Conforme indicam informações do próprio Supremo Tribunal, cerca de 30% dos processos contra parlamentares perduram dez anos sem julgamento e outros 40% estão faz mais de seis anos à espera de ser apreciados.
*Miguel Reale Júnior
Independentemente da discussão sobre o
cabimento ou a limitação do foro privilegiado, debatendo-se sua eliminação
total ou restrição, há de se ver, com absoluto pragmatismo, a existência de
problema extremamente grave para a Justiça brasileira: a tramitação, neste
momento, de elevado número de inquéritos policiais e de processos criminais no
Supremo Tribunal Federal (STF) tendo por investigados ou réus deputados e
senadores.
Recentemente, na Ação Penal 937/ RJ, o
ministro Luís Roberto Barroso, em despacho, destacou: “As estatísticas
evidenciam o volume espantoso de feitos e a ineficiência do sistema. Tramita
atualmente perante o Supremo Tribunal Federal um número próximo a 500 processos
contra parlamentares (357 inquéritos e 103 ações penais)”.
A demora na instauração da ação penal ou
no arquivamento de inquérito policial e, posteriormente, a longa tramitação do
julgamento têm conduzido a um descrédito da Justiça. O Supremo em Números, da
FGV Direito Rio, mostra que de janeiro de 2011 a março de 2016 apenas 5,8% das
decisões em inquéritos no STF foram desfavoráveis aos investigados – com a
abertura da ação penal. Ainda segundo a pesquisa, o índice de condenação de
réus na Corte é inferior a 1%.
Conforme indicam informações do próprio
Supremo Tribunal, cerca de 30% dos processos contra parlamentares perduram dez
anos sem julgamento e outros 40% estão faz mais de seis anos à espera de ser
apreciados.
Grande é o número de feitos que tem
extinta a punibilidade pela prescrição. A morosidade se dá não apenas no âmbito
do Supremo Tribunal Federal, mas na atuação da Procuradoria-Geral da República
e da própria Polícia Federal no exame dos inquéritos policiais e no cumprimento
de diligências requeridas. Tal demora denota a ausência de maior entrosamento
entre os partícipes da persecução penal no âmbito da instância máxima.
Esse distanciamento entre o Judiciário,
a Procuradoria e Polícia Federal pode explicar a falta de agilidade na
complementação de inquéritos policiais e na abertura de ações penais ou pedido
de arquivamentos em tempo razoável.
Esse quadro conspira contra o Poder
Judiciário, fazendo crer na existência de vantagem dos poderosos perante a
Justiça Criminal. A evidente não alteração constitucional, em breve, do foro
privilegiado exige, portanto, a tomada urgente de medidas emergenciais.
Assim, é imprescindível um esforço
conjunto de todos os partícipes da Justiça Criminal da instância superior para
enfrentar a avalanche de inquéritos e processos já existentes e os que hão de
surgir em vista das delações homologadas e a serem homologadas envolvendo
parlamentares e ministros em práticas delituosas.
Para tanto, como sugere em voto
apresentado no Instituto dos Advogados de São Paulo, sobre a matéria do foro
privilegiado, o conselheiro Luiz Antônio Sampaio Gouveia, cabe o Supremo
Tribunal valer-se do permitido pelo artigo 21A do Regimento Interno, segundo o
qual, “compete ao relator (no STF) convocar juízes ou desembargadores para a
realização do interrogatório e de outros atos da instrução dos inquéritos
criminais e ações penais originárias, na sede do tribunal ou no local onde se
deva produzir o ato, bem como definir os limites de sua atuação”.
O § 1.º diz que “caberá ao magistrado
instrutor, convocado na forma do caput: I – designar e realizar as audiências
de interrogatório, inquirição de testemunhas; II – requisitar testemunhas e
determinar condução coercitiva; III – expedir o cumprimento das cartas de
ordem; IV – determinar intimações; V – decidir questões incidentes; VI –
requisitar documentos ou informações existentes em bancos de dados; VII –
prorrogar prazos para a instrução; VIII – realizar inspeções judiciais; IX –
requisitar, junto aos órgãos locais do Poder Judiciário, o apoio de pessoal,
equipamentos e instalações; X – exercer outras funções delegadas pelo Relator”.
Cumpre, então, (e é o mais importante)
serem constituídas duas forças-tarefa. A primeira, no âmbito interno do próprio
STF, para se empreender esforço no sentido de acelerar a instrução dos feitos
em que são réus deputados e senadores. De outra parte, manter a competência do
Supremo caso os réus renunciem ou por outro motivo percam os cargos parlamentares.
Essa força-tarefa deve contar, nos termos do artigo 21A do Regimento Interno,
com o concurso de desembargadores para conduzirem os feitos, sempre sob o
controle de ministro do Supremo. Cabe programar a entrada em pauta de
julgamento pelas turmas de um processo por semana.
A segunda força-tarefa, formada pelos
desembargadores designados, há de ser constituída em conjunto com a
Procuradoria da República e a Polícia Federal, visando à efetivação imediata
das investigações determinadas em inquéritos sob a égide do Supremo Tribunal.
A Nação reclama uma resposta dos
dirigentes da administração da justiça à notícia de cometimento de crimes
contra a administração por agentes políticos, seja para iniciar, com dados
concretos, os processos criminais, ou, na ausência de elementos de prova, serem
arquivadas as delações infundadas.
Sugiro que órgãos como o Instituto dos
Advogados de São Paulo, onde esta análise já se iniciou, a OAB, o Movimento de
Defesa da Advocacia, a Associação dos Advogados de São Paulo, entidades da
magistratura e do Ministério Público, ao lado de movimentos como o Vem Pra Rua,
venham, em sintonia com a sociedade, se unir para levar esse pleito ao Supremo,
à Procuradoria e à Polícia Federal.
A omissão será cobrada pela população.
É, portanto, a hora de pôr mãos à obra e atuar em inquéritos e ações penais
contra deputados e senadores com os meios existentes para salvaguardar a
credibilidade do próprio Supremo.
*Advogado, professor titular senior da
Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Paulista de Letras, foi
ministro da Justiça
Nenhum comentário:
Postar um comentário