BELA MEGALE
DE BRASÍLIA
MARIO CESAR CARVALHO
FOLHA DE SÃO PAULO
Um executivo e um ex-diretor da Andrade Gutierrez afirmaram, em
negociação de acordo de delação com a Operação Lava Jato, que a empreiteira
pagava propina para que o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo não
apontasse problemas em licitações e contratos de obras, sobretudo os do Metrô.
O órgão é responsável por decidir se as licitações e contratos do
governo paulista são regulares ou não.
Um dos relatos diz que a empresa pagava o correspondente a 1% do valor
do contrato que estava sob análise do tribunal para Eduardo Bittencourt Carvalho,
ex-conselheiro do órgão.
O valor era entregue em dinheiro vivo para representantes do
conselheiro, segundo um candidato a delator.
Bittencourt foi afastado do tribunal pela Justiça no final de 2011 sob
a acusação de enriquecimento ilícito: ele acumulou um patrimônio de R$ 50
milhões quando era conselheiro, incompatível com o salário que recebia,
segundo a acusação do Ministério Público aceita pela Justiça.
Ele conseguiu voltar ao cargo em 2012 por decisão do STJ (Superior
Tribunal de Justiça) e aposentou-se em seguida.
DIVISÃO DO
SUBORNO
Segundo o relato de um dos candidatos a delator nas novas negociações
da Andrade com o Ministério Público Federal, Bittencourt afirmava que o
dinheiro era dividido com os outros conselheiros, com uma exceção: Antonio
Claudio Alvarenga.
No entanto um ex-diretor do grupo que também negocia delação relata que
todos os sete conselheiros teriam recebido suborno.
A lista do ex-diretor tem os nomes dos seguintes conselheiros: Antonio
Claudio Alvarenga, Antonio Roque Citadini, Edgard Camargo Rodrigues, Fulvio
Julião Biazzi, Renato Martins Costa e Robson Marinho.
Bittencourt refutou, por meio de seu advogado, Paulo Sérgio Santo
André, que tenha recebido qualquer recurso ilícito. Segundo o advogado, as
decisões eram colegiadas, e o conselheiro votou contra os interesses de grandes
empreiteiras em vários julgamentos.
A lista traz o quadro do TCE dos anos 1990 até 2012, quando houve
mudanças na composição. Desses conselheiros, Citadini, Costa e Rodrigues
continuam no tribunal.
Robson Marinho foi afastado do cargo pela Justiça em agosto de 2014,
sob acusação de ter recebido um suborno de cerca de US$ 3 milhões, em valores
de 2013, da Alstom em conta na Suíça.
A Andrade Gutierrez fez em maio do ano passado um acordo de leniência,
uma espécie de delação para empresas, relatou uma série de crimes e aceitou
pagar uma multa de R$ 1 bilhão, a segunda maior da Operação Lava Jato.
Com a delação de outras empreiteiras, os procuradores descobriram que
havia omissões e convocaram a empresa para fazer um complemento, chamado por
eles de "recall". É esse complemento que está sob negociação.
ATRÁS DA
PROPINA
A Andrade Gutierrez fez uma auditoria para checar o caminho do dinheiro
que foi distribuído como propina e descobriu que os valores entregues a
Bittencourt foram repassados a um operador financeiro. A auditoria, no entanto,
não encontrou rastros de pagamentos que cheguem até os outros conselheiros.
A Polícia Federal já apontou que a Andrade Gutierrez fez pagamentos
suspeitos a empresas de fachada, usadas para repassar propina.
O Tribunal de Contas paulista, formado por sete conselheiros nomeados
pelo governador, é o segundo mais importante do país, só atrás do Tribunal de
Contas da União.
Não se sabe detalhes do suposto acordo entre a Andrade Gutierrez e
Bittencourt, mas o fato é que o tribunal apontou problemas em obras da empresa
para o Metrô. O TCE, porém, nunca provou o que era a maior preocupação das
empreiteiras: a divisão das obras por meio de cartel.
Citadini, por exemplo, acusou problemas em obras da linha 5 - lilás e
no monotrilho. O preço da linha 5 teve um aumento de R$ 1,05 bilhão. O trecho
feito pela Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa foi o que sofreu a maior
elevação: passou de R$ 862 milhões para R$ 1,15 bilhão, aumento de R$ 284,4
milhões.
Citadini pediu que a obra do monotrilho fosse paralisada porque não
havia projeto básico, detalhamento de custos, e a concorrência feria a Lei das
Licitações.
Em janeiro do ano passado, o governo rompeu o contrato do monotrilho
alegando que as empresas abandonaram a obra. Já a Andrade Gutierrez dizia que o
governo atrasava pagamentos.
O conselheiro Renato Martins Costa apontou problemas de suspeita de
cartel no trecho da linha 2 feito pela Andrade, mas o contrato acabou sendo
aprovado. No caso da linha 5, também há suspeita de cartel. A Folha registrou
antes o resultado da licitação, e o Ministério Público aponta em ação que corre
na Justiça um prejuízo de R$ 329 milhões causado pelo cartel.
Os conselheiros do Tribunal de Contas do Estado citados pelo executivo
e pelo ex-diretor da Andrade Gutierrez que negociam delação negam que tenham
recebido recursos ilícitos da empresa.
O advogado de Eduardo Bittencourt Carvalho, Paulo Sérgio Santo André,
diz que o nome de seu cliente foi citado "indevidamente", já que ele
sempre se pautou pela lei. Segundo ele, os julgamentos do Tribunal de Contas
são colegiados, feitos por vários conselheiros, e há inúmeros votos de
Bittencourt "contrários a interesses de grandes empreiteiras".
Santo André diz em nota que "lamenta-se, apenas, que esse tipo de
questionamento surja por meio de conduta criminosa de agentes que desrespeitam
o dever de sigilo".
Antonio Claudio Alvarenga, 74, que se aposentou do tribunal em 2012,
diz que a menção a seu nome "é uma mentira deslavada":
"Eu nunca participei de nada disso e jamais ninguém teria coragem
de falar em meu nome. Fui do Ministério Público por quase 30 anos. Isso
[propina] nunca chega nem perto de mim".
De acordo com Alvarenga, "Bittencourt nunca teve liberdade para
falar essas coisas comigo".
Fulvio Julião Biazzi, que deixou o tribunal, também repudia a citação a
seu nome: "Nunca tratei de assuntos não republicanos nem dentro e nem fora
do tribunal. Tenho 49 anos de serviço, cinco de aposentado, minha vida é um
livro aberto".
O ex-conselheiro disse ainda que está "tranquilo e sereno"
sobre o assunto. "Alguém deve ter usado os nomes dos conselheiros para se
acobertar".
Edgard Camargo Rodrigues, licenciado do tribunal por motivos de saúde,
disse por meio da assessoria do órgão que nunca recebeu dinheiro de origem
ilícita nem conhece os fatos narrados na proposta de delação.
Renato Martins Costa, que continua no tribunal, diz ter ficado
"indignado" com a associação de seu nome a suborno: "Isso é um
arrematado absurdo. Não sei nada disso aí! Isso é inconcebível para alguém que
tem 45 anos de vida pública. Fico absolutamente revoltado com esse tipo de
menção. O pessoal das empreiteiras está jogando pessoas inocentes na
lama".
Antonio Roque Citadini e Robson Marinho não quiseram se pronunciar.
O TCE afirmou o seguinte por meio de nota: "O Tribunal de Contas
do Estado de São Paulo desconhece o teor das declarações e está à disposição
para prestar quaisquer informações que possam contribuir para o esclarecimento
dos fatos".
A Andrade Gutierrez diz que não comenta o teor da proposta de delação
porque não teve acesso ao conteúdo de ex-executivos.
Procurado, o Metrô não quis comentar as suspeitas.
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