Procurador-geral da República faz sugestões a presidentes no Congresso
e critica manutenção do ponto sobre punição a juiz se decisão for modificada
por instância superior
Isadora Peron e Isabela Bonfim
O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA - O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, sugeriu
nesta terça-feira, 28, ao Congresso que não configure como abuso de autoridade
a divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas, desde
que fundamentada. Dessa forma, os agentes públicos, como juízes e procuradores,
não podem ser punidos pelo exercício regular de suas funções na lei de abuso de
autoridade. Janot acrescentou ainda que quem trabalha no serviço público, como
ele, não tem, no entanto, medo da lei de abuso de autoridade.
A sugestão foi feita por meio de um anteprojeto elaborado pelo
Ministério Público Federal (MPF), que Janot entregou pessoalmente ao presidente
da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e ao presidente do Senado, Eunício Oliveira
(PMDB-CE), em visita ao Congresso nesta terça-feira, 28. Já no primeiro artigo do
texto, Janot inclui parágrafo único que afirma "Não configura abuso de
autoridade: I – a divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos
e provas, desde que fundamentada".
O dispositivo incluído por Janot é a principal diferença entre o
anteprojeto do MPF e o texto que já tramita no Senado Federal e será discutido
nesta quarta-feira, 29, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). A medida
já havia sido reivindicada durante debate no Senado pelo juiz Sérgio Moro,
responsável em primeira instância pela operação Lava Jato. O magistrado temia
que o projeto do Congresso pudesse cercear a atividade da Justiça e as
investigações.
De acordo com procuradores e juízes, o recurso sugerido por Janot
evita, por exemplo, que um juiz de primeira instância seja punido por condenar
alguém que foi absolvido em instância superior. Ou seja, não permite configurar
como crime a divergência de interpretação, a chamada "tipificação da
hermenêutica".
A proposta que tramita no Senado atualmente foi criticada por entidades
ligadas ao Judiciário e ao MPF, que acreditam que o projeto é uma perseguição à
Justiça e que pode atrapalhar a condução de investigações, em especial, da
Operação Lava Jato.
Histórico
O projeto de abuso de autoridade foi desengavetado por Renan Calheiros
(PMDB-AL), então presidente do Senado, em julho do ano passado como uma
retaliação aos pedidos do Ministério Público de busca e apreensão na casa de
senadores e nas dependências do Congresso Nacional. A proposta original, que
nunca havia chegado a tramitar, era de 2009.
Ao longo do ano anterior, Renan não encontrou apoio suficiente entre os
senadores para votar a proposta. O projeto tornou a ganhar força no último mês,
com o pedido de abertura de 83 inquéritos feito pelo MPF no âmbito da Lava Jato
com base nas delações dos executivos da Odebrecht. Renan é um dos 11 senadores
investigados no Supremo nessa operação.
Na semana passada, os parlamentares aproveitaram as diversas críticas à
condução da operação Carne Fraca para rever a questão do abuso de autoridade. O
presidente da CCJ, Edison Lobão, que também é investigado na Lava Jato, colocou
o projeto na pauta da comissão.
Sugestões
Além da previsão inicial, de não permitir a aplicação da lei em caso de
divergência de interpretação Jurídica, o anteprojeto enviado por Janot também
inclui dois novos crimes no âmbito da tipificação penal.
Um deles é a famosa “carteirada”, que é a utilização do cargo ou função
para se eximir do cumprimento de obrigação legal ou para obter vantagem ou
privilégio. O outro é o uso abusivo dos meios de comunicação ou de redes
sociais pela autoridade encarregada da investigação que antecipa a atribuição
de culpa, antes de concluída a investigação e formalizada a acusação.
"Nós do serviço público, que trabalhamos de forma responsável,
nenhum de nós têm medo de uma lei de abuso de autoridade", afirmou Janot.
Ele defendeu ainda que a proposta de lei é moderna e abrange tanto abusos
antigos, como a carteirada, como abusos atuais. "Essa lei não traz nem um traço
de corporativismo", defendeu.
O projeto também tipifica a conduta de constranger o preso com o
intuito de obter favor ou vantagem sexual, com o objetivo de exposição ou
exibição pública ou aos meios de comunicação ou de produzir provas contra si
mesmo. Sugere-se ainda a tipificação do constrangimento de levar alguém a
prestar depoimento quando não for obrigado, da submissão do preso a
interrogatório durante o repouso noturno e da manutenção de presos de sexos
opostos no mesmo ambiente prisional. A proposta também tipifica o uso indevido
de algemas.
Integraram a comissão de trabalho do Ministério Público que elaborou o
anteprojeto os procuradores da República Peterson de Paula Pereira, Guilherme
Guedes Raposo, Hélio Telho Correa Filho e Roberto Antonio Dassiê Diana, o juiz
Federal André Prado de Vasconcelos, as juízas de Direito Maria de Fátima dos
Santos Gomes Muniz de Oliveira e Ana Rita de Figueiredo Nery e o promotor de
Justiça Victor Hugo Palmeiro de Azevedo Neto.
Pacote
anticorrupção
O procurador-geral também
aproveitou a ida ao Congresso para pedir celeridade na tramitação do projeto
das 10 Medidas Contra a Corrupção. A proposta foi enviada aos parlamentares
pelo MPF, mas desvirtuada durante votação na Câmara. Após ação judicial, o
texto que já estava no Senado teve que voltar para o domínio dos deputados e
acabou perdendo a prioridade na pauta do Congresso.
A proposta votada pela Câmara também previa algumas medidas de punição
a juízes e procuradores, uma medida similar ao projeto de abuso de autoridade
em tramitação no Senado.
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