Vice-procurador-geral eleitoral diz que partidos devem amadurecer
democracia interna antes de discutir lista fechada
Rafael Moraes Moura
O Estado de São Paulo
BRASÍLIA - Em meio a movimentações no
Congresso para tentar articular anistia a punições para doação não declarada de
campanha, o vice-procurador-geral eleitoral, Nicolao Dino, disse em entrevista
ao Estado que não vê “como separar caixa 2 e corrupção”. “Ambas são condutas
graves, implicam abuso de poder.”
Na semana passada, o presidente do
Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Gilmar Mendes, disse que o debate sobre a
anistia ao caixa 2 pode ser feito no Congresso em “momento oportuno” e comparou
a aprovação de uma norma sobre o tema à lei de repatriação de recursos. Para
Dino, “caixa 2 é crime, que precisa ser adequadamente punido na legislação”.
Sobre a possibilidade de o Congresso
aprovar um projeto para adotar lista fechada em 2018, o procurador afirmou que
é preciso amadurecer a “democracia interna dos partidos”.
O ministro Luís Roberto Barroso, do STF,
fez uma defesa enfática da lista fechada, mas o tema é polêmico. Qual a
avaliação do senhor sobre o assunto?
Tem problemas. Tem de ter amadurecimento
de democracia partidária. Os partidos têm de praticar mais democracia sob o
ponto de vista interno, para que as listas eventualmente definidas tenham
legitimidade.
Quem definiria a lista?
Esse é o ponto. Acho que você não pode
separar democracia interna nos partidos de formação de lista pré-ordenada. Uma
coisa pressupõe a outra. Para você ter listas pré-ordenadas com uma boa dose de
legitimidade, tem de ter democracia interna nos partidos. E tem de ter partidos
fortes, mas ainda haverá um outro problema: a eleição de contrabando. Você
define nomes que não necessariamente queria que estivessem compondo a lista.
Como é que resolve? Uma sugestão é criar um mecanismo dentro de uma lista
pré-ordenada que possibilite ao eleitor a partir de um determinado quantitativo
de votos alterar a ordem. É um modelo híbrido. Algo parecido com o voto
distrital misto. Existem precedentes. Estabelece uma espécie de janela para que
a vontade do eleitor em relação a determinados candidatos possa também ser
determinante no processo de definição dos eleitos. E não apenas o que foi
preestabelecido pelo partido.
Seria precipitado adotar a lista fechada
já em 2018?
Pelo que foi dito e está sendo
discutido, me parece que a ideia não é bem essa. Há uma regra de transição.
Temos de enfrentar os desafios. Estamos num Estado em que do jeito que está,
pior não ficará. A situação é de absoluta descrença na forma como as eleições são
praticadas. Temos problema de financiamento, de representatividade dos
partidos, na definição do modelo de representação. Agora, qual será a melhor
solução para 2018, 2020 ou 2022, o Parlamento dirá.
Dá tempo de fazer uma reforma política
para valer em 2018?
Para ter validade, as alterações terão
de ser implementadas até setembro. O debate não é novidade. O elemento novo é a
deliberação de que será preciso fazer uma reforma mais estrutural. Todos esses
temas vêm sendo objeto de questionamento no Parlamento há várias legislaturas.
O debate está maduro. É consensual que o sistema, tal como posto, está falido.
A reforma é inexorável.
Investigados na Lava Jato vêm defendendo
a lista fechada. O próprio ministro Barroso vê risco de efeito colateral. Como
o sr. avalia o fato de lideranças sob suspeitas tentarem se aproveitar da lista
para garantir blindagem?
Não emito posições em relação a esses
aspectos circunstanciais. Estamos discutindo modelos e eles estão postos. O
Brasil está aprendendo com esses modelos que já estão sendo exercitados em
vários países. O Parlamento é o espaço democraticamente estabelecido para que
esse tipo de debate se estabeleça.
Para o sr. caixa 2 é crime?
Caixa 2 é crime, caixa 2 é um desvalor
de conduta que precisa ser adequadamente punido na nossa legislação. É objeto
de reprovação, não há dúvida alguma. Ele desiguala a disputa eleitoral. É abuso
de poder, abre a porta para troca de favores. O caixa 2 em tudo é negativo, é
nefasto para o processo democrático.
Mas existe uma discussão para separar
caixa 2 e propina...
Isso parece aquela frase de um célebre
político brasileiro: “Estupra, mas não mata”. O caixa 2 é tão grave quanto, não
há como fazer essa separação sob o ponto de vista ontológico, não há como fazer
a separação entre caixa 2 e corrupção, ambas são condutas graves, porque ambas
implicam desequilíbrio na disputa, ambas maculam a legitimidade do processo
eleitoral, ambas implicam abuso de poder e ambas implicam frustração do
eleitorado em relação àquilo que ele pretende em termos de realização de
democracia. Não há eufemismo possível para caixa 2. Temos de encarar isso com a
realidade necessária e estabelecer os mecanismos de responsabilização adequados
para esse tipo de conduta que é absolutamente nociva para o processo democrático.
O sr. está otimista de que haverá saída
dessa atual situação?
Acho que a gente tem de ser otimista,
sim. Acreditar numa solução melhor, num caminho melhor, eu acho que é um
compromisso das instituições. Quem acredita na democracia tem de ser otimista e
eu sou uma pessoa que, antes de qualquer coisa, sou otimista.
Nenhum comentário:
Postar um comentário