Conforme informações dos autos, o morto era casado desde 1982. Eles nunca se separaram. No entanto, segundo o relator do recurso, desembargador Rubens de Oliveira Santos Filho, "ele também formava com a ora apelante uma verdadeira entidade familiar, na verdadeira acepção da palavra, até a data do seu óbito".
Fernanda Yoneya e Julia
Affonso
O Estado de São Paulo
O Judiciário não pode negar a existência
de uma relação de afeto que também se revestiu do caráter de entidade familiar.
Esse é o entendimento da Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Mato
Grosso que, em decisão unânime, acolheu os argumentos de uma apelação
interposta por uma mulher que manteve relacionamento ao longo de 20 anos com um
homem já casado. Com a decisão, a apelante terá direito a receber 50% da pensão
por morte deixada por seu companheiro -- ele morreu em 2015.
As informações foram divulgadas pela
Coordenadoria de Comunicação do TJ de Mato Grosso.
Em primeira instância, a Ação de
Reconhecimento e Dissolução de União Estável Post Mortem foi julgada
improcedente. Inconformada, a autora da ação entrou com recurso alegando que o
companheiro, apesar de casado, mantinha as duas famílias ao mesmo tempo
--simultaneidade familiar--, que tiveram vida em comum por mais de 20 anos, que
todas as despesas de sua família eram custeadas por ele, que sempre cuidaram um
do outro e que ele a ajudou a criar e a educar seus filhos.
Sustentou, ainda, que há prova nos autos
da "convivência pública, contínua, duradoura e com intuito de constituir
família". Ela pediu para que fosse reconhecida a união estável com o
companheiro nos últimos 20 anos, que teria se encerrado apenas com a morte
dele.
Conforme informações dos autos, o morto
era casado desde 1982. Eles nunca se separaram. No entanto, segundo o relator
do recurso, desembargador Rubens de Oliveira Santos Filho, "ele também
formava com a ora apelante uma verdadeira entidade familiar, na verdadeira
acepção da palavra, até a data do seu óbito".
Conforme o magistrado, além das
testemunhas ouvidas em juízo, corroboram as alegações da apelante os documentos
juntados ao processo comprovando que o homem também fornecia o endereço dela
como seu local de residência; prova de que ele conduzia o veículo dela;
declaração da cirurgiã-dentista de que ele a acompanhava nas consultas e
custeava as despesas --desde 2002 até 2014. Além de fotos do casal em festas,
cerimônias e momentos em família e, ainda, uma foto juntos no hospital na
véspera da morte dele.
"Durante tempo considerável ele se
dividiu entre as duas mulheres, as duas famílias, as duas residências, apesar
de dormir com mais frequência na casa da apelada, segundo confessado pela
própria autora, mas com esta passava boa parte do dia e também
pernoitava", salientou o relator. "Ademais, diversamente do que diz a
apelada, a ausência de coabitação, por si só, não descaracteriza a união
estável, uma vez que esse requisito não consta na antiga legislação, muito
menos no atual Código Civil."
Segundo o desembargador Rubens de
Oliveira Santos Filho, o ordenamento civil não reconhece efeitos à união
estável quando um dos membros do casal ainda mantém íntegro o casamento.
"Contudo, a realidade que se apresenta é diversa, porquanto comprovada a
duplicidade de células familiares. E conferir tratamento desigual importaria
grave violação ao princípio da igualdade e da dignidade da pessoa humana. (…)
Logo, o Judiciário não pode se esquivar de tutelar as relações baseadas no
afeto, não obstante as formalidades muitas vezes impingidas pela sociedade para
que uma união seja 'digna' de reconhecimento judicial", enfatizou.
Acompanharam voto do relator os
desembargadores Guiomar Teodoro Borges e Dirceu dos Santos.
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