É lamentável que autoridades encarregadas de fazer cumprir a lei — policiais, procuradores, juízes — acabem se tornando violadoras da lei. A Lava-Jato é um poderoso desinfetante em um país de corrupção sórdida. Mas esse tipo de agressão — à lei, à privacidade, à liberdade de imprensa — não é digno de um Estado democrático de direito
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Capa de veja de 30 de dezembro de 2015 enchia a bola de Sérgio Moro |
Num editorial tardio, publicado neste
fim de semana, a revista Veja, que foi um dos principais pilares de sustentação
da Operação Lava Jato, e também apoiadora de primeira hora do golpe parlamentar
de 2016, que produziu a tragédia atual, dá uma guinada radical.
Segundo a publicação, foram ilegais as
divulgações dos grampos da presidente deposta Dilma Rousseff com o
ex-presidente Lula, repassados pelo juiz Sergio Moro ao Jornal Nacional, da
Globo.
Veja também condenou a publicidade dada
a conversas entre a ex-primeira-dama Marisa Letícia e seus filhos – que a
própria revista divulgou, diga-se de passagem (confira aqui).
Segundo a Abril, o Brasil mergulhou num
Estado Policial, com os abusos que estariam sendo cometidos.
Detalhe: a divulgação dos grampos entre
Lula e Dilma, pelo juiz Moro, entra na pauta do Conselho Nacional de Justiça
nesta terça-feira 30 (leia mais aqui).
Leia, abaixo, o editorial da Veja:
Estado
Policial
Diz a lei que uma interceptação
telefônica só pode ser feita com autorização judicial, no tempo em que perdurar
a autorização judicial, e seu conteúdo só poderá ser preservado se for
relevante para a investigação em curso. Tais limites são estabelecidos para que
as conversas telefônicas, de qualquer pessoa, inclusive de suspeitos, não
fiquem boiando no éter das tramoias de um Estado bandoleiro. No curso da mais
ampla investigação sobre corrupção na história do país, a lei tem sido
lamentavelmente desrespeitada.
Na noite de 23 de fevereiro do ano
passado, a ex-primeira-dama Marisa Letícia falava por telefone com seu filho
Fábio Luís, o Lulinha. Na conversa, Marisa, que morreu há quatro meses,
ironizava, com o uso de um palavrão, as pessoas que haviam participado de um
panelaço contra o PT que acabara de acontecer. Na gravação, ela não dizia nada
que interessasse à investigação da Polícia Federal. No entanto, a conversa, que
deveria ter sido destruída nos termos da lei, foi preservada e divulgada.
Em 16 de março de 2016, o país inteiro
ouviu um diálogo telefônico entre a então presidente Dilma Rousseff e o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Eram 13h32 de uma quarta-feira, e os
dois discutiam sobre o envio de um documento para a posse de Lula como ministro
da Casa Civil. O conteúdo da conversa era do interesse da investigação, mas a
autorização judicial para monitorar o telefonema acabara às 11h12, duas horas
antes. Portanto, depois desse horário a gravação era ilegal. Pois ela foi feita
mesmo assim, seu conteúdo foi divulgado e a crise política daqueles dias se
aprofundou dramaticamente.
Na semana passada, ocorreu novo episódio
de violação da lei das interceptações telefônicas, quando veio a público o
diálogo do jornalista Reinaldo Azevedo, ex-blogueiro de VEJA e colunista do
jornal Folha de S.Paulo, com Andrea Neves, irmã do senador Aécio Neves. A
gravação estava autorizada judicialmente e se realizou dentro do prazo de
validade, mas o conteúdo da conversa entre os dois nada tinha a ver com as
investigações. O material deveria ter sido incinerado. Também não foi.
Configurou-se outra afronta à lei, com uma agravante: a Constituição prevê a
inviolabilidade da comunicação de um jornalista com sua fonte. Esse é um dos
pilares do jornalismo nos países democráticos, dado que, sem tal garantia, não
existe liberdade de imprensa.
É lamentável que autoridades
encarregadas de fazer cumprir a lei — policiais, procuradores, juízes — acabem
se tornando violadoras da lei. A Lava-Jato é um poderoso desinfetante em um
país de corrupção sórdida. Mas esse tipo de agressão — à lei, à privacidade, à
liberdade de imprensa — não é digno de um Estado democrático de direito. É
coisa própria de Estados policiais.
Informações do site Brasil247
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