O cenário de perdas salariais, estopim
do motim de policiais militares no Espírito Santo, é comum a outros Estados do
país.
da Folha de São Paulo
O levantamento foi feito pela Folha de São Paulo em 19 unidades da federação, mostrando que o salário inicial da categoria aumentou nos últimos cinco anos, mas ficou abaixo da inflação em pelo menos oito delas, incluindo o Espírito Santo.
Mesmo onde houve um reajuste expressivo,
a insatisfação dos policiais é latente, motivada pela falta de estrutura,
discrepância de ganhos entre altas e baixas patentes e aumento de horas-extras.
"No geral, o salário é só a ponta
do iceberg", diz Arthur Trindade Costa, professor da UnB (Universidade de
Brasília) e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Uma das principais queixas são as
diferenças salariais dentro da corporação: os oficiais chegam a ganhar até
cinco vezes mais que os praças, que atuam no policiamento ostensivo. "O
militarismo é um sistema bom para deixar muitos ganhando pouco e poucos
ganhando muito", diz Rafael Alcadipani, professor da FGV-SP.
Em tempos de crise econômica, a
distorção fica ainda mais evidente, e se soma ao eventual sucateamento dos
quarteis em alguns locais, à falta de equipamentos e à perda do poder de
compra.
"Não é só um problema salarial; é
estrutural", diz Orélio Fontana Neto, da Associação de Praças do Paraná.
No Rio, onde na última sexta-feira (10)
houve protestos de mulheres de PMs em ao menos 27 dos 39 batalhões no Estado, o
presidente da Associação dos Praças Policiais e Bombeiros Militares, Vandrei
Ribeiro, afirma que o policial fluminense "trabalha revoltado".
A remuneração de um soldado em início de
carreira é de R$ 2.935 –29% a mais que o valor de cinco anos atrás, mas abaixo
da inflação no período, de 34%.
Além do salário, que considera baixo,
Ribeiro aponta como os principais problemas da categoria a indefinição sobre a
jornada de trabalho, que fica a cargo da chefia e não é definida em lei, a
falta de acompanhamento psicológico e equipamentos em más condições: coletes
que não são fiscalizados, viaturas que enguiçam, armas que falham na hora de
usar.
No Espírito Santo, falta copo e papel
higiênico nos quarteis, segundo relataram soldados do 1º Batalhão de Vitória à
Folha. Um deles, soldado há oito anos, se vira com três cartões de crédito e 25
horas seguidas de trabalho –como policial e como segurança particular.
Outro cancelou o plano de saúde e tirou
o filho de quatro anos da escola particular. "Se você encostar no armário
da companhia, morre de tétano", disse, sob a condição de não revelar o
nome, para evitar punições.
COBERTOR
CURTO
Boa parte dos Estados deu aumentos
significativos às PMs nos últimos dez anos, quando unificou as gratificações em
subsídios e instituiu reajustes escalonados.
No Rio Grande do Sul, o vencimento
inicial de um soldado quase triplicou desde 2012. Em crise, o governo de José
Ivo Sartori (PMDB) tem atrasado salários e diz que o aumento bilionário dado
pelo antecessor, Tarso Genro (PT), ajudou a comprometer as finanças estaduais.
No outro extremo do país, no Rio Grande
do Norte, a ex-governadora Rosalba Ciarlini (PP) fez o mesmo, com reajuste para
três anos consecutivos. O governo cumpriu a lei, mas pena para pagar em dia os
salários dos servidores.
Os Estados resistem a novos reajustes.
Afirmam que estão aumentando o efetivo e não têm dinheiro para tudo.
"A situação é apertada? É, sim,
para todos os brasileiros", diz o secretário de Planejamento do Espírito
Santo, Regis Mattos Teixeira, que classifica como "inaceitável" o
reajuste reivindicado pelos policiais militares do Estado. "Quem paga o
salário do policial não é o governo; é o cidadão. O dinheiro sai de algum
lugar."
Para Costa, do Fórum Brasileiro de
Segurança, há outras maneiras, além de aumentar o piso, para melhorar a condição
de trabalho dos policiais -como, por exemplo, alterar o plano de carreira,
prover equipamentos e viabilizar planos de saúde. Mas a falta de dinheiro é um
problema real, afirma.
"As polícias são normalmente a
primeira ou segunda folha de pagamento dos Estados. Qualquer 2% ou 3%
pesa", diz ele, que já esteve à frente da Secretaria de Segurança Pública
do Distrito Federal.
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