"É
certo que o ex-presidente Lula não está acima da lei, mas também não pode estar
fora do seu manto protetor".
O monopólio do uso da força pelo Estado
não pode resultar em arbitrariedades. Por isso, a força estatal não pode ser
exercida segundo apetites individuais e sim nos exatos termos da Constituição e
das leis. As garantias daí derivadas aplicam-se a todos. Portanto, defender os
direitos de uma pessoa significa defender os direitos de toda a sociedade. Com
estas premissas, há algumas semanas venho argumentando que o ex-presidente Lula
devia já ter sido posto em liberdade, à vista do julgamento proferido pelo STJ.
Com efeito, o Código de Processo Penal
estabelece duas hipóteses distintas de mudança da forma de cumprimento de pena:
a detração, com modificação de regime, e a progressão. A detração acontece no
processo de conhecimento, que é o momento processual de estabelecimento da
condenação e da pena a ser cumprida. Quem fixa o regime ou o modifica é o juiz
que sentencia, que julga a apelação, que decide o recurso especial ou que
decide o recurso extraordinário. Todas as vezes que a pena é fixada ou
alterada, a Justiça deve descontar o período de prisão já cumprido, declarando
o novo regime de cumprimento. O artigo 387, § 2°, do Código de Processo Penal e
a jurisprudência do STJ determinam que isso seja feito pelo juiz que
eventualmente condena, não mais pelo juízo da execução. É a vontade da Lei:
"O tempo de prisão provisória (...) será computado para fins de
determinação do regime inicial de pena privativa de liberdade". Já a
progressão de regime ocorre quando não há mais recurso apto a absolver o
acusado ou diminuir a sua pena, ou seja, quando é caso de execução definitiva
da condenação.
Desta maneira, detração e progressão não se
confundem. Quem não está definidamente condenado tem direito a ver seu período
de prisão provisória descontado da pena total e de ver essa subtração ser
utilizada para fixação do novo regime de cumprimento da pena, que muda
automaticamente após a decisão que reduz a pena. Os Tribunais fazem isso todos
os dias, para uma infinidade de réus que cometeram todos os tipos de crimes e
que são de todas as classes sociais.
O Presidente Lula foi condenado, pelo
atual Ministro da Justiça, a 9 anos e 6 meses de reclusão; teve sua pena
aumentada no Tribunal da 4ª Região para 12 anos e 1 mês e, até agora, teve sua
pena reduzida para 8 anos e 10 meses, no STJ. Quando do julgamento, já estava
preso provisoriamente por 1 ano e 1 mês. Então, 8 anos e 10 meses de prisão, com
a detração, significam 7 anos e 9 meses, a cumprir com base na condenação
(injusta, frise-se). Pelo Código Penal, o condenado à pena superior a 4 e
inferior a 8 anos deverá começar a cumprir a pena em regime semi-aberto. Não se
sustenta raciocínio diverso, segundo o qual se trataria de execução de pena, e
não de fixação do regime inicial, pela só razão de que ainda estamos em fase de
imposição de pena definitiva. Tudo o que se aplicou até agora é provisório, e
não definitivo. Prisão preventiva, prisão temporária, prisão em flagrante e
execução provisória são espécies do gênero "prisão provisória"!
Ainda haveria uma hipótese para não
aplicar desde logo o semi-aberto: entender que o condenado merece prisão mais
rigorosa em razão do modo de cometimento do crime. Não é razoável, e portanto
não há amparo jurídico, para que se aplique a um idoso, que teria cometido
crime sem violência ou grave ameaça, um "rigor" não aplicado nem
mesmo a traficantes de drogas e homicidas. No Estado de Direito, só há um
"rigor" permitido: o constante da lei. E mais uma vez a lei está ao
lado do ex-presidente Lula.
Cuida-se tão somente de dar a um réu o
mesmo tratamento dispensado a milhares de brasileiros. É certo que o
ex-presidente Lula não está acima da lei, mas também não pode estar fora do seu
manto protetor. A lei é clara e são incabíveis giros hermenêuticos para mudar o
seu sentido e criar condições não escritas. Lula está preso provisoriamente,
tem direito à detração e deve imediatamente ir para o regime semi-aberto.
*Flávio
Dino é advogado, ex-juiz federal e atual governador do Maranhão.
Fonte: Brasil 247
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