Parentes
assistem a funeral de vítimas da covid-19 no cemitério Nossa Senhora Aparecida
em Manaus, Amazonas
Por Leonardo Sakamoto/Uol
O aumento súbito na demanda por leitos de UTIs para covid-19 e por oxigênio ocorre duas semanas após as festas de final de ano. Nesse período, o presidente da República, mais uma vez, plantou irresponsabilidade ao incentivar as pessoas a ignorarem o isolamento social e a aglomerarem-se. Segundo ele, medo da covid é coisa de "maricas" e "todo mundo morre um dia". O impacto negativo de seu governo consegue superar o de qualquer mutação do coronavírus.
Wilson Lima (PSC), governador do Amazonas,
anunciou, nesta quinta (14), toque de recolher noturno para reduzir o número de
casos, que também já levou a novo colapso nos cemitérios. Em dezembro, ele
voltou atrás em um decreto com restrições a atividades não-essenciais, que poderia
ter salvado vidas, após pressão de empresários e deputados bolsonaristas.
A coluna de Mônica Bergamo, na Folha de S.Paulo, apontou que administradores dos hospitais da capital amazonense e pesquisadores confirmam o atual cenário de terror. Parentes compram cilindros individuais para tentar salvar familiares e pessoas com outras doenças que dependem do insumo também estão sendo afetadas. O que será de recém-nascidos que precisam de respiradores, por exemplo?
O governo federal está transferindo pacientes para outros Estados, em caráter emergencial. Há gente passando vergonha e batendo palma para o que eles chamam de "logística de guerra" nas redes sociais, quando isso, na verdade, é uma derrota que poderia ter sido evitada se tivéssemos governo. Temos um vácuo sentado no Palácio do Planalto.
Afirma-se que o suprimento de oxigênio
acabou devido a um salto inesperado no número de casos. Não, não foi surpresa.
Infectologistas, epidemiologistas e cientistas apontavam que a redução no
isolamento, incentivado por autoridades como o presidente, cobraria um preço
altíssimo no meio de janeiro. Inesperado é um meteoro destruir uma cidade de
207 mil habitantes. O que estamos vendo no Brasil é projeto.
Após deixar milhões de testes para covid-19
vencerem em um depósito do governo em Guarulhos (SP) e apresentar um plano
picareta para a distribuição da vacina, o ministro da Saúde e especialista em
logística (sic), general Eduardo Pazuello, vê pacientes morrerem sufocados em
Manaus por falta de oxigênio.
Pazuello não surgiu de geração espontânea a partir de uma farda vazia num armário. Foi Jair Bolsonaro que o colocou lá.
Medalhista na modalidade Arremesso de Responsabilidade à Distância, o presidente correu para jogar a culpa apenas nas costas do governo estadual e da prefeitura local. Na terça (12), afirmou que ambos deixaram acabar o oxigênio e que Pazuello tinha ido à capital para resolver a situação. Medalha de ouro.
Apesar de ter entrado para o anedotário mundial, Maria Antonieta, rainha da França no século 18, nunca disse "se o povo não tem pão, que coma brioches". Também não há registro de que Pazuello tenha dito: "se Caminhoneiros espalham vídeos antigos com Bolsonaro apoiando a greve o manauara quer oxigênio, que engula cloroquina". Mas foi o que, de fato, fez.
Em um dos lances mais bizarros desde que começou a pandemia (e olha que a competição é acirrada), o Ministério da Saúde pressionou a Prefeitura de Manaus a distribuir hidroxicloroquina e ivermectina, remédios usados contra malária, lúpus e infestação por vermes, como tratamento precoce para a covid, como informou o Painel, da Folha de S.Paulo. Poderia ter garantido o estoque de oxigênio ou viabilizado uma vacina, mas optou por forçar para que aceitassem "feijões mágicos".
Se o governo federal, desde o início da pandemia, tivesse assumido a articulação no combate à doença, saberia quando Estados e municípios precisariam de insumos. Assim, problemas seriam evitados e pessoas não morreriam. Transportar pacientes agora é corrigir um erro, não mostrar competência. Preferiu abraçar o vírus como um velho amigo.
É um atestado de incompetência carimbado na
testa o fato de que o alerta da falta de oxigênio seja tanto a asfixia de
doentes quanto a tortura física e psicológica de profissionais de saúde,
obrigados a ventilar manualmente pacientes para afastá-los da morte.
O salto de internações e óbitos em Manaus não é uma situação isolada, portanto, mas o prenúncio de que vem por aí uma evitável colheita de óbitos.
Há nuvens escuras no horizonte. Parece uma
tempestade.
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