Em
2013, antes da lei da delação, ocorreram 135 detenções no País; em 2016, número
subiu para 524
Aprovada
em resposta às manifestações de rua há 4 anos, lei das delações fez aumentar
detenções por desvio de recursos; número saltou de 2,5 por semana para 10

Por Marcelo Godoy e Daniel Bramatti, O
Estado de S. Paulo
As milhões de pessoas que foram às ruas
em junho de 2013 não pediram a aprovação da Lei 12.850, que regulou as delações
premiadas. Mas a mudança legal – parte do pacote aprovado pelo Congresso em
resposta aos protestos – abriu o caminho para que o número de prisões temporárias
e preventivas e os flagrantes de corruptos acusados de desvio de verbas
públicas no País fosse multiplicado por quatro de 2013 para 2016.
Números da Diretoria de Investigação e
Combate ao Crime Organizado (Dicor), da Polícia Federal, mostram que, no ano
passado, dez pessoas foram presas a cada semana por agentes federais em
operações de combate ao desvio de verbas públicas. Em 2013, antes da aprovação
da lei sobre colaboração premiada, esse número não chegava a três por semana
(2,5 em média). O Estado analisou os dados de 2.325 operações deflagradas pela
PF no País de 1.º de janeiro de 2013 a 31 de março deste ano. Os dados foram
obtidos por meio da Lei de Acesso a Informação.
“O marco disso é a lei de 2013”, afirmou
a delegada Tânia Prado, presidente do Sindicato dos Delegados da PF. Para ela,
a legislação que emparedou o mundo político dificilmente passaria hoje no
Congresso. “Ela foi aprovada no contexto da pressão popular. Devem
(congressistas) ter achado que era bom para prender traficante.” Em 2013, a PF
fez 302 operações no País de combate a organizações criminosas – desde as
envolvidas com crime comuns, como tráfico de drogas, até as especializadas em
delitos financeiros. Em 2016, esse número aumentou 205%, chegando a 922.
Já no primeiro ano depois da lei, em
2014, o número de prisões concedidas pela Justiça e flagrantes nessas operações
chegou a 2.798 e somou 4.122 em 2016 – aumento de 771% em comparação com as 473
registradas em 2013.
Para o procurador da República Rodrigo
De Grandis, a lei foi “um divisor de águas no combate à corrupção”. “Não havia
o procedimento de como se fazer a colaboração premiada e hoje ela é
fundamental.” No caso das operações de combate ao desvio de verbas públicas, as
prisões passaram de 135 (2013) para 524 (2016) – crescimento de 288%. De
Grandis diz que, hoje, o combate à corrupção é uma prioridade na PF e no
Ministério Público Federal (MPF).
Os números da PF mostram que não só as
prisões de corruptos aumentaram, mas também as de todos os demais tipos de
organizações criminosas, como a de traficantes. Ou seja, a lei afetou as máfias
de forma indistinta – a única exceção foi os crimes financeiros. “É mais
difícil obter uma prisão por crime financeiro. A materialidade do delito é mais
complexa”, disse De Grandis. Para ele, “culturalmente”, a tendência é achar que
o crime com sangue merece uma resposta mais severa da sociedade. “Isso é uma
falácia. E está mudando, até no Supremo.”
Para o criminalista Roberto Podval, há
uma escalada de prisões preventivas no País nos últimos anos. “Mudou a cultura
com relação à prisão no Judiciário. Saímos da impunidade absoluta para os
crimes econômicos para a punibilidade absoluta, que está nesse momento. A
tendência é que a gente chegue ao meio-termo. Se houve uma banalização da
corrupção, houve também uma banalização das prisões provisórias.”
Tecnologia
Por trás do aumento das operações e das
prisões, criminalistas, policiais e procuradores apontam ainda razões
tecnológicas, como a criação de bancos de dados sobre desvios de verbas
públicas e laboratórios de combate à lavagem de dinheiro. Chamada Atlas, a nova
ferramenta de cruzamento de informações da PF tem 56 bases de dados que
armazenam 1,5 bilhão de registros sobre corrupção no País. A colaboração com os
órgãos de controle, como a Controladoria-Geral da União (CGU), também provocou
o aumento de operações.
DUAS
PERGUNTAS PARA...
Eros Grau, ex-ministro do Supremo
Tribunal Federal
1.
O senhor esteve no STF em uma época em que o Tribunal via a prisão preventiva
como excepcional. Quais as consequências da proliferação das prisões para a
Justiça criminal?
Se são de acordo com a lei, elas devem
ser feitas. O que seguramente implicou o aumento dessas prisões foi a delação
premiada, que se transformou em um instituto muito positivo ao permitir a
eficiência da atuação policial. Lógico que, se houver excesso, ele deve ser
coibido. O aumento não decorreu de exceção de atuação, mas de excesso de
conhecimento de fatos.
2.
O senhor crê que algum ajuste deve ser feito nesse instrumento?
Eu acho que ele está adequado à
realidade. O fato é que a realidade hoje espanta. Cada dia espanta mais.
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