Deputados que analisam as medidas levadas pelo MPF
querem alterar pontos centrais do pacote, entre eles a criminalização do caixa
2 e o aumento da pena de corrupção

Julia Lindner, Beatriz Bulla, Fábio Serapião e Isabela
Bonfim,
O Estado de S. Paulo
BRASÍLIA - Parlamentares da comissão especial que
analisa as medidas anticorrupção apresentadas pelo Ministério Público ao
Congresso já articulam mudanças em pelo menos quatro pontos centrais do pacote
– a criminalização do caixa 2, o aumento da pena para corrupção, a
possibilidade de que provas ilícitas sejam consideradas válidas se forem
colhidas de boa-fé e a hipótese de prisão preventiva para a recuperação de
recursos desviados.
Deputados têm discutido o tema em encontros reservados
com advogados. Eles resistem a expor publicamente o desconforto com as medidas
propostas, já que o projeto chegou à Câmara com o apoio de 2 milhões de
assinaturas, recrutado por representantes da força-tarefa da Lava Jato e pelo
juiz Sérgio Moro.
A criminalização do caixa 2, hoje um ilícito
eleitoral, é um dos pontos mais polêmicos e tem causado reações entre
parlamentares, que debatem a melhor forma para evitar o endurecimento da
legislação sobre a prática. O Ministério Público Federal quer responsabilizar
não só pessoas físicas, mas também os partidos que praticam o caixa 2. Apesar
de a discussão na comissão ter como base as 10 medidas do MPF, ainda não há um
texto final do projeto e os deputados estudam como modificar a proposta
original sem rejeitar a medida toda.
Para o presidente da comissão, Joaquim Passarinho
(PSD-PA), com o fim do financiamento eleitoral, “praticamente acabou o problema
do caixa 2” e é preciso analisar uma nova forma de abordar a questão. A
principal tese em discussão é separar crime eleitoral de propina.
Aliado do deputado afastado Eduardo Cunha (PMDB-RJ),
Carlos Marun (PMDB-MS), avaliou que a criminalização do caixa 2 só será
aprovada se houver uma distinção entre a prática – que consiste na doação ou
recebimento recursos não declarados à Justiça Eleitoral – e o recebimento de
dinheiro oriundo de corrupção.
“A propina tem uma relação de causa e efeito, tem que
haver fato gerador com o benefício tendo se materializado e em contrapartida o
beneficiado ter feito pagamento para algum agente político. Se não houver essa
diferenciação, tudo vira propina”, disse Marun.
O relator da comissão especial, Onyx Lorenzoni
(DEM-RS), concorda que é necessário “separar o joio do trigo”.
Delações
A tese, contudo, enfrenta resistência no
próprio colegiado. Para o deputado Wadih Damous (PT-RJ), essa seria uma forma
de blindar parlamentares e protegê-los de delações em curso, como a da
Odebrecht.
Na opinião de Rubens Bueno (PPS-PR), que é suplente na
comissão, fazer a distinção entre caixa 2 e o recebimento de propina seria um
“eufemismo”. “É uma forma de fugir da Justiça, acho que o caixa 2 tem que ser
julgado como propina também.”
Para o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a
criminalização do caixa 2 e o aumento da pena para crime de corrupção são a
base fundamental das dez propostas do MPF e, por isso, “precisam ser avaliados
com toda atenção pelos deputados”. “É preciso observar o que vem acontecendo na
política nacional para entender por que esses são os aspectos importantes”,
disse. “Sinto no meu dia a dia que a sociedade tem uma expectativa positiva com
que o Congresso pode fazer com essas medidas. Estamos sob os olhares de milhões
de brasileiros.”
Passarinho considera que o “primeiro impacto” das
propostas é “ruim” e que alguns pontos sugeridos podem ser modificados. Sobre o
aumento da pena para crimes de corrupção, por exemplo, o deputado afirma que
“não é em razão do tamanho da pena que as pessoas são corruptas”.
Provas
O presidente da comissão especial admite que outra
medida polêmica é a possibilidade de provas consideradas ilícitas serem
validadas pela Justiça se for comprovado que foram colhidas “de boa-fé”. A
nulidade de provas é um dos principais caminhos usados atualmente por
criminalistas para tentar derrubar investigações. As operações Satiagraha e
Castelo de Areia são exemplos de grandes apurações que acabaram enterradas em
razão do uso de provas ilícitas – como escutas telefônicas sem autorização
judicial.
As 10 Medidas Contra a Corrupção foram entregues ao
Congresso no fim de março. A comitiva contou com a presença do procurador
Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa em Curitiba. Em meio à
turbulência do afastamento de Cunha (PMDB), o pacote ficou nas gavetas da
Câmara até junho, quando o presidente interino da Casa, Waldir Maranhão (PP), criou
a comissão especial para discuti-la. Alguns dos principais partidos da Casa –
PMDB, PT, PP, PSC e PCdoB – protelaram a indicação de nomes para compor o
colegiado. A comissão só começou a funcionar no início deste mês.
Nova arena
O primeiro encontro da Comissão Especial
que analisa as 10 Medidas Contra a Corrupção ocorreu com a presença do juiz
federal Sérgio Moro. O condutor da Lava Jato na primeira instância abriu os
debates. Defendeu o fim do foro privilegiado, a criminalização do caixa 2, a
possibilidade de uso das provas classificadas como ilícitas e a realização do
teste de integridade para funcionários públicos. Na semana passada, o
procurador Deltan Dallagnol foi direto ao ponto ao se dirigir aos deputados:
“Os senhores, eventualmente, podem discordar da solução, mas então precisamos
de soluções alternativas”, disse. “Do jeito que está, não ficará. Ou vai piorar
ou vai melhorar. Essa decisão está nas mãos dos senhores.”
Na outra ponta, advogados que atuam na Lava Jato
cobram mudanças no texto original. Para o criminalista Pierpaolo Bottini, que
tem entre seus clientes Cláudia Cruz, mulher do deputado afastado Eduardo
Cunha, e o ex-presidente da Camargo Corrêa, Dalton Avancini, avalia que o
pacote exige um debate amplo e não deve ser votado “a toque de caixa”. “Essas
dez medidas precisam ser aprimoradas. É um tema relevante demais, mexe com
garantias e liberdades.”
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