Desvios éticos maculam a presidência da Câmara, que se deve pautar por atribuições que a ela dizem respeito — como a abertura, legítima, do processo de impeachment
Editorial
O Globo
A decisão do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, de pedir a suspensão do mandato de deputado federal de Eduardo Cunha, representante do PMDB fluminense, e, por consequência, da presidência da Câmara, reflete dois aspectos distintos da política brasileira.
Um, é degradante: o pedido de Janot embasa-se em sólidas acusações ao parlamentar, o terceiro homem na linha de sucessão presidencial do país. Segundo o procurador, Cunha criou um balcão de negócios na Casa, vendeu atos legislativos e tumultuou o processo de elaboração de leis — com o corolário de assim ter agido para proteger a “organização criminosa" da qual faz parte. O outro, por oposição, traz em si o anteparo contra manifestações de desvirtuamento da atividade política: o funcionamento das instituições do país.
Os atos atribuídos a Cunha pela Procuradoria-Geral da República, sob provas recolhidas em inquéritos e em denúncias no âmbito do processo da Lava-Jato, não podem ser confundidos com a liturgia do cargo de presidente da Câmara. Antes, são incompatíveis. Os 11 motivos apontados por Janot para pedir o afastamento se relacionam a procedimentos inaceitáveis do deputado. Entre eles, ameaças e intimidações contra parlamentares que ousaram desafiá-lo, obstrução do Conselho de Ética, que avalia o pedido de cassação do seu mandato, e oferta de propinas. Pesa também sobre o deputado a acusação de ter cometido perjúrio na CPI da Petrobras, ao afirmar que não teria contas em bancos estrangeiros.
A isso juntam-se evidências e acusações de que, além dos US$ 5 milhões depositados na Suíça, fruto de pagamentos recebidos em operações criminosas que o colocaram na órbita da Lava-Jato, Cunha também tem suas digitais em atos como a aprovação de emendas em projetos e MPs, mediante o pagamento de propinas, e a influência de sua posição na liberação de recursos do Fundo de Investimentos do FGTS, para beneficiar empreiteiras responsáveis por obras públicas. Esses desvios éticos maculam a presidência da Câmara, que se deve pautar por atribuições que a ela dizem respeito — como a abertura do processo de impeachment da presidente Dilma, legitimamente colocado em curso por Cunha. Corre-se o risco de, mantendo-se no comando da Casa alguém que é agente ativo de traficâncias, lançar sobre todo o Legislativo a mancha do descrédito.
Denúncias do MP, prisão de figuras até então intocáveis, inclusive do senador Delcídio Amaral, líder do governo, são prova de que as instituições do país estão funcionando — e, agora, enquadrando Cunha.
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