Um governo em que só a derrota
interessa
Não passa um dia sem que a corte de Jair
Bolsonaro cometa um atentado contra seu próprio patrimônio. A ação deletéria do
círculo mais próximo do presidente é cruel, e em alguns casos, ridícula.
Já foram escritas algumas milhares de
páginas gloriosas relatando graves e disruptivos equívocos históricos que ao
longo dos tempos destruíram reis, imperadores, ditadores, presidentes.
Uma nova página está sendo escrita nestes
dias no Brasil. Esta, porém, não tem uma gota sequer de glória. Ela é composta
apenas por erros pernósticos e grosseiros.
Um elenco de erros que ultrapassa o limite
do bom senso. O pacote de bobagens começou a ser oferecido já na posse, quando
o filho mais mimado do presidente abancou-se no Rolls-Royce presidencial.
Parecia uma coisa juvenil, sem maior importância.
Não era, como verificou-se em seguida,
quando o menino demitiu o primeiro ministro do pai.
A partir daí, o país acompanhou atônito
uma sequência de episódios capazes de arrasar qualquer reputação.
Aos poucos, a República do Tiro no Pé foi
se consolidando no entorno do presidente e hoje está instalada de maneira
inequívoca e soberana no Palácio do Planalto.
Dos eventos que tornam difícil o trabalho
dos bombeiros de Brasília, o mais impressionante é o tratamento que o governo
dá à educação.
Primeiro, nomeou um maluco desprovido de
bom senso que iniciou sua breve jornada na Esplanada dizendo que brasileiro é
um ladrão canibal quando viaja ao exterior.
Depois, indicou um sucessor mão de tesoura
que anunciou um corte bilionário no orçamento das universidades em nome de um
revanchismo cego e tolo.
Nem o mais leal bolsonarista consegue
entender uma medida como esta, a menos que imagine estar assim nivelando o
Brasil ao seu próprio patamar. E ache isso bom.
Na política externa, o governo tomou todos
os atalhos que o manual do bom diplomata condena.
Na área ambiental, nadou e segue nadando
contra a maré global.
Nem a China, país mais poluidor do mundo,
foi tão longe no descaso com o meio ambiente.
Não vale a pena falar da senhora que viu
Jesus numa goiabeira, nem do cavalheiro que comprou um laranjal em Minas, ambos
ministros do governo Bolsonaro.
Melhor se concentrar na política. Em menos
de cinco meses, Bolsonaro teve tantas indisposições nesse campo que já está
tomando café frio. Não ganhou um embate importante no Congresso.
Depois de ver estraçalhada sua proposta de
reforma administrativa na comissão criada para analisá-la, o governo
experimentou uma derrota fragorosa ao tentar impedir que o ministro mão de
tesoura fosse convocado para se explicar na Câmara.
Enquanto ele dava vexame no plenário,
escolas ao redor do país pararam e foram às ruas em protesto contra o governo.
Nem Temer no pior de seus dias foi tão mal.
Ao lado das questões graves, há outras
patéticas. Imaginem dois líderes de partidos aliados recusando chamamento do
presidente da República para irem ao Palácio conversar.
Os “famosos” Elmar Nascimento (DEM) e
Arthur Lira (PP) agradeceram convite feito pelo líder deputado major Vitor Hugo
(PSL) e não foram ouvir Bolsonaro.
Caso raríssimo na história da política
nacional, o Centrão disse não ao governo. Logo o Centrão, que faz das tripas
coração para estar sempre ao lado de quem dá as cartas e solta as verbas.
Além disso, os três filhos continuam
azucrinando. O mais velho, o 01, teve seu sigilo bancário e fiscal quebrados e
antes do fim do ano estará experimentando o calor abrasador do inferno, e
incendiando o governo.
O mimado, o 02, agora está torpedeando os
ministros Onyx, Moro e Guedes, porque não suporta nenhuma sombra maior que a
sua ao lado do papai.
E, finalmente, o 03 disse que o Brasil
deveria ter sua bomba atômica para ser levado mais a sério. Quem não pode ser
levado a sério é o 03.
E, claro, o presidente pode sempre contar
com a inestimável colaboração de Olavo de Carvalho, a cereja no topo do bolo.
Se os filhos afastam do pai os ministros
políticos e técnicos, Olavo afugenta os militares.
O perigo do isolamento de Jair Bolsonaro é
real.
Para quem faz tudo para parecer que
somente a derrota interessa, o caminho para o fracasso não poderia estar mais
aberto e desimpedido.
Editorial de O Globo desta quinta-feira (16)
Editorial de O Globo desta quinta-feira (16)
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