Gabriela Fujita
Do UOL, em São Paulo
A rejeição da denúncia contra o
presidente Michel Temer (PMDB), ocorrida nesta quarta-feira (2), na Câmara dos
Deputados, revelou o "troca-troca" no sistema político brasileiro e "procedimentos
que sempre ocorreram" no Congresso, criticou o advogado Márlon Reis, um
dos autores da Lei da Ficha Limpa e cofundador do Movimento de Combate à
Corrupção Eleitoral. "Eu diria que eles votaram com o estômago, em lugar
de votar com o cérebro, com a racionalidade."
Temer foi acusado pela PGR (Procuradoria-Geral
da República) de corrupção passiva após
a delação premiada do empresário Joesley Batista, um dos donos da JBS. A
maioria dos deputados federais decidiu pelo não prosseguimento do processo, que
poderia ser investigado no STF (Supremo Tribunal Federal).
O resultado da votação foi que 263
escolheram aceitar o relatório que descartava a denúncia, contra 227 que eram a
favor da investigação.
"O dinheiro, na visão desses
deputados, conta mais do que a opinião pública para o seu regresso à Câmara dos
Deputados no ano que vem", critica Márlon Reis.
O advogado cita o dinheiro liberado em
emendas parlamentares --um instrumento garantido aos deputados para pedir
verbas ao governo federal e usá-las em projetos em seus Estados. Entre o início
de junho e o final de julho, período em que veio à tona o escândalo da JBS e a
gravação de Joesley Batista com Temer, o governo federal destinou R$ 4,1
bilhões para emendas. No acumulado do ano até maio (antes do caso JBS), o governo
havia empenhado apenas R$ 102,5 milhões a este fim.
Segundo Reis, os apoiadores de Temer
preferiram ficar com esse dinheiro e aceitaram o peso de votar a favor de um
governo impopular. Segundo a mais recente pesquisa Datafolha, Temer tem a menor
aprovação em 28 anos --apenas 7% consideram o governo como ótimo ou bom.
"Os deputados pesaram duas
situações, considerando qual seria a mais importante para a sua reeleição no
ano que vem", avalia Reis. "De um lado, estava a grande impopularidade
de votar na manutenção do presidente Temer na Presidência. De outro, o lado que
preponderou leva em conta a importância das emendas parlamentares, do dinheiro
deslocado pelos deputados para suas bases para a reeleição. Diante dessa
dúvida, eles consideraram que era mais efetivo receber as emendas, o
dinheiro."
Na opinião do advogado, esta é uma
atitude que contradiz qualquer tentativa de ajuste fiscal, como vem sendo anunciado
desde o início do mandato do peemedebista.
"O que se percebe é que houve uma
extensão dos danos para segmentos mais necessitados, como, por exemplo, os
aposentados, em troca do direcionamento de vantagens econômicas para parlamentares
e segmentos fortes do empresariado que o presidente Temer objetiva ter a
seu lado", diz.
Contra
a vontade popular
Na última segunda-feira (31), uma
pesquisa feita pelo Instituto Ibope mostrou que 81% dos eleitores brasileiros
estavam a favor da abertura do processo contra Temer no STF.
Segundo o levantamento, feito entre 24 e
26 de julho, 79% afirmaram que "o deputado que votar contra a denúncia é
cúmplice de corrupção" e 73% disseram que não merecia ser reeleito em 2018 o
deputado que votasse contra a abertura do processo.
Os parlamentares, portanto, agiram
contra a vontade popular, em sua maioria, o que apenas ficou mais evidente nesta
quarta-feira, afirma Reis. "Mais do que uma crise, o que está acontecendo
é a revelação de procedimentos. É como se nós estivéssemos vendo de forma crua
circunstâncias que sempre marcaram o procedimento político no âmbito do
Congresso. Por incrível que pareça, eu sinto um certo alívio em perceber a
sociedade finalmente vendo as coisas de forma nua e crua como ela acontece.
Espero que a sociedade saiba o que fazer com isso."
Vitória
do troca-troca na política
Em pronunciamento realizado no Palácio
do Planalto após o final da votação, Temer agradeceu os votos que recebeu no
plenário da Casa. "Quero agradecer à Câmara dos Deputados por sua decisão
e todos os brasileiros de boa vontade que acreditaram no nosso país. Vamos
trabalhar juntos pelo Brasil", afirmou.
"A vitória não foi de fato de
Temer, mas de um modo de fazer política", Márlon Reis pondera. "O
troca-troca, que é a base do chamado presidencialismo de coalizão, atingiu
agora seu ápice no governo Temer. E uma maioria parlamentar está feliz com
isso. Trata-se de proteger um modo de pensar a política que, infelizmente, é contrário
aos interesses do Brasil e que precisa ser superado."
Na avaliação do advogado, o legado que
fica para o cidadão após essa movimentação às claras de barganha de voto por
dinheiro é "a visibilidade aumentada da importância do voto
consciente".
"O resultado é esse: uma nação órfã
de Parlamento, com poucos deputados merecendo o reconhecimento de que são
legítimos representantes do povo."
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