“Bolsonaro
é um cavalo de troia que foi apresentado como antissistema, mas carrega o pior
do sistema: a concentração de riqueza,
negação de sistema, etc”, disse o governador ao Le Monde Diplomatique.
Sobre
Bolsonaro “varrer” o comunismo: “Ele não é o ‘dono da vassoura’, quem é o ‘dono
da vassoura’ é sua excelência, o povo”
Um
comunista e a identidade política nordestina
De Le Monde Diplomatique
Reeleito para seu segundo mandato como
governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB) analisa as perspectivas políticas
para os próximos anos, as relações de sua região, onde a esquerda saiu
vitoriosa, com o futuro governo e as dinâmicas da corrida eleitoral. “Se o
programa de Guedes tivesse sido apresentado, Bolsonaro perderia a eleição”.
Se Jair Bolsonaro se identifica com
Pinochet e Paulo Guedes promete aplicar uma agenda econômica semelhante ao que
o ditador chileno fez no país andino, o governador do Maranhão Flávio Dino, 50
anos, tem como referência o ex-presidente chileno Salvador Allende — um
marxista declarado que chegou ao poder pelo voto democrático.
Nascido na capital São Luís, Dino
acredita que foi a Greve da Meia Passagem — popular movimento estudantil
maranhense de 1979, brutalmente reprimido pela polícia — um dos principais
fatores que o levou para a política. “Eu tinha onze anos e assisti tudo da
minha janela, vi passeatas, policiais batendo em estudantes, bombas de gás
lacrimogêneo. A greve ‘abriu minha cabeça’. Simultaneamente tivemos a campanha
da anistia, meu pai tinha sido cassado em abril 1964, ele era deputado
estadual. Eu tenho o telegrama do comando do exército determinando a cassação
dele por ser comunista, e ele nem era (risos). Mas naquela época, assim como
nos dias de hoje, tudo que era contestador era classificado como comunismo”,
afirma o governador.
Formado em direito na Universidade
Federal do Maranhão, advogou para uma série de sindicatos, e aos 25 anos passou
no concurso para juiz federal, coincidentemente o mesmo em que Sérgio Moro foi
aprovado. Abandonou a magistratura 13 anos depois para entrar na política.
“Quando considerei que havia uma transição a ser feita no Maranhão do modelo
oligárquico para uma sociedade mais aberta, pluralista, livre, resolvi me
engajar nessa causa me filiando a um partido político (PCdoB), me elegi
deputado federal e disputei três vezes o governo do estado, 2010, 2014, 2018,
perdi a primeira e ganhei as outras duas”, explica.
Em entrevista ao Le Monde Diplomatique
Brasil, o primeiro governador da história do Partido Comunista do Brasil prevê
uma crise política em 2019 por acreditar que durante a corrida eleitoral a
dupla Bolsonaro/Guedes ocultou a agenda econômica que pretendem implementar. Ciente
de que a esquerda precisa se reorganizar, defende a criação de uma frente ampla
baseada na experiência da esquerda portuguesa, além de afirmar que existem
interesses internacionais que operam na desestabilização para que o Brasil não
se torne uma potência mundial.
Você
é conhecido por militar desde cedo, inclusive no DCE da UFMA. Como era atuar no
movimento estudantil numa época em que existiam no mundo, com clareza, dois
sistemas políticos…
É, eu sou da época pré-queda do muro de
Berlim (risos). Nós nos situávamos de modo geral, e ainda hoje, no campo da
esquerda. Havia um debate muito intenso sobre modelos de socialismo, porque
naquele período tínhamos a União Soviética, China, Cuba… Havia uma discussão na
militância política sobre os modelos na estruturação de uma nova sociedade.
Mas, de modo geral, um sentimento anticapitalista, de que o capitalismo não é o
final da história, que não é o modelo definitivo por ser concentrador de
riqueza e excludente em relação à maioria da população.
Hoje
o senhor prefere ser classificado como socialista ou comunista?
Pra mim, hoje, é a mesma coisa. Acho que
foi superada aquela visão segundo a qual haveria uma sociedade sem estado, que
iria caracterizar o comunismo como uma espécie de etapa superior do socialismo,
em que a sociedade seria tão perfeita, tão utopicamente perfeita, que como não
haveria classes sociais e injustiças, sequer haveria estado. Isso hoje é
inexeqüível pela própria complexidade da sociedade, então pra mim hoje são
termos sinônimos.
Mas
no mundo de hoje ainda existe espaço para as utopias?
Sem as utopias ninguém vive. Temos que
ter os pés na realidade, mas o olhar no horizonte. E as utopias estão no
horizonte. Se você ficar preso no aqui e no agora, nas coisas tais quais ela
são, você renunciou a vida. Então, temos que estar sempre sonhando, projetando,
imaginando, mesmo coisas que da sua vida familiar, pessoal, profissional ou
política sejam aparentemente irrealizáveis. Sempre temos que estar olhando para
o horizonte, e a utopia é decisivo para que mantenhamos a pulsação existencial
na direção transformadora. É claro que isso não deve gerar ansiedade ou agonia,
mas precisamos de uma referência, de algo melhor. No meu caso, de que o mundo
para ser bom tem que ser bom para todo mundo. Eu sei que gerações e gerações se
passarão até que nós tenhamos uma sociedade efetivamente justa, mas eu acredito
nisso e luto por isso, é minha utopia, é o que me impulsiona, que me faz todos
os dias acordar e trabalhar muito. E acredito que nós temos que colocar um tijolinho
na construção dessa utopia.
O
que te levou a abandonar a carreira de juiz federal para entrar na política?
A magistratura tem que buscar a isenção,
você não pode ser parte de conflitos, pelo menos essa é minha concepção – um e
outro, agora, andaram alterando esses cânones. Mas, na minha visão, um juiz tem
que ter um comportamento, no máximo quanto possível, que o legitime como árbitro
imparcial dos conflitos alheios. Nesse sentido, um juiz não pode exercer com plenitude
suas paixões, porque senão ele vai quebrar essa legitimação derivada de uma
isenção e imparcialidade. E eu sou muito intenso nas coisas que eu faço, e
considerava que havia uma antinomia entre os deveres do cargo de juiz com essa
intensidade com que eu procuro fazer as cosias. Associado a isso, existia um
limite profissional, porque na maioria das vezes, um juiz de primeira instância
trata de casos individuais, de pessoas determinadas, e busca fazer justiça
naquele caso, enquanto na política você está lidando, normalmente, com os
interesses de milhares ou milhões de pessoas. Quando eu proferia uma sentença,
por exemplo, em favor de um estudante ter acesso à educação, eu fazia justiça
para uma pessoa. Quando eu construo uma escola, eu estou fazendo justiça para
milhares de estudantes.
Eu gostava muito de ser juiz, e posso,
inclusive, voltar a fazer com o maior prazer, mas considerava que naquele momento
da minha vida, aos 38 anos, e considerando o que estava acontecendo no
Maranhão, a desagregação do sistema oligárquico e a necessidade de construir
algo novo, fiz a opção mais dura, porém mais congruente com meu jeito de ser e
forma de agir.
A
esquerda proporcionou avanços no começo desse século, mas o retrocesso foi
muito rápido. Porque o Brasil parece estar eternamente condenado a ser um país
do futuro?
Muito provavelmente porque não rompemos
com características históricas que aprisionam o Brasil. Nós fizemos uma
abolição da escravatura que manteve o racismo como algo estruturante da
sociedade. Em certo sentido, o capitalismo foi implantado no Século XIX, mas
mantendo a mentalidade da casa grande e da senzala. Superamos o regime militar,
mas ao mesmo tempo mantivemos a impunidade dos torturadores. Eu te diria que
são essas coisas do passado que nos escravizam até hoje, e nos impedem de
conseguirmos caminhar para uma sociedade mais igualitária. Enquanto não
enfrentarmos esses esqueletos do armário, ficaremos condenados o tempo todo a
isso que você diz, essa agonia do eterno retorno. Essas transições imperfeitas
ao longo da história fazem com que tenhamos muito retrocessos, exatamente por
não completarmos a tarefa de superar esses demônios, sobretudo os demônios da
escravidão negra, do passado colonial, da mentalidade de senhores de escravo,
de casa grande e senzala, da naturalização da desigualdade, do sofrimento
físico visto por alguns como legítimo para o exercício do poder, mediante, por
exemplo, a tortura.
Agora um candidato venceu as eleições
para presidente sem explicar muito sua agenda, simplesmente com o slogan de ser
“contra tudo isso que está aí”, o que parece ser incoerente…
E neste caso ele é profundamente parte
disso que estou falando. Todo esse legado, toda essa herança, está impregnado
na candidatura dele, mas do que em qualquer outra pessoa.
Muito
se diz sobre a reorganização da esquerda. Na sua opinião, como reinventar a
esquerda brasileira e qual o papel dela nesse novo cenário que se desenha?
Em primeiro lugar, em relação ao governo
Bolsonaro, eu não tenho nenhuma dúvida de que o lugar certo é na oposição. Uma
oposição democrática, claro, respeitando o resultado das urnas, porém oposição.
O segundo aspecto: é preciso, nesse instante, redescobrir a força e a
organização das classes populares, porque são elas que podem ancorar
profundamente um processo de mudança social num sentido de combate à
desigualdade.
Quando olhamos o resultado da eleição
presidencial vemos claramente uma clivagem de classes entre o voto do Haddad e
do Bolsonaro. Acho que isso é um sinal muito poderoso para a esquerda de onde
está sua vertente principal de construção. As classes populares que tem maior
interesse na superação da desigualdade, embora a superação da desigualdade
obscena que o Brasil tem seja de interesse de todos.
Apesar
desse interesse, as classes populares ajudaram a eleger um candidato que terá
como Ministro da Economia Paulo Guedes e agenda muito semelhante ao que foi o
governo Pinochet no Chile. Você já disse em mais de uma oportunidade que prevê
uma crise política em 2019. O que você espera dessa eventual crise e como olhar
para o futuro com otimismo?
Eu sempre me refugio naquela fórmula
gramsciana de “pessimismo na teoria, otimismo na ação”. Ou seja, você tem que
ter criticidade na abordagem dos temas, porém acreditar que novas conjunturas
se colocam. Apesar do aqui e o agora ser muito difícil e complexo, nós podemos
transformar e devemos lutar para transformar. Porque eu imagino que haverá crise?
O campo vitorioso, em primeiro lugar, não foi claro em relação ao seu programa
de governo, por uma razão simples: se o programa da dupla Bolsonaro/Guedes
tivesse sido apresentado ele teria perdido a eleição.
No momento em que esse programa vier à
luz, a parte das pessoas que votaram em Bolsonaro acreditando que ele era
antissistema irá ver que na verdade ele é uma engrenagem do mesmo sistema de
sempre de dominação e de concentração de riqueza na mão de uma minoria. As
privatizações propostas por eles vão fazer com que direitos sejam submetidos à
lógica do mercado.
A ideia da reforma da previdência de
Paulo Guedes e Bolsonaro é o mesmo sistema que o Pinochet aplicou no Chile, em
que cada um contribui para sua própria aposentadoria. Ou seja, quem mais tem
contribui mais e vai ter uma aposentadoria melhor. Quem menos tem vai
contribuir pouco e terá uma aposentadoria menor. Isso quebra o laço de
solidariedade que é inerente ao conceito de previdência social que está na
constituição de 1988, em que toda sociedade contribui para aqueles mais frágeis
em razão de sua idade ou infortúnios possam usufruir de um final de vida digno.
Então há um liame de solidariedade que é
rompido pelo regime de capitalização, e, ao introduzir esse modelo, os mais
ricos deixam de ajudar os mais pobres e por isso a concentração de riqueza
continua. A previdência deles é um modelo que tem tudo a ver com esse sistema a
favor da casa grande.
E por isso eu antevejo uma crise
política, porque na medida em que isso vier à luz, vai haver frustração de
largas parcelas da sociedade, e imagino uma conjuntura muito parecida com o
governo Collor, que no prazo de um ano ele já havia erodido praticamente toda
sua popularidade.
Como
a agenda econômica de Guedes/Bolsonaro deve impactar nos estados do Nordeste,
sobretudo o Maranhão, governado por um comunista, onde o futuro presidente
prometeu “varrer do estado”?
Só o voto popular do povo do Maranhão
pode varrer o Partido Comunista do estado. Bolsonaro não é o “dono da
vassoura”, quem é o “dono da vassoura” é sua excelência, o povo. E aí, só em
2022. Então, essa hipótese realmente não existe no contexto democrático.
O que eu espero, obviamente, é que seja
possível discutir pautas de interesse da Federação e pautas de interesse do
Nordeste. Como disse, a oposição é um exercício legítimo do estado democrático
de direito. Não impede, é claro, que naquilo que disser respeito ao
desenvolvimento regional, haja debate.
Espero que o Nordeste seja preservado no
que tem de mais importante para a estruturação de políticas de desenvolvimento.
Me refiro, por exemplo, a obras de modo geral, ao Banco do Nordeste, a
transferência constitucional de recursos para nacionais, que são devidos ao
Nordeste não por benemerência, mas por uma correção de desigualdades históricas,
regionais. Então, nós estamos reivindicando a manutenção de políticas de
desenvolvimento regional que estão na constituição de 1988, e que são devidas
em razão da má formação do federalismo brasileiro que fez com que o eixo mais
dinâmico da economia brasileira durante períodos pretéritos sugasse energias
das outras regiões do país. Então, nós queremos igualdade e chances de
oportunidades. Por isso, defendemos as políticas de desenvolvimento regional.
Tenho muito medo de medidas que sejam
antissociais. Por exemplo, se uma reforma da previdência selvagem for
implementada, nós teremos o sacrifício das aposentadorias dos trabalhadores
rurais para o futuro e isso seria um desastre social, eu te diria um genocídio,
mas ao mesmo tempo teria um impacto econômico muito negativo nas nossas cidades
do nordeste de modo geral, uma vez que a previdência social e aquele sistema de
repartição que eu descrevi, é também um vetor de circulação de riqueza da
economia local, de sustentação do comércio local. Então, eu gostaria de
sublinhar que essas medidas antissociais, elas têm um efeito no beneficiário
imediato, em quem deixará de se aposentar por hipótese, mas tem também um
efeito dominó sobre as próprias atividades econômicas dessas cidades
nordestinas, cujas redes de comércio e serviço dependem em larga medida, por
exemplo, da aposentadoria dos trabalhadores rurais.
Se
algumas características apresentadas por Guedes/Bolsonaro já nos permitem fazer
uma analogia ao governo Pinochet, não é exagero dizer que seu governo no
Maranhão se assemelha ao do atípico revolucionário Salvador Allende, que chegou
ao poder pelo voto democrático se declarando abertamente um socialista
marxista…
Eu tenho um pequeno busto do Salvador
Allende na minha sala, inclusive (risos). Eu tenho alguns bustos ao lado dos
meus santos. É um dos grandes ídolos que eu tenho. E um dos grandes livros que
eu li é “Confesso que vivi”, do Pablo Neruda. Um livro autobiográfico, claro
que é a história do Neruda, mas é muito “entrecortado” porque o Neruda foi
Senador do Chile no período do Allende, então esse livro tem muito da
intensidade daquele período chileno. Salvador Allende é um dos ídolos políticos
que eu tenho, sem dúvida.
Quando
o filho de Bolsonaro ameaçou o STF, o senhor prontamente respondeu que estaria
na porta do Supremo, na linha de frente da defesa da democracia. Sua fala foi
inspirada na resistência de Salvador Allende no Palácio de La Moneda?
Eu não hesitaria se fosse o caso. Mas eu
espero, realmente, que isso não ocorra. Minha criticidade não chega ao ponto de
imaginar que isso efetivamente vá ocorrer. Ou seja, que eles sejam capazes de
determinar o fechamento do Supremo e do Congresso. Realmente, eu não vislumbro
isso como uma coisa concreta, factível. Mas, se fosse o caso, eu não teria
nenhuma dúvida, porque eu me sentiria mal comigo mesmo, não por heroísmo. Ao
contrário, por profundo respeito aos verdadeiros heróis da democracia que
sacrificaram suas vidas para que as ditaduras militares da América do Sul
fossem superadas. Eu me sentiria muito mal diante desses verdadeiros heróis se
a minha geração permitisse a volta da ditadura militar. Por isso mesmo eu não
hesitaria em estar na linha de frente de qualquer resistência, caso isso viesse
ocorrer. Sublinhando de novo que eu não acredito que isso ocorra.
Você
não teme a possibilidade desse governo de extrema-direita diminuir os repasses
aos estados do Nordeste, sobretudo ao seu que leva o nome de “comunista”? Além
disso, qual é a saída para essa região que contrariou a onda conservadora que
elegeu Bolsonaro? E como conseguir governar com estabilidade nesse período?
Em primeiro lugar, diante do belicismo
das manifestações do presidente eleito antes e depois da eleição, é claro que
todo temor é justificado. Então, a primeira resposta é sim, eu tenho receio de
que esse belicismo se traduza até em medidas injustas contra o povo do Nordeste
de modo geral.
Segundo lugar, qual é a saída? União do
Nordeste. E união, eu diria até, de todos os governadores que defendem um pacto
federativo justo. Acho que nós do Nordeste, somos todos os nove governadores
amigos, convivemos juntos por várias razões e temos muita identidade, devemos
convidar todos os governadores do Brasil, independentemente de posição ideológica,
que queiram debater um federalismo justo. Ou seja, segunda resposta, a receita
é o máximo de união possível no âmbito dos governos estaduais.
A terceira pergunta, como governar com
estabilidade: nós temos feito um esforço muito grande de manutenção da
responsabilidade fiscal, que não é um dogma de fé, é um instrumento e um
caminho. Se você não tem um governo equilibrado do ponto de vista fiscal você
não se consegue fazer políticas sociais e de desenvolvimento. Nossa preocupação
é manter esse equilibro. Estamos discutindo num quadro árido, hostil do ponto
de vista político e econômico, como manter esse equilíbrio sem perder serviços
públicos, sem sacrificar os direitos das pessoas, porque se você perder esse
equilíbrio você perde a governabilidade, e perde a capacidade de melhorar a
vida das pessoas, porque aí você entra num emaranhado, numa espécie de
labirinto que você demora anos para sair, que é o caso do Rio Grande do Sul e
do Rio de Janeiro, por exemplo. Então, nesse quadro hostil, minha obstinação
hoje é manter o equilíbrio de receita e despesa.
O
senhor foi reeleito no primeiro turno contra uma das oligarquias mais fortes do
país levando o nome de comunista no partido. Em sua opinião, o que aconteceu
nas eleições de 2018 para que um candidato como Bolsonaro tenha sido eleito?
Eu acho que ele conseguiu agregar, em
primeiro lugar, uma minoria de preconceituosos, racistas, misóginos e
violentos, e isso infelizmente existe na sociedade. E, repito, uma minoria dos
eleitores dele se inserem nessas categorias, e ele conseguiu galvanizar essa
minoria. Ao mesmo tempo, ele conseguiu ampliar isso com um discurso
antissistema por duas razões: em primeiro lugar a crise econômica classicamente
beneficia saídas supostamente antissistemas. Hitler e Mussolini são frutos
diretos de crises econômicas. E a segunda razão pela qual ele conseguiu êxito,
a única proteção do sistema institucional aos olhos do povo foi removida. Essa
proteção se chama Luiz Inácio Lula da Silva. Ele é o único integrante do
sistema político tal qual como existente que tinha a adesão da maioria do povo.
Na hora que essa “proteção” do sistema político institucionalizado foi removida
arbitrariamente não sobrou nada no lugar, e aí nós vimos essa avalanche, porque
ele era o único político popular que tinha no Brasil nesse ano de 2018.
Quando ele foi inabilitado não sobrou
nenhum anteparo, e a população de modo geral ficou procurando quem era o
substituto desse que era identificado como porto-seguro, que era o Lula, e
identificou no discurso antissistema, não só do Bolsonaro, mas de alguns
candidatos aos governos estaduais como Wilson José Witzel, eleito no Rio de
Janeiro. Se o Lula estivesse solto ele teria vencido a eleição no primeiro
turno e eu não tenho nenhuma dúvida, por isso aliás, que ele foi preso.
Quem
o senhor acredita que opera esse sistema que colocou o impeachment em marcha e
prendeu um candidato?
Somente um ingênuo, hoje, poderia dizer
que não existem interesses internacionais por trás disso. Eu sou uma pessoa de
boa fé, mas procuro fugir da tolice, e por isso mesmo tenho convicção de que há
interesses internacionais poderosos movidos, por exemplo, pelo desejo de
dissolver o bloco dos BRICS, de impedir uma potência regional como o Brasil de
se afirmar no mundo com soberania energética e tecnologia, movida, por exemplo,
pelos interesses ávidos de domínio do pré-sal, essa grande reserva petrolífera
que Deus nos legou. Então, essa gama de interesses internacionais se
organizaram muito poderosamente, e a prova definitiva está na eleição
presidencial.
A prova das provas, a rainha das provas, foi o envolvimento de
empresas estrangeiras e de consultores internacionais vinculados a correntes
ideológicas estrangeiras na eleição presidencial, cujo expoente mais notável
foi esse senhor Steve Bannon, que permitiu que as fake news derrotassem o
sistema institucional brasileiro.
As fake news pautaram o debate presidencial e
conseguiram impor uma agenda falsa, de ocultação da agenda verdadeira do
Bolsonaro, que é esse programa antinacional e antipopular, e conseguiram
driblar, inclusive, os mecanismos de fiscalização da Justiça Eleitoral. E isso
foi feito por uma inteligência fora do Brasil. Então, não há dúvidas, com uma
prova tão evidente, de que desde 2013 nós vivemos em uma conjuntura onde interesses
estrangeiros se imiscuíram muito fortemente na política interna brasileira.
Alguns
críticos políticos acreditam que se Bolsonaro implementar o 13º bolsa família
ele pode angariar votos e aumentar a popularidade no Nordeste. O senhor
acredita que o nordestino vota por essas pequenas concessões? O que fez o
nordestino votar à esquerda?
Nas últimas eleições com certeza o
reconhecimento da correção de um caminho, que junta investimento público e
políticas sociais. É claro que uma medida utópica dessa seria bem vinda, e eu
sou defensor de políticas sociais de um modo geral, venha de onde vier. Porém,
insuficiente para imaginar que com isso se iria comprar a consciência da
população. É preciso ver o conjunto da obra para entender o motivo pelo qual os
nordestinos votam à esquerda. O lulismo se firmou como uma corrente popular
mais forte da história brasileira pelo conjunto da obra, não por uma medida só.
Então,
o senhor acredita que só a implosão do sistema político conseguiria fazer com
que essa agenda de Guedes/Bolsonaro passasse pelo crivo do voto?
Sem dúvida. Eles precisaram primeiro
tirar a Dilma por um impeachment fraudulento e vexatório do ponto de vista
jurídico. Porque politicamente o deputado vai lá e vota como a consciência
manda, e eu respeito isso. Mas juridicamente o impeachment era insustentável,
não houve crime de responsabilidade nenhuma. Ele foi criado para permitir que
uma parte dessa agenda passasse. O Temer, num certo sentido, fracassou porque
erodiu a popularidade e por isso não conseguiu implementar o conjunto da
agenda, embora em grande parte ele tenha executado. E aí a saída foi aprofundar
ainda mais a destruição do sistema político de um modo tal que todos os
partidos foram levados, não só os de esquerda.
Fala-se muito que o PT tem que
fazer autocrítica, sim. E o PSDB, não tem? Foi igualmente reprovado nas urnas. O
MDB… todo o sistema institucional foi tragado, triturado por esses interesses
econômicos, internacionais, e por essa lógica da imposição do político
antissistema de modo artificial, para possibilitar que ele seja uma espécie de
cavalo de tróia desse programa que hoje se fala: de reforma da previdência,
privatizações, etc. Bolsonaro é um cavalo de tróia que foi apresentado pelo
povo brasileiro como antissistema, que na verdade no seu bojo carrega
exatamente o pior do sistema, que é concentração de riqueza, negação de
sistema, etc.
A
formação de uma frente ampla nos moldes do que ocorreu com a esquerda em
Portugal não saiu do papel para as eleições presidenciais. Com uma coligação de
16 partidos, você se inspirou nesse modelo?
Claro, e essa é a receita do sucesso. Na
vida política o isolamento quase nunca é um bom lugar. E numa sociedade
complexa e plural como a brasileira, e estamos falando de uma das maiores
democracias do planeta, você caminhar isolado é muito difícil. Então você
sempre tem que ter flexibilidade para buscar alianças, inclusive com o chamado
centro, que foi muito estigmatizado. Não o centro político, partidário. O
centro que eu particularmente olho, é o pensamento médio da sociedade. É mais
ou menos como se existissem três terços, um deles mais progressista, outro mais
conservador e o terceiro que fica ali pelo meio, de um modo geral é assim e no
Maranhão isso é muito claro. Então você tem que buscar alianças para polarizar
seguimentos que estão nesse centro, e, infelizmente, por uma série de razões
nós não conseguimos isso nas eleições presidenciais.
Mesmo o Haddad só
conseguiu ampliar na última semana e é quando ele cresce. Exatamente quando ele
consegue ampliar é que ele cresce. E esse é o principal desafio, como manter
sua visão programática, estratégica e de princípios. Ao mesmo tempo ter
consciência de que você não é detentor da verdade ou da virtude. Nenhuma
corrente política é detentora desses valores. Sempre temos que ter
flexibilidade para abranger outros seguimentos sociais e políticos.
Quando Haddad conseguiu isso, não pela
vertente partidária, porque essa já estava destruída, mas pela vertente social,
os artistas entraram na campanha, movimentos sociais, pessoas do povo,
juventude, mulheres, etc. Quando ele consegue isso ele quase chega. Mais duas
semanas talvez ele chegasse, exatamente pela virtude da amplitude.
Agora, pensando no futuro, no ponto de
vista político, nós precisamos de uma reorganização orgânica da esquerda. Nós
temos uma força claramente hegemônica, que é o PT, mas essa força não pode
resolver sozinha as coisas. É preciso que tenha amplitude para que a gente
consiga obter as vitórias. Se você olhar nas derrotas desde 2013, vai notar que
conforme as alianças foram ficando estreitas, as derrotas foram vindo.
E
qual foi o erro de planejamento do PCdoB, que não alcançou a cláusula de
barreira?
Superestimamos algumas hipóteses,
tínhamos como meta fazer 12 deputados e fizemos nove, mas dá para corrigir esse
erro. Existem mecanismos legais que permitem a sobrevivência do PCdoB. Por
exemplo, outros partidos comunistas ao longo do mundo já adotaram, como os
comunistas uruguaios que atuam dentro da Frente Ampla, ou os comunistas
portugueses dentro dos verdes. Existem experiências frentistas, que aglutinam
dois ou três partidos. De uma forma ou de outra, fundido ou não, o PCdoB vai
continuar existindo, porque é um partido que corresponde a um pensamento que
não se pode negar a legitimidade e que eu traduzo, de modo geral, ao pensamento
anticapitalista, que é o que nós somos, acreditamos que o capitalismo não é o
final da história.
Por
fim, a revolução está em marcha?
Sempre está em marcha, a revolução é
inerente a natureza humana. Como disse o filósofo, nenhum homem se banha duas
vezes no mesmo rio, e na política é assim também, nada é imutável, tudo flui, e
as derrotas de hoje são aprendizados para outras vitórias.
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