Por Felipe Luchete
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Consultor Jurídico
A agenda do vice-procurador-geral
eleitoral Nicolao Dino tem sido intensa nas últimas semanas. Ele teve de
conciliar quase todo o tempo da disputa pela Procuradoria-Geral da República
com o processo de cassação da chapa Dilma-Temer — foi ele quem representou o
Ministério Público no processo, alegando que novas provas poderiam ser
incluídas em ação em curso.
Segundo ele, atuar contra quem pratica
abusos eleitorais é uma das principais tarefas do MP brasileiro. O combate à
corrupção, afirma, é uma das formas de se promover o regime democrático e eixo
fundamental do Ministério Público, ao lado da preocupação em fazer cumprir os
interesses difusos e coletivos.
Dino está entre os oito candidatos à
cadeira hoje ocupada por Rodrigo Janot. A revista eletrônica Consultor Jurídico
publica até a próxima segunda-feira (26/6) entrevista com todos eles, com as
mesmas questões, por ordem de resposta aos e-mails enviados pela reportagem
(clique aqui para ler as outras entrevistas).
A Associação Nacional dos Procuradores
da República (ANPR) fará consulta ao MPF na terça-feira (27/6), para enviar
lista tríplice ao presidente Michel Temer (PMDB). A elaboração dessa lista
acontece desde 2001 e tem sido seguida desde 2003, no governo Luiz Inácio Lula
da Silva, embora o Planalto tenha livre escolha.
Nicolao Dino afirma que o MP funciona
“como um grande escritório de advocacia da causa pública, em âmbito nacional, e
tem que se estruturar sempre, e mais, de modo a atender às crescentes
demandas”. Sobre as propostas para mudar a lei de abuso de autoridade, diz que
“criminalizar a hermenêutica gera insegurança jurídica e grave instabilidade ao
sistema de controle e persecução”.
Maranhense, o subprocurador-geral da
República graduou-se em Direito pela Universidade Federal do Maranhão em 1987.
É mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco e professor
assistente da Universidade de Brasília. Coordenou a 5ª Câmara de Coordenação e
Revisão do MPF, que discute temas relacionados a corrupção e na fiscalização da
atuação do órgão em atos de improbidade administrativa.
Nesse período, foi um dos porta-vozes do
projeto do Ministério Público Federal de reforma do Código de Processo Penal
chamado por eles de “10 Medidas Contra a Corrupção”. O tema sempre está
presente em suas publicações no Facebook e no Twitter. Em artigo publicado em
2003 em Revista do Senado, declarou que o neoliberalismo representa uma
“neobarbárie”, que faz interesses individuais se submeterem ao objetivo de
grandes corporações. É irmão do governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB).
Adotou como lema de campanha a frase “Caminhar e construir juntos”, conforme
seu site pessoal.
Leia
a entrevista:
ConJur
— Por que o senhor quer ser procurador-geral da República?
Nicolao
Dino
— Ser procurador-geral da República é muito mais que ocupar um cargo de elevada
estatura na máquina pública. Esse cargo pressupõe compreender o papel social e
político reservado à nossa instituição, como relevante componente do regular
funcionamento do sistema de freios e contrapesos do Estado.
O desafio de ser procurador-geral da
República deve ser encarado como consequência de uma trajetória de vida
funcional, e não como um objetivo a ser perseguido. Ninguém escolhe a si mesmo
para essa empreitada. Trata-se de um conjunto de fatores que se complementam ao
longo da rota funcional, e que vão determinando gradativamente seus espaços de
atuação no Ministério Público Federal. Acredito na possibilidade de servir à
instituição e à sociedade nessa estratégica posição, a partir da experiência
acumulada em diversas áreas de atuação.
Quando ingressei no MPF, em 1991,
escolhi a função de servir ao público, à sociedade. E é com essa visão que
encaro a possibilidade de ser PGR. Servir de forma qualificada à sociedade,
exercendo, com firmeza, serenidade e responsabilidade as tarefas conferidas ao
cargo de procurador-geral da República na propulsão do controle de
constitucionalidade, no enfrentamento da macrocriminalidade, na observância dos
preceitos fundamentais e em todas as demais atribuições inerentes a essa
função.
ConJur
— Quais principais problemas atuais da PGR o senhor pretende solucionar, caso
escolhido?
Nicolao
Dino
— O artigo 127 da Constituição aponta uma agenda para o Ministério Público bem
ampla e conectada com a promoção da cidadania e dos valores democráticos. O
combate à corrupção é uma das formas de se promover o regime democrático,
conforme a Convenção de Mérida. Por isso, considero que o enfrentamento da
corrupção, sob todas suas formas, e a realização dos interesses difusos e
coletivos constituem eixos de importância fundamental para a atuação do
Ministério Público. Pretendo fortalecer essas duas linhas de atuação.
Num país tão assimétrico como o nosso,
com várias metas de bem-estar coletivo pendentes, é necessário robustecer nossa
atuação como agentes de propulsão de políticas públicas em educação, saúde,
solução de conflitos agrários, direito ao meio ambiente sadio, entre outras
questões. Há, também, problemas gravíssimos acumulados em regiões de fronteira
que carecem da definição de políticas públicas mais fortes.
O MPF tem atuado nessas questões, e
minha ideia é assegurar um olhar específico a isso, que tem, inclusive,
reflexos inegáveis no campo da segurança pública, haja vista a rota de
narcotráfico e o contrabando de armas.
Preocupa-me, ainda, no contexto da
defesa do regime democrático, o papel do Ministério Público como fiscal da
legitimidade e da normalidade das eleições. A formação da representação
política apresenta-se como um fator importante para o cumprimento das diversas
tarefas a cargo do Estado. Nesse sentido, considero extremamente importante a
atuação do Ministério Público no combate ao abuso de poder eleitoral.
Tenho propostas, também, no plano da
organização interna. Liderar uma instituição cujos membros possuem
independência funcional (e dela precisam para atuar correta e serenamente)
pressupõe compreender a pluralidade de ideias como valor fundamental de sua
estrutura e de seu funcionamento, bem como buscar a construção dialógica e a
implementação de planos e metas de forma compartilhada com os órgãos de
governança da Casa, em especial com o Conselho Superior do Ministério Público
Federal, com as Câmaras de Coordenação e Revisão e com a Procuradoria Federal
dos Direitos do Cidadão).
Outra prioridade não menos importante é
o fortalecimento do MPF, em suas diversas áreas de atuação. Nosso papel no
combate à corrupção cresceu a olhos vistos, tornando-se até mesmo referência
internacional, em face dos resultados que vem sendo alcançados. Esse é um campo
a ser permanentemente fortalecido, sem dúvida. A atuação regionalizada do
Ministério Público Federal é, também, uma prioridade. O MPF é uma instituição
de âmbito nacional, mas sua divisão em unidades ainda segue, em regra, a
divisão territorial do Estado brasileiro.
Isso não permite extrair, no grau máximo
de efetividade, o potencial de atuação em questões de âmbito regional ou
nacional. Tome-se como exemplo a questão do meio ambiente, em relação à qual se
verifica fortemente o caráter transfronteiriço do dano ambiental. Nesses e em
vários outros casos muito mais eficiente poderá ser a atuação do MPF por
intermédio de ofícios (áreas de atuação) regionais.
Na questão indígena também é possível
atuar a partir de ofícios ou grupos especializados. Em síntese, é preciso sair
da “caixinha” para avançar mais. Por fim, penso em investir mais em atuações
sincronizadas entre as diversas instâncias do MPF, de modo a assegurar que as
causas iniciadas na primeira instância tenham acompanhamento direto e
permanente até o último grau de jurisdição. Isso já é uma preocupação presente
em nossa Casa; temos investido muito nisso, e podemos avançar muito mais nessa
direção.
O Ministério Público funciona como um
grande escritório de advocacia da causa pública, em âmbito nacional, e tem que
se estruturar sempre, e mais, de modo a atender às crescentes demandas. E digo
isso não apenas na esfera do MPF. As questões do Ministério Público dos estados
que chegam ao STJ, por exemplo, também recebem acompanhamento direto do
Ministério Público Federal, por intermédio dos subprocuradores-gerais da
República que ali atuam.
Muitas ações penais, ações de
improbidade administrativa, ações civis públicas ambientais, entre outras
questões não menos relevantes, que, embora não sendo da órbita federal exigem a
presença efetiva do MPF, pois chegam às instâncias superiores e definem a
jurisprudência em nível nacional. Trabalhar de forma articulada e integrada
sempre foi meu traço característico em todos os postos por quais já passei.
Quero levar essa marca à atuação como PGR, se vier a ser escolhido.
ConJur
— Qual sua avaliação sobre o foro por prerrogativa de função?
Nicolao
Dino
— O foro por prerrogativa de função, na forma como está na Constituição, atenta
contra o princípio da igualdade. Além de não ser republicano, é incompatível
com a função precípua dos tribunais, que é a de atuar como órgãos revisionais
da atuação jurisdicional em primeira instância. Em relação às instâncias
extraordinárias, a situação é ainda mais sensível.
Veja-se o caso do STF, corte
constitucional por excelência, assoberbado com questões de natureza penal. Há
no Brasil uma hipertrofia de situações ensejadoras de foro especial, sem
paralelo no mundo. Entendo que deva haver uma profunda mitigação das hipóteses
de foro especial por prerrogativa de função, dando-lhe caráter absolutamente
excepcional, tal como se discute agora no Congresso Nacional.
ConJur
— A lei atual sobre abuso de autoridade e órgãos de fiscalização (como o CNMP)
são suficientes para conter excessos?
Nicolao
Dino
— O CNMP constitui um importante órgão de controle. Seu poder disciplinar
exerce um papel de contenção, tendo forte efeito dissuasório. Onde o controle
interno não funciona, tem-se a presença do CNMP para conter eventuais desvios
funcionais. A Lei de
Abuso de Autoridade também constitui
importante filtro contra excessos. Ninguém é contra sua existência, pois num
estado democrático de direito é necessário haver mecanismos de correção contra
quem abusa do poder inerente a um cargo ou uma função. Ninguém está acima ou à
margem da lei. Todavia, o que não se pode admitir é que, em nome disso, se
estabeleçam instrumentos de intimidação à legítima atividade investigatória,
persecutória ou à atividade jurisdicional.
Criminalizar a hermenêutica, como já
tantas vezes dito, gera insegurança jurídica e grave instabilidade ao sistema
de controle e persecução, tornando bastante vulneráveis os agentes do Estado. A
tipificação penal excessivamente aberta também potencializa um cenário de
insegurança jurídica. Buscando remediar esses problemas e contribuindo para o
debate democrático, o procurador-geral da República apresentou ao Parlamento
uma proposta alternativa, fruto de exaustivo trabalho de um grupo
interinstitucional.
ConJur
— Há critério objetivo para definir o que é obstrução da Justiça/embaraço à
investigação?
Nicolao
Dino
— Não existe uma tipificação absolutamente fechada quanto a obstrução de
justiça. Há inúmeras formas de obstruir ou embaraçar investigações ou o curso
de processos. Isso há de ser mensurado em cada caso concreto.
ConJur
— Acordo de colaboração premiada já homologado pode ser submetido a revisão em
Plenário?
Nicolao
Dino
— Falando em tese, considero que acordos de colaboração premiada se inserem na
órbita da fase investigativa ou da condução de um processo, devendo ser da
competência do relator, em órgãos colegiados, as medidas concernentes à sua
homologação. Uma vez homologado o acordo, penso que seja inviável cogitar-se de
revisão, pelo Judiciário, das cláusulas estabelecidas entre o Ministério
Público e o colaborador.
ConJur
— O que a PGR pode fazer para reduzir o tempo em que um processo fica no
gabinete do procurador-geral, aguardando manifestação?
Nicolao
Dino
— São múltiplas e complexas as tarefas conferidas ao PGR. O volume processual é
muito grande. A gestão e o estabelecimento de rotinas processuais têm
contribuído para a redução do tempo de tramitação dos processos em gabinete. Já
há muito investimento interno em relação a esse tema.
Descentralizar mais, com a ampliação do
número de subprocuradores-gerais da República atuando por delegação do PGR
junto ao STF, pode ser um bom caminho, mas é preciso avaliar o impacto disso na
atuação do MPF perante o STJ, onde o volume de processo é muito grande.
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