A cada dia fico admirado com a capacidade do ex-senador José Sarney em seguir os ensinamentos do cardeal Mazzarino, autor do livro “Breviário dos Políticos”, uma espécie de manual do cinismo para a disputa do poder escrito há mais de 300 anos, e que, não por coincidência, está disponível na página do Senado na internet (Leia o livro Aqui).

Como não ficar boquiaberto ao vê-lo um dia após a decisão do Supremo Tribunal Federal, que derrubou a tentativa de golpe promovida pelo PMDB, em solenidade em Brasília ao lado da presidente Dilma Rousseff?

Como não reconhecê-lo no velho Mazzarino, que nasceu italiano, ganhou a nacionalidade francesa, foi nomeado cardeal em 1641, sem nunca ter sido ordenado padre, e definiu a Polítia como uma atividade amoral, onde a ética é substituída pelo ardil, a astúcia e o cinismo; e é baseada em duas máscaras, a da simulação e a da dissimulação ?

“Dissimulador é aquele que ora censura, ora recomenda uma mesma atitude, conforme lhe vem ou cai melhor”, disse o cardeal, embora Sarney ainda não estivesse nesse mundo.

Mas quase 400 anos depois estava, e como bom discípulo do mestre, fingiu-se de morto nos subterrâneos da política para derrubar a presidente e retomar o poder através do vice, Michel Temer; e de bem vivo ao reaparecer no Planalto ao lado de Dilma exatamente após o STF ampliar as possibilidades de que ela conclua o seu mandato.

“Fica atento às circunstâncias, observa se elas te são favoráveis ou não. Com aqueles cujos partidos a que pertencem os tornam poderosos ou com aqueles que estão bem na corte usa de todos os meios para fazê- los teus amigos “, já alertava o cardeal.

Para completar ainda manda repercutir a matéria da solenidade na mídia sarneysista no Maranhão e no Amapá, para fazer entender entre seus súditos que tem prestígio junto ao governo federal, por ser ele – vejam só – capaz de evitar o impeachment no Senado Federal pela aliança que possui com Renan Calheiros, que vive às turras com Michel Temer.

Mais um ensinamento do velhor cardeal: “Observa os vícios e as virtudes de cada um; poderás, assim, em caso de necessidade, jogar uns contra os outros para dirigires alguém. Isso deixará um belo arsenal à tua disposição”.

Ambíguo até na alma, que finge que não é com ele, o que com ele realmente é, Sarney é o político mais antigo em atividade no Brasil, que já ocupou todos os cargos eletivos na República, do regime militar à redemocratização.

Uma habilidade política formada nos conselhos de Mazzarino que manda sempre observar “para que lado pende a fortuna ou para que lado ela tende a pender”, e a importância de desenvolver sucessivamente, durante qualquer debate, “argumentos que tomam um e outro sentido, sem dizeres qual a tua opinião ou qual a opinião que se quer ver prevalecer.”

Leia alguns dos ensinamentos de Mazzarino para quem quer ser um Sarney na vida

Eis como pôr à prova o bom entendimento entre teus amigos: ataca ou elogia um deles na presença do outro. Sua reação, seu silêncio, ou sua frieza, serão eloqüentes.

O homem astuto é freqüentemente reconhecido por sua doçura fingida, o nariz curvo e o olhar cortante.

Não defendas nunca uma opinião contrária à dele (o amigo), nem o contradigas. E se tiveres a audácia de o fazer, dá-lhe a possibilidade de te convencer e de te fazer mudar de opinião, fingindo então teres adotado o ponto de vista dele.

Se defendes os interesses de alguém, quando o acompanhares em aparições públicas trata-o formalmente, como a um estranho. Restringe teus contatos com ele a raras e breves entrevistas, a fim de deixares bem claro que ages por amor à causa pública e não em vista de interesses particulares.

Adapta teu modo de agir à pessoa com quem negocias. Fala de ganhos e perdas aos avaros, de Deus e de glória aos devotos e, aos jovens, de triunfos e vergonhas

Mantém um diário, no qual anotarás as ações de teus amigos e servidores. Consagra a cada um uma página, que dividirás em quatro colunas. Na primeira, anota os danos que ele te causou ao faltar com os deveres. Na segunda, o bem que lhe tiveres feito e o trabalho que tiveste para ajudá-lo. Na terceira, escreve o que ele fez por ti. Na quarta, os aborrecimentos que lhe causaste, qual sacrifício excepcional ele fez por ti. Assim poderás responder imediatamente a cada um deles que vier se queixar diante de ti ou alegar serviços.

Quando fores vencedor, não devolvas ao inimigo os prisioneiros de alto nível. Se a sorte mudar, o inimigo terá assim boas razões para te poupar. Por outro lado, mantém sempre contatos diplomáticos com os generais inimigos, salvo em caso de necessidade imperiosa.

Não reveles para ninguém teus verdadeiros sentimentos, mas representa a sinceridade. Mascara teu coração tanto quanto teu rosto, os tons de tua voz tanto quanto tuas palavras. A maior parte dos sentimentos se lê no rosto. Se és medroso, domina teu medo pensando que és o único a conhecê-lo e age como se corajoso fosses. Faz o mesmo quanto aos demais sentimentos.

Escolhe bem teus advogados. Pouco importa o valor do caráter deles; o essencial é que estejam em bons termos com o juiz. Envolve-os no teu negócio e mostra-lhes que eles também estão ameaçados, a fim de que eles se persuadam de que, deixando as coisas rolarem, correrão os mesmos perigos que tu.

do Blog do Raimundo Garrone