeiro
Comando da Capital (PCC).
Segundo ele, o PCC dominou a fronteira,
o que aumenta o risco para sua segurança. Oliveira lembrou que a facção está
por trás do atentado que matou o megatraficante Jorge Rafaat Toumani, em junho
de 2016.
“Com isso, o PCC tomou conta da
fronteira. Seus membros estão radicados no Paraguai e transformaram a região em
campo de batalha. O Brasil não cuida da fronteira, então de pouco adianta
combater o tráfico aqui dentro. Isso vai aborrecendo a gente.”
Oliveira disse que, se for decidido que
não terá direito à escolta, vai embora do Brasil. “Mesmo que construísse um bunker
(fortaleza) não estaria a salvo. Vou para fora, para outro lugar que não seja a
América do Sul. Passei a vida toda confiscando os bens desses vagabundos e
recolhendo o dinheiro para a União. Não acho que mereça ser descartado como um
preservativo usado.”
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