El País, Naiara Galarraga Gortázar
O candidato de extrema direita, Jair
Bolsonaro, começa a emular a cruzada do presidente Donald Trump contra a
imprensa tradicional. Ele lançou, nesta quarta-feira, uma ameaça direta ao
principal jornal brasileiro em circulação no Twitter.
“A mamata da Folha de S.Paulo vai
acabar, mas não é com censura, não! O dinheiro público que recebem para fazer
ativismo político vai secar e, mais, com sua credibilidade no ralo com suas
informações tendenciosas são menos sérias [sic] que uma revista de
piada!", tuitou, seis dias depois de o jornal publicar uma reportagem em
que aponta que empresários que o apoiam bancaram o disparo em massa de
mensagens via WhatsApp contra o PT. E horas depois de a Folha anunciar que
pediu para que a Polícia Federal investigue ameaças a seus profissionais por
"indícios de uma ação orquestrada com tentativa de constranger a liberdade
de imprensa".
O jornal denunciou nesta quarta-feira a
campanha que foi praticada contra quatro de seus profissionais, entre eles a
jornalista Patrícia Campos Mello, autora da reportagem que revelou o esquema no
WhatsApp, que pode indicar a existência de uma fraude eleitoral.
A jornalista recebeu mais de 220.000
mensagens de 50.000 contatos no WhatsApp, teve seu aplicativo hackeado e usado
para disparar mensagens favoráveis ao candidato, além de ter uma imagem falsa
sua atrelada ao presidenciável Fernando Haddad divulgada na internet.
Apoiadores de Bolsonaro também convocaram eleitores do capitão reformado à
confrontá-la pessoalmente em um evento em 29 de outubro, em que a jornalista
seria a mediadora.
Além de Patrícia, outros três
colaboradores da Folha foram vítimas de ataques virtuais. Na noite da última
sexta (19) outro repórter, desta vez de O Estado de S. Paulo, Ricardo Galhardo,
teve seu celular divulgado no Twitter pelo empresário Luciano Hang, um dos
empresários que, segundo a Folha, teria ajudado a bancar o disparo das
mensagens, após questioná-lo para uma reportagem. A plataforma removeu a postagem
por considerá-la abusiva, contudo o jornalista passou a receber mensagens
agressivas de apoiadores do candidato.
Diante dos episódios, o Comitê para a
Proteção dos Jornalistas (CPJ) pediu para que as autoridades brasileiras
garantam a segurança dos jornalistas brasileiros que estão cobrindo as eleições
no país. "Numa democracia turbulenta como a do Brasil, a liberdade de
expressão é um direito fundamental, antes e depois das eleições", disse a
entidade pelo Twitter.
Em 2018, 137 profissionais da
comunicação foram vítimas de alguma forma de agressão no país. As ocorrências
aconteceram em contexto político, partidário e eleitoral. Agressões físicas
correspondem a 62 registros, com 60 profissionais atingidos. Os demais ataques,
75, foram praticados via internet e afetaram 64 profissionais diferentes. O
Brasil ocupa o 102º lugar, em uma lista de 180 países, na classificação de
liberdade de imprensa mundial.
O ranking realizado pela Organização
Repórteres Sem Fronteiras aponta que o ambiente de trabalho para jornalistas no
país é cada vez mais instável por conta de ameaças e agressões durante
manifestações políticas e assassinatos de profissionais da comunicação
instalados em regiões mais afastadas das metrópoles.
Para Daniel Bramatti, presidente da
Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), a onda de
linchamentos virtuais de jornalistas é uma tendência nova de intimidação e pode
apresentar um sério risco à democracia.
“O problema é o estímulo à intimidação, a
ações coletivas para expor os profissionais e até suas famílias. Isso tudo não
é condizente com a liberdade de expressão e com a liberdade de imprensa”,
pontua. A ABRAJI lançou uma cartilha com orientações práticas sobre como lidar
com ataques nas redes, prezar pela segurança e pelo uso consciente das redes
sociais. "Espero não ter que usar o verbo no passado, mas até recentemente
nos sentíamos seguros trabalhando nas capitais. É preciso que isso se mantenha,
porque um jornalista que não trabalha com segurança, não trabalha com
liberdade", diz Bramatti.
Para além dos ataques à imprensa, o
cenário nas redes sociais também aponta a equipe de Jair Bolsonaro como uma
ameaça à liberdade de expressão. Segundo a apuração do The Intercept Brasil, o
capitão reformado já moveu 17 processos contra o Facebook por compreender que
existiam conteúdos contrários a suas propostas e difamação a ele. Uma
característica interessante destas ações é que os advogados de Bolsonaro pedem
além da remoção dos conteúdos, as informações cadastrais dos criadores e a
exclusão de seus perfis.
Até o momento, a Polícia Federal e o
TSE, onde a Folha protocolou o pedido de investigação, ainda não se
posicionaram sobre o pedido do jornal. Daniel Bramatti alerta para importância
de posicionamentos claros das autoridades brasileiras a fim de proteger o
exercício do jornalismo no Brasil. "A impunidade de um crime contra
jornalistas, quando esse crime visa calar alguém, é uma vitória das trevas e
quem tem como obrigação constitucional a defesa da democracia precisa atuar com
força nesse momento", clama.
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