Em 40 das 76 investigações abertas com base nas delações da Odebrecht
a suspeita é de que políticos exigiram propina para beneficiar a empresa
Alexa Salomão
O Estado de S.Paulo
Dos 76 inquéritos abertos no Supremo
Tribunal Federal (STF) com base nas delações de executivos e ex-executivos da
Odebrecht, 40 vão apurar se parte da elite política nacional não apenas aceitou
doação de campanha em troca de boas relações com a empreiteira, mas exigiu o
pagamento de propinas para aprovar leis e garantir contratos e a permanência da
empresa em obras públicas. As iniciativas, segundo os relatos, beiravam um
achaque.
A lista de cobrança de pagamentos
indevidos nos inquéritos é variada. Em mais de um depoimento, por exemplo,
delatores afirmaram que o próprio agente público organizou o cartel e cobrou
por isso. Ou seja, condicionou a participação das empresas em licitação pública
à combinação prévia dos valores.
Um dos cinco inquéritos que investigam o
senador Aécio Neves (PSDB-MG) trata disso. Os colaboradores, com “declaração e
prova documental”, afirmaram que Aécio “teria organizado esquema para fraudar
processos licitatórios, mediante organização de um cartel de empreiteiras na
construção da Cidade Administrativa”.
Combinação parecida é relatada na obra do
Canal do Sertão, em Alagoas. Segundo a investigação autorizada pelo ministro
Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, houve um
“acordo de mercado” a pedido do governo estadual, seguido de “solicitação de
pagamento de propina a diversos agentes públicos”.
O valor fixado, diz o inquérito, foi de
2,25% do contrato. Entre os supostos beneficiários estavam o então governador,
Teotônio Vilela (PSDB), e o senador Renan Calheiros (PMDB-AL), apontado como
destinatário de R$ 500 mil em espécie.
O usual nestes casos era a cobrança de
propina para a empresa entrar em determinada obra. A investigação vai tentar
descobrir se foi isso que ocorreu na Ferrovia Norte-Sul. Executivos da
Odebrecht disseram que pagaram 4% sobre o valor do contrato para garantir um
lugar: 3% para o grupo político do ex-deputado Valdemar da Costa Neto, ligado
ao PR, e 1% para o grupo do ex-presidente da República José Sarney (PMDB).
Contrato
Há casos em que a propina seria
cobrada mesmo após vencida a licitação, ao longo da duração do contrato. Na
obra do metrô gaúcho, delatores disseram que a Odebrecht foi procurada três
vezes após vencer o certame.
Na primeira, o deputado federal Marco Maia
(PT-RS), ex-presidente da Trensurb, teria pedido 0,55% do contrato – R$ 1,8
milhão – por “ausência de entraves durante o exercício de sua gestão na
presidência da companhia”. Depois, segundo o inquérito, o ministro Eliseu
Padilha (PMDB-RS) solicitou 1% – R$ 3,2 milhões – “em decorrência de sua
possível interferência no processo licitatório”. Por fim, o ex-ministro Paulo
Bernardo (PT-RS) pediu outro 1% – mais R$ 3,2 milhões – para incluir a obra no
Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), segundo pedido de investigação.
Em outro exemplo em que delatores sugerem
ameaça a negócios vigentes, executivos afirmaram que, em 2007, quando assumiu o
governo de São Paulo, José Serra (PSDB-SP) publicou decreto alterando contratos
da obra do Rodoanel Sul. Após as mudanças, as empresas teriam sido procuradas
por Paulo Vieira Souza, então diretor da Dersa, para pedir 0,75% do valor
recebido, “sob pena de alterações contratuais prejudiciais”.
Há ainda relatos de pagamentos para evitar
problemas futuros. Em cidades como Uruguaiana e Santa Gertrudes, onde a empresa
tem contrato de água e esgoto, delatores relataram ter bancado parte das
campanhas de candidatos a prefeito e vereador para evitar achaques após a
eleição.
Analistas dizem que definir culpados é um
desafio na apuração de crimes em contratos de obras. Primeiro, segundo eles,
porque é difícil reunir provas, algo que talvez possa ser sanado pelo fato de a
Odebrecht ter um “setor de propinas” organizado.
Segundo, porque há teses consolidadas de
defesa. “A empresa alega que foi obrigada a entrar no esquema para não sofrer
represália e quem está do lado do Estado diz que não sabia de nada. Não vai ser
diferente agora”, disse o advogado Luis Felipe Valerim, professor da FGV.
Defesas
O advogado de José Sarney disse
que os delatores falam de pessoas ligadas a ele. “No meio desta confusão levar
em consideração 'pessoas ligadas' é quase uma irresponsabilidade”, diz a nota.
A assessoria do senador Aécio Neves declarou que ele “jamais participou de
qualquer ato ilícito envolvendo a Cidade Administrativa”.
O senador Renan Calheiros considera “uma
inconsciência” ligá-lo às obras do canal, pois ele fazia oposição ao governador
na época. Em nota, o senador José Serra declarou pautar sua trajetória “na
lisura e na austeridade” e que a revisão dos contratos no Rodoanel Sul gerou
uma economia de R$ 180 milhões.
O deputado Marco Maia disse desconhecer “o
teor das delações mentirosas”. Paulo Bernardo nega ter feito pedidos a
Odebrecht e que a inclusão do metrô no PAC foi lícita. O ministro Eliseu
Padilha, Valdemar da Costa Neto e Paulo Souza, não se pronunciaram. A
reportagem não localizou Teotônio Vilela.
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