À
frente de uma ampla coligação contra a família Sarney no Maranhão, ele chama de
"disputa saudável" a divisão entre PDT e PT
O
governador diz que a Lei da Ficha Limpa não foi cumprida no caso de Lula.
por
Miguel Martins
CartaCapital
"Síndico” de um amplo condomínio
político, o governador Flávio Dino, candidato à reeleição no Maranhão pelo
PCdoB, convive naturalmente com as diferenças. Quatro anos após interromper os
quase 50 anos de domínio da família Sarney no estado, ele reedita nas eleições
deste ano uma coligação com legendas de todo espectro, do DEM, atrelado a
Geraldo Alckmin, ao PDT de Ciro Gomes e ao PT de Lula e Fernando Haddad.
Coisas da dinâmica local, explica o
governador, para tentar evitar a maior cartada de José Sarney para recuperar
sua influência: a candidatura de sua filha Roseana, ex-governadora do estado.
O convívio com as diferenças leva Dino a
chamar de “disputa saudável” a divisão do campo progressista em duas
candidaturas presidenciais. Compara o atual pleito ao de 1989, quando Leonel
Brizola, do mesmo PDT de Ciro, disputou palmo a palmo o segundo turno com o PT.
Na ocasião, Lula, hoje barrado, enfrentou Fernando Collor na derradeira etapa
da eleição.
Defensor de uma unidade em torno do
pedetista antes do início da campanha, o governador agora integra o partido da
vice de Haddad, Manuela D’Ávila. Na entrevista a seguir, ele lamenta a falta de
união, exalta a competitividade de Ciro e a simpatia dos nordestinos pelo
candidato, mas considera o candidato petista como favorito para chegar a 28 de
outubro.
CartaCapital:
Assim como nas últimas eleições, o senhor formou uma ampla coligação local, que
inclui partidos tão distintos como DEM e PT. É possível dizer que há, no
Maranhão, a continuidade de uma “frente ampla” contra a família Sarney?
Flávio Dino: A política local tem muita
força no Brasil, não só no Maranhão. É uma característica da nossa federação
desde os primórdios e desde o alvorecer da República. Essa dinâmica local acaba
ganhando hegemonia na definição de alianças. A dinâmica local em torno da
longevidade do poder de José Sarney é fator que distingue a demarcação de
campos.
Isso fez com que procurássemos agregar
todas as forças capazes de confirmar esse caminho novo que o estado está trilhando,
sobretudo porque o Sarney resolveu colocar sua arma mais poderosa na mesa, que
é a sua própria filha. Fez um gesto ousado de tentar retomar o governo. Temos
de juntar todas as forças que querem a continuidade dessa experiência que nós
inauguramos em 2015.
CC:
Como é ter do seu lado partidos que apoiaram o impeachment, a exemplo do DEM e
do PP?
FD: Não há problema com isto, porque
cada um mantém a sua identidade, a sua visão sobre a política nacional, e isso
vale para mim também. Minha posição é muito clara, então há uma visão muito
nítida por parte do eleitorado daquilo que eu represento, da minha posição na
política nacional. A amplitude da aliança não compromete a sua identidade.
CC:
Fernando Haddad foi oficializado como candidato à Presidência pelo PT, e
Manuela D’Ávila, do seu partido, é vice em sua chapa. No início da campanha, o
senhor chegou a defender a unidade dos partidos de esquerda em torno da
candidatura de Ciro Gomes. Como o senhor vê a disputa entre Ciro e Haddad?
FD: Defendi, de fato, essa unidade. O
PCdoB defendeu até as últimas semanas. Achávamos que era melhor para poder
viabilizar uma vitória em primeiro turno ante o fiasco do governo de Michel
Temer. Mas não foi possível, infelizmente, então vamos ter de adiar um pouco
essa vitória, com o provável curso da eleição para o segundo turno.
Acho que esse movimento do ex-presidente
Lula em torno de Haddad e a decisão do PCdoB de apoiá-lo coloca, obviamente,
uma nota de favoritismo ao PT. Mas haverá uma disputa saudável por uma vaga no
segundo turno entre Haddad e Ciro, acho que esta eleição caminha para isso.
Temos um candidato da direita que provavelmente vai ser o Bolsonaro e um da
esquerda, cujo favorito, a meu ver, é o Haddad.
CC:
Ciro tem 13% no Datafolha, 11% no Ibope. Mesmo com este resultado, Haddad é o
favorito?
FD: O Ciro está no jogo. Há uma
possibilidade de virar votos do Alckmin e da Marina para o Ciro. Podemos ter um
cenário parecido com o de 1989, em que Leonel Brizola, do PDT, disputou palmo a
palmo a segunda vaga no segundo turno com o PT. Podemos ter a repetição desse
cenário, sem dúvida.
CC:
Ciro chamou de fraude a estratégia do PT de insistir na candidatura de Lula.
Como o senhor viu a tática de esticar a oficialização de Haddad no limite do
prazo?
FD: É uma atitude de solidariedade
pessoal ao Lula. Defendi e defendo o seu direito de ser candidato, porque ele
está sendo vítima de uma brutal violência contra seus direitos políticos. Nesse
sentido, houve uma vitória de Pirro contra Lula. O segundo candidato do campo
progressista está em condições ótimas de disputar. A defesa da candidatura do
ex-presidente é um imperativo.
Ninguém pode ser, em um regime
democrático, vítima de tamanha arbitrariedade. Escrevi o artigo da Lei da Ficha
Limpa, ao lado do então deputado José Eduardo Cardozo, sobre possibilidade de
uma liminar no caso de plausibilidade da pretensão recursal, ou seja, o recurso
em que o candidato tem o direito de disputar para evitar um dano irreparável.
O que dá essa plausibilidade? Vários
fatores. Desde a fragilidade gritante da sentença de Sergio Moro até a recente
decisão do comitê de Direitos Humanos da ONU, com base nos tratados
internacionais dos quais o Brasil é signatário. Ora, como a decisão de uma
instância supranacional à qual o País aderiu não confere a plausibilidade do
recurso? É uma questão de interpretação jurídica singela. Não precisa ser muito
sofisticado para considerar que a Lei da Ficha Limpa não está sendo
cumprida.
CC:
Como o senhor avaliou o julgamento do TSE que barrou Lula?
FD: Formou-se quase que monoliticamente
no Judiciário uma má vontade com o caso. Fosse o caso julgado cem vezes, em cem
vezes o resultado seria diferente. Eu te falo isso depois de quase 30 anos de
exercício profissional. Criou-se um discurso, quase que uma animosidade contra
Lula por uma série de razões. Basta olhar como o Tribunal Regional Federal da
4ª Região tratou as coisas no julgamento do recurso, nas declarações do
presidente Thompson Flores, naquele terrível episódio do descumprimento da
liminar pela libertação... A animosidade é evidente. E esse é um ponto de
reflexão que deve ser feito pelo Brasil e pela sociedade, mas também pela
comunidade dos juristas. Isso vai demandar muitas análises nas próximas
décadas, esse conjunto raro de absurdos que foram cometidos neste período.
CC:
Acha que Haddad conseguirá absorver os votos de Lula, especialmente no
Nordeste?
FD: É claro que o Ciro tem uma natural
simpatia aqui, porque foi prefeito, governador, teve um bom desempenho, por
exemplo, na educação. É claro que ele tem uma parte significativa do
eleitorado. Mas eu creio que a transferência vai se operar muito rapidamente.
Aqui no Maranhão o Haddad, quando indicado como candidato de Lula, já chega
próximo de 50%, segundo as nossas pesquisas registradas. Então acho que, com
base na realidade que eu conheço, a transferência vai se dar muito rapidamente.
CC:
Após sofrer um ataque com faca, Jair Bolsonaro chegou a crescer, segundo o
Ibope, mas manteve-se estável, de acordo com o Datafolha. Acha que ele poderá
capitalizar eleitoralmente o episódio?
FD: Num país como o Brasil, posições
muito extremistas não costumam galvanizar o pensamento médio da sociedade.
Bolsonaro representa posições muito extremadas e temas que são muito
emblemáticos, é muito difícil ele conseguir parte do que se convencionou chamar
de Centro, uma parte mais expressiva do pensamento médio na sociedade. A
elevada rejeição dele é fruto exatamente do extremismo, ele está num patamar
que é o piso e o teto dele ao mesmo tempo. Eu acho que a força da rejeição
bloqueia o crescimento, mesmo diante de um fato obviamente de enorme impacto.
CC:
Para a esquerda, é melhor concorrer contra Geraldo Alckmin ou Bolsonaro no
segundo turno?
FD: É muito difícil medir, porque são
problemas muito diferentes. O Bolsonaro tem para o campo da esquerda a vantagem
da rejeição. Por outro lado, ele conseguiu neste momento construir algo
original no Brasil, que é o populismo de direita. Jânio Quadros talvez tenha
conseguido, mas ele não era tão marcadamente de direita quanto o
Bolsonaro.
CC:
No início da campanha, o senhor foi considerado inelegível em primeira
instância. Em 2006, Jackson Lago foi eleito, mas acabou acusado de abuso de
poder econômico e terminou cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral em 2009,
quando Roseana, sua atual adversária, acabou empossada por ter sido a segunda
colocada. O senhor acha que o filme pode se repetir?
FD: É certo que eles tentarão, porque o
DNA golpista está no sarneísmo desde 1964. Eles têm o longo know-how de golpe.
Por outro lado, faço um governo sério, sem nenhum tipo de acusação séria, ficha
limpa, nota 10 de transparência. Temos uma posição de defesa muito sólida,
diante desse processo arranjado na cidade de Coroatá. A acusação contra mim é
que eu mandei asfaltar ruas. Tenho convicção de que eles não conseguirão. Não
estamos sendo acusados de corrupção, de ter comprado votos, nada desse tipo. É
porque, supostamente, eu montei um programa de asfaltamento que existe desde
janeiro de 2015, com objetivo eleitoreiro. Não tem nenhuma bala empírica que
fere a lei para sustentar algum tipo de processo dessa natureza.
CC:
O Maranhão tem valorizado a educação, com o salário-base mais alto do País para
os professores, aumento no Ideb entre as escolas da rede estadual, além da
construção e reforma de unidades. O que levou a essa evolução?
FD: É o resultado da prioridade que
demos à educação. Não apenas na retórica, mas um traço distintivo entre uma
visão oligárquica e uma visão moderna, transformadora. Ou seja, investir em
autonomia, investir em liberdade, conhecimento, sobretudo na juventude.
CC:
Seu governo tem apostado em investimento público para construir escolas e
estradas, numa época em que temos visto muita dificuldade dos governadores com
o caixa estadual.
FD: Fizemos ajustes em 2015, um corte de
despesas no que era possível. Tivemos êxito, conseguimos criar uma cesta de
investimentos, com recursos do Tesouro Estadual, e de operações de crédito com
a Caixa, o Banco do Brasil e o BNDES. São as fontes que nos permitiram manter a
máquina pública funcionando e ter controles fiscais razoáveis. Não diria que
são ótimas, não são, mas são razoáveis. Por outro lado, mantivemos o nível de
rendimento alto, visando sobretudo praticar uma política contracíclica no que
se refere à recessão, para poder exatamente manter a economia funcionando e
evitar o caos social desta política desastrosa praticada em nível
nacional.
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