da Folha de São Paulo
O corregedor nacional de Justiça, João Otávio
de Noronha, não se declarou impedido e relata no CNJ (Conselho Nacional de
Justiça) uma representação feita por um cliente de seus filhos.
Os advogados Anna Carolina e Otavio
Noronha, filhos do corregedor, defendem o prefeito de Bacabal (MA), José Vieira
Lins (PP), que tenta reverter condenação do STJ (Superior Tribunal de Justiça),
de outubro, por improbidade administrativa, dano ao erário público e, como
consequência, a suspensão de direitos políticos por três anos.
Vieira quer anular a decisão do STJ com
uma ação rescisória no Tribunal de Justiça do Maranhão, cujo desembargador
destacado para o caso, José de Ribamar Castro, adotou posicionamentos
contrários a seus interesses.
Além disso, em dezembro, a Prefeitura de
Bacabal entrou com representação contra Castro no CNJ, pedindo que ele seja
impedido de julgar ações referentes ao caso. Noronha, que é também ministro no
STJ, analisa o pedido no CNJ e ainda não emitiu decisão.
Procurado pela Folha, o corregedor não
respondeu aos questionamentos sobre sua atuação no caso.
Seu filho, o advogado Otavio Noronha,
disse que desconhecia a representação no CNJ até ser procurado pela reportagem
e que, “se necessário”, informará formalmente que defende o prefeito maranhense
no STJ.
O Código de Processo Civil veda
expressamente a atuação de magistrados em processos de interesse de filhos.
Reportagem da Folha de abril de 2016 já
havia identificado que o corregedor, na condição de ministro do STJ, julgou
casos em que seus filhos atuavam como advogados.
No caso de Bacabal, Noronha analisa o
desdobramento no CNJ e seus filhos advogam para o prefeito no STJ.
O professor titular de direito da USP
Flávio Luiz Yarshell, ex-juiz eleitoral (2007-2012), vê razões para o
impedimento do corregedor em casos como este.
Como acima hierarquicamente do
corregedor há apenas a presidente do CNJ, a ministra Cármen Lúcia, “ela deveria
ser ouvida para assumir a relatoria ou para indicar quem deverá substituir o
impedido”, segundo Yarshell.
Alvo de diversos processos judiciais, o
prefeito José Vieira se enquadra na Lei da Ficha Limpa e teve o registro de
candidatura em 2016 negado pela Justiça Eleitoral, mas assumiu a prefeitura com
uma liminar (decisão provisória) de Gilmar Mendes concedida em 29 de dezembro
de 2016.
Como o relator, ministro Luiz Fux,
desistiu três vezes de pautar o caso no TSE (Tribunal Superior Eleitoral),
Vieira ficou à frente da administração ao longo de 2017.
Procurada, a assessoria de Fux disse que
ele está de férias e não responderá quando pretende pautar o caso até retornar
ao tribunal.
AFASTAMENTO
Vieira foi afastado da prefeitura pela
terceira vez na última sexta-feira (5) por determinação da Câmara Municipal de
Bacabal. O vice, Florência Neto, do PHS, tomou posse na segunda-feira (8).
Caberá ao corregedor Noronha relatar o
caso e levá-lo ao plenário do CNJ para julgamento do qual ele, ao lado dos
demais conselheiros, participará. Se tirarem o desembargador Castro do caso no
TJ, o processo volta às mãos da desembargadora Nelma Sarney, que emitiu
decisões em favor do prefeito.
Cunhada do ex-presidente José Sarney,
Nelma foi representada junto com a também desembargadora Cleonice Freire no CNJ
pelo comportamento no caso de José Vieira. Também compete a Noronha analisar as
alegações.
A autora da reclamação, a Câmara
Municipal, aponta que Nelma anulou a própria decisão para emitir nova posição
em favor de Vieira.
Cleonice, por sua vez, concedeu liminar
pró-Vieira enquanto plantonista quando o plantão judicial já havia se
encerrado.
Em novembro, Noronha decidiu que não as
afastaria do cargo, como queria a Câmara Municipal, e abriu prazo para se
manifestarem quanto às acusações.
Recursos protocolados pelo prefeito de
Bacabal, conhecido como Zé Vieira, ex-deputado federal, provocaram uma queda de
braço entre desembargadores no Tribunal de Justiça do Maranhão. Duas vezes
desembargadores determinaram seu afastamento e duas vezes o mandato foi
restabelecido. O último afastamento é consequência da quinta decisão pela
corte.
“Toda essa saga tem o único objetivo de
suspender a condenação e Vieira ter a chance de deferir a candidatura”, disse
Roberto Costa (MDB), que perdeu a eleição municipal de 2016.
OUTRO LADO
O corregedor nacional de Justiça, João
Otávio de Noronha, não respondeu ao questionamento feito pela reportagem sobre
sua decisão de conduzir no Conselho Nacional de Justiça processo de interesse
de seus filhos.
Questionado em 2016 pela Folha em
situação análoga, Noronha afirmou que caberia à secretaria do órgão julgador
informá-lo de eventual conflito.
Seu filho Otavio Noronha disse ter sido
“surpreendido” pela reportagem ao ser informado de que o prefeito afastado de
Bacabal (MA), José Vieira (PP), seu cliente, havia representado um
desembargador no CNJ.
“Estou em férias, nem sei que
procedimento é esse”, disse o advogado.
“Certamente irei informá-lo se houver
qualquer tipo de impedimento. Mas nem sei do que a senhora está falando, nem
sei que procedimento é esse, estou em férias. Caso haja [impedimento], adotarei
a atitude necessária e vou informar que sou advogado dele no STJ”, disse Otavio
Noronha.
O procurador-geral de Bacabal, Italo
Gomes, afirmou que “não existe qualquer contrato e/ou vínculo entre o município
e o advogado citado [filhos de Noronha], razão pela qual entendemos não haver
qualquer impedimento legal”.
“O afastamento de Vieira não possui
amparo legal. É público e notório que ele vem sendo vítima de forte perseguição
política por seus adversários, que tentam tumultuar a administração”, disse.
A advogada do prefeito afastado, Marília
Lago, afirmou que fez pedido durante o plantão judicial porque “a alternância
do comando da municipalidade é medida maléfica aos munícipe”.
“O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) é
um braço do Poder Judiciário que tem um histórico de decisões embasadas na
tecnicidade e, por isso, jamais se curvará por qualquer tipo de pressão
política. Assim, a defesa entende que o registro de candidatura será deferido a
unanimidade, pois não há qualquer condenação com efeitos válidos em desfavor do
manifestante”, disse.
A assessoria do Tribunal de Justiça do
Maranhão afirmou que “o posicionamento jurídico dos magistrados está nas
próprias decisões judiciais, que podem ser divergentes ou convergentes
dependendo da interpretação de cada um no julgamento do processo”.
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