Um dia depois que a JBS diz ter entregue
um volume de dinheiro destinado ao presidente Michel Temer, o então
vice-presidente concluiu a compra de dois terrenos que somam 4.700 metros
quadrados em um condomínio de luxo em Itu, no interior de São Paulo. A área
fica no condomínio Terras de São José II, que possui 20 quadras de tênis, dois
campos de futebol, academia de golfe, centro hípico e heliponto.
Seria só uma compra típica de um
milionário, mas o momento da aquisição chama a atenção pela coincidência de
datas. Temer foi, de acordo com depoimentos de delatores à Operação Lava Jato,
o destinatário de cerca de 2 milhões de reais em pagamentos de propina da
Odebrecht e da JBS entre o fim de agosto e o começo de setembro de 2014. No dia
2 de setembro de 2014, a JBS diz ter entregue 1 milhão de reais em espécie ao
coronel João Baptista Lima Filho, amigo do presidente e considerado o mais
antigo operador de propinas de Temer pela Lava Jato. De acordo com depoimentos
e documentos dos delatores do frigorífico, esse pagamento era destinado a Temer
e fazia parte de um acerto de R$ 15 milhões para o presidente. O caminho da
suposta propina ainda é investigado.
Um dia depois da entrega de dinheiro
relatada pela JBS, em 3 de setembro daquele ano, a Tabapuã Investimentos e
Participações, uma empresa criada e controlada por Temer, concluiu em cartório
a aquisição, por R$ 334 mil, do lote 11, da quadra 24, do condomínio Terras de
São José II. Só essa propriedade imobiliária ocupa 2.604 metros quadrados.
Temer também usou a Tabapuã para concluir a compra do lote 12, da quadra 24, do
mesmo condomínio, com área equivalente a 2.092 metros quadrados, por R$ 380
mil. Ao contrário da prática comum em escrituras do gênero, não foram
discriminados nos registros como foram feitos os pagamentos pelos imóveis.
Procurado pelo EL PAÍS, Temer se limitou
a informar que as aquisições dos terrenos em Itu foram financiadas com recursos
próprios e declaradas em Imposto de Renda. O presidente nega ter recebido
valores da JBS ou da Odebrecht como propina e acusa os delatores de inventar os
depoimentos em troca de benesses legais.
Um
milhão de reais ao ano com aluguel
As propriedades no condomínio de luxo em
Itu são as últimas joias do portentoso conjunto imobiliário de Temer. Ele
possui 20 imóveis, alguns herdados da família. Duas salas comerciais e a casa
onde mora em São Paulo foram transferidos para o filho Michelzinho, mas Temer
continua usufrutuário até que o herdeiro complete 30 anos. Esse patrimônio
passou a chamar atenção dos investigadores depois que o doleiro Lúcio Funaro,
considerado operador de propinas do PMDB, afirmou em acordo de delação premiada
que Temer adquiriu imóveis para lavar dinheiro e esconder a origem ilícita de
repasses de propina. Funaro chegou a afirmar que Temer tinha o andar inteiro de
um prédio comercial na Avenida Faria Lima, o endereço mais caro para
propriedades comerciais na capital paulista.
O EL PAÍS apurou que Temer é dono de um
andar inteiro no edifício Spazio Faria Lima, que rende pouco mais de 1 milhão
de reais de aluguel ao ano para o presidente. O andar foi vendido pela
incorporadora Yuny, uma empresa controlada pela família do advogado José Yunes,
velho amigo de Temer, ex-assessor especial dele no Palácio do Planalto e também
considerado um operador de propinas para o presidente pela Lava Jato. Embora a
escritura do imóvel não especifique a forma de pagamento de Temer, o presidente
também diz que pagou com recursos próprios em 2003.
O andar inteiro na Faria Lima não foi a
única transação entre Temer e Yunes. O presidente comprou do advogado duas
salas comerciais na Rua Tabapuã, no Itaim Bibi, Zona Sul de São Paulo, onde
fica seu escritório atualmente. Documentos cartoriais atestam que Temer pagou
ao amigo R$ 190 mil por cada sala em 2000. Temer também pagou 830 mil reais a
Yunes em 2011 por um imóvel no Alto de Pinheiros, Zona Oeste de São Paulo,
segundo informaram os dois em cartório.
As transações de Temer com Yunes
levantaram suspeitas porque, de acordo com depoimento de um executivo da
Odebrecht, o amigo do presidente recebeu para Temer uma entrega de um milhão em
espécie do departamento de propinas da construtora em uma data não especificada
entre o fim de agosto e o começo de setembro de 2014. Yunes disse ao Ministério
Público que apenas recebeu um "pacote" a pedido do ministro-chefe da
Casa Civil e também aliado de Temer, Eliseu Padilha. Funaro corroborou a versão
do executivo da Odebrecht e disse em acordo de delação premiada que pegou esse
"pacote" com 1 milhão de reais no escritório de Yunes e que soube
pelo ex-ministro Geddel Vieira Lima, outro aliado de Temer, que o dinheiro saiu
da Odebrecht. O destino final desse repasse ainda é investigado.
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