Em 2012, uma ampla reportagem da revista
CartaCapital revelou que Gilmar Mendes, hoje Ministro do STF, foi beneficiado
com R$ 185 mil do esquema de ‘caixa 2’ da campanha de Eduardo Azeredo em 1998.
O esquema do 'Mensalão Tucano' era operado por Marcos Valério.
Confira a íntegra da reportagem:
Juiz? Não, réu
Por Mauricio Dias e Leandro Fortes,
enviado a Belo Horizonte
por Redação Carta Capital
publicado 01/08/2012

À época, imaginava-se que a maior
preocupação do magistrado fosse a natureza de suas relações com o bicheiro
Carlinhos Cachoeira e o ex-senador Demóstenes Torres. Mas isso é o de menos.
Gilmar Mendes tem muito mais a explicar sobre as menções a seu nome no
valerioduto tucano, o esquema montado pelo publicitário Marcos Valério de Souza
para abastecer a campanha à reeleição de Eduardo Azeredo ao governo de Minas
Gerais em 1998 e que mais tarde serviria de modelo ao PT.
O nome do ministro aparece em uma
extensa lista de beneficiários do caixa 2 da campanha. Há um abismo entre a
contabilidade oficial e a paralela. Azeredo, à época, declarou ter gasto 8
milhões de reais. Na documentação assinada e registrada em cartório, o valor
chega a 104,3 milhões de reais. Mendes teria recebido 185 mil.
A lista está metodicamente organizada.
Sob o enunciado “relatório de movimentação financeira da campanha da reeleição
do governador Eduardo Brandão de Azeredo”, são perfilados em ordem alfabética
doadores da campanha e os beneficiários dos recursos. São quase 30 páginas,
escoradas em cerca de 20 comprovantes de depósitos que confirmam boa parte da
movimentação financeira. Os repasses foram feitos por meio do Banco de Crédito
Nacional (BCN) e do Banco Rural, cujos dirigentes são réus do “mensalão”
petista.
Esse pacote de documentos foi entregue
na quinta-feira 26 à delegada Josélia Braga da Cruz na Superintendência da
Polícia Federal em Minas Gerais. Além de Mendes, entre doadores e receptores,
aparecem algumas das maiores empresas do País, governadores, deputados, senadores,
prefeitos e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. A papelada desnuda o
submundo das campanhas eleitorais inalcançado pela Justiça. Há registros de
doações de prefeituras, estatais e outros órgãos públicos impedidos por lei de
irrigar disputas políticas.

Intitulado “Declaração para fins de
prova judicial ou extrajudicial”, o documento de apresentação assinado pelo
publicitário afirma que o depósito milionário a favor de Azeredo foi feito “com
autorização” dos coordenadores financeiros da campanha tucana Cláudio Roberto
Mourão e Walfrido dos Mares Guia. As origens da quantia, diz o texto, são o
Banco do Estado de Minas Gerais (Bemge), Banco Rural, Comig (atual Codemig,
estatal de infraestrutura mineira), Copasa (companhia estadual de saneamento),
Loteria Mineira (estatal de loterias) e as construtoras Andrade Gutierrez e
ARG, “conforme declaração de reembolso assinada pelo declarante”.
Segundo a papelada, Souza afirma ter
elaborado a lista em comum acordo com Mourão, principal tesoureiro da campanha
de Azeredo, no mesmo dia 28 de março de 1999 que consta ao lado de sua
assinatura. Chamada formalmente de “relatório de movimentação financeira”, a
lista teria sido montada “sob a administração financeira” das agências
SMP&B Comunicação e DNA Propaganda. No fim, o publicitário faz questão de
isentar o lobista Nilton Monteiro, apontado como autor da famosa lista de
Furnas, de ter participado da confecção do documento.
Monteiro provavelmente tem alguma
ligação com a história. Há muitas semelhanças entre os dois documentos. A lista
de Furnas, cuja autenticidade foi comprovada pela perícia técnica da Polícia
Federal, igualmente trazia uma lista de nomes de políticos, a maioria do PSDB e
do ex-PFL (atual DEM), todos beneficiados por recursos de caixa 2. Além de
Monteiro, assinava o documento Dimas Toledo, ex-diretor de Furnas, que até hoje
nega ter rubricado aqueles papéis. A diferença agora são os comprovantes de
depósitos, as autenticações em cartório e uma riqueza de detalhes raramente
vista em documentos desse tipo.
Quem entregou a papelada à Polícia
Federal foi Dino Miraglia Filho, advogado criminalista de Belo Horizonte.
Miraglia chegou à lista por conta de sua atuação na defesa da família da modelo
Cristiana Aparecida Ferreira, assassinada por envenenamento seguido de
estrangulamento em um flat da capital mineira, em agosto de 2000. Filha de um
funcionário aposentado da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig),
Cristiana, de 24 anos, tinha ligações com diversos políticos mineiros. No
inquérito policial sobre o crime, é descrita como garota de programa, mas os
investigadores desconfiam que sua principal ocupação fosse entregar malas de
dinheiro do valerioduto mineiro. Na lista assinada por Souza, ela aparece como
beneficiária de 1,8 milhão de reais, com a seguinte ressalva: “Via Carlos
Eloy/Mares Guia”.
Carlos Eloy, ex-presidente da Cemig
entre 1991 e 1998, foi um dos coordenadores da campanha de reeleição de
Azeredo. É um dos principais envolvidos no esquema e, segundo Miraglia, pode
estar por trás do assassinato de Cristiana Ferreira. “Não tenho dúvida de que
foi queima de arquivo”, acusa o advogado.
Mares Guia foi ministro do Turismo no
primeiro governo Lula e coordenou a fracassada campanha à reeleição de Azeredo.
Apontado como ex-amante da modelo, o ex-ministro chegou a ser arrolado como
testemunha no julgamento de Cristiana, em 2009, mas não compareceu por estar em
viagem aos Estados Unidos. Na ocasião, o detetive particular Reinaldo Pacífico
de Oliveira Filho foi condenado a 14 anos de prisão pelo assassinato. Desde
então, está foragido. “Não há nenhum esforço da polícia mineira em prendê-lo,
claro”, diz Miraglia.
Na lista, Eloy aparece quase sempre como
intermediário dos pagamentos do caixa 2 operado pelo publicitário, mas não
deixa de se beneficiar diretamente. Há quatro depósitos registrados em seu nome
no valor total de 377,6 mil reais. Os intermediários dos pagamentos a Eloy,
segundo a documentação, foram Mourão, Mares Guia, Azeredo, o senador Clésio
Andrade (PMDB-MG) e uma prima do tesoureiro, Vera Mourão, funcionária do
escritório de arrecadação do ex-governador tucano.
Mares Guia, além de aparecer como
intermediário de quase todos os pagamentos, consta como beneficiário de 2,6
milhões de reais. Sua mulher, Sheila dos Mares Guia (116 mil reais, “via Eduardo
Azeredo/Mares Guia), e seu filho, Leonardo dos Mares Guia (158 mil reais, “via
Eduardo Azeredo/Mares Guia”), são citados. Na mesma linha segue Clésio Andrade.
Presidente da Confederação Nacional dos Transportes (CNT), Andrade foi
vice-governador do estado no primeiro governo do atual senador Aécio Neves e
aparece como intermediário de centenas de pagamentos.
O documento tem potencial para tornar a
situação de Azeredo, hoje deputado federal, ainda mais crítica. O processo do
valerioduto mineiro está no Supremo sob a guarda do relator Joaquim Barbosa. Ao
contrário de seu similar petista, foi desmembrado para que somente os réus com
direito a foro privilegiado, Azeredo e Andrade, sejam julgados na mais alta
corte. O destino dos demais envolvidos está nas mãos da 9ª Vara Criminal do
Tribunal de Justiça de Minas Gerais.
Na denúncia apresentada ao STF em
novembro de 2007 pelo ex-procurador-geral da República Antonio Fernando de
Souza, o ex-governador Azeredo é acusado de ser “um dos principais mentores e principal
beneficiário do esquema implantado”. O deputado tucano foi denunciado por
peculato (apropriação de dinheiro por funcionário público) e lavagem de
dinheiro. “Embora negue conhecer os fatos, as provas colhidas desmentem sua
versão defensiva”, aponta Souza na denúncia. “Há uma série de telefonemas entre
Eduardo Azeredo e Marcos Valério, demonstrando intenso relacionamento do
primeiro (Azeredo) com os integrantes do núcleo que operou o esquema criminoso
de repasse de recursos para a sua campanha.”
O ex-procurador-geral chamou o esquema
mineiro de “laboratório do mensalão nacional”. Outro citado pelo Ministério
Público Federal é Danilo de Castro, secretário estadual no governo Aécio Neves
e no mandato do sucessor, o também tucano Antonio Anastasia. Castro teria
recebido, via Clésio Andrade e Azeredo, 350 mil reais. As origens dos recursos
teriam sido a Cemig, a Comig e a Copasa.
Somam-se 35 registros de valores
arrecadados a partir de órgãos públicos no valor de 14,4 milhões de reais.
Apenas do Banco do Estado de Minas Gerais (Bemge), que Azeredo privatizaria
ainda em 1998, saíram 1,2 milhão de reais para a campanha, segundo a lista do
publicitário. A Petrobras teria repassado 1,3 milhão de reais, dos quais 157
mil reais foram desviados do patrocínio do Enduro Internacional da
Independência, um evento de motociclismo.
A lista encadeia ainda uma arrecadação
total de 530 mil reais feita por prefeituras mineiras comandadas por tucanos e
aliados (Governador Valadares, Juiz de Fora, Mariana, Ouro Preto e Ponte Nova).
De Juiz de Fora vieram 100 mil reais repassados pelo prefeito Custódio de
Mattos, que teve um retorno interessante do investimento. Como beneficiário do
esquema, Mattos recebeu 120 mil reais, segundo a lista, embora seu nome apareça
em um dos depósitos do Banco Rural com um valor de 20 mil reais. A
discrepância, nesse e outros casos, acreditam os investigadores, pode se dever
a saques feitos na boca do caixa.
Quem desponta na lista de doadores, sem
nenhuma surpresa, é o banqueiro Daniel Dantas. Foram 4,2 milhões de reais por
meio da Cemig. Desses, 750 mil reais chegaram “via Daniel Dantas/Elena
Landau/Mares Guia” numa rubrica “AES/Cemig”. O dono do Opportunity aparece
ainda no registro “Southern/Cemig” (590 mil reais) ao lado de Elena Landau e Mares
Guia, e seu banco é citado num repasse de 1,4 milhão de reais via Telemig
Celular.
Elena Landau foi uma das principais
operadoras das privatizações no governo Fernando Henrique Cardoso. Casada com o
ex-presidente do Banco Central Pérsio Arida, ex-sócio do Opportunity, foi
diretora de desestatização do BNDES. E uma das representantes do grupo Southern
Electric Participações do Brasil, consórcio formado pela Southern, AES e
Opportunity. O banco de Dantas adquiriu, com financiamento do BNDES, 33% das
ações da Cemig em 1997.
O documento entregue à PF lista um total
de 13 governadores e ex-governadores beneficiários do esquema, dos quais sete
são do PSDB, quatro do ex-PFL e dois do PMDB. Os tucanos são Albano Franco (SE,
60,8 mil reais), Almir Gabriel (PA, 78 mil reais), Dante de Oliveira (MT, já
falecido, 70 mil reais), Eduardo Azeredo (MG, 4,7 milhões de reais), José
Ignácio Ferreira (ES, 150 mil reais), Marconi Perillo (GO, 150 mil reais) e
Tasso Jereissati (CE, 30 mil reais). Do ex-PFL são listados César Borges (BA,
100 mil reais), Jaime Lerner (PR, 100 mil reais), Jorge Bornhausen (SC, 190 mil
reais) e Paulo Souto (BA, 75 mil reais). Do PMDB constam Hélio Garcia (MG, 500
mil reais) e Joaquim Roriz (DF, 100 mil reais).
Na distribuição política, os
intermediários, segundo a lista, são quase sempre Azeredo ou Pimenta da Veiga,
ex-ministro das Comunicações e um dos coordenadores das campanhas presidenciais
de FHC em 1994 e 1998. Pimenta da Veiga aparece no documento como destinatário
de 2,8 milhões de reais para a “campanha de Fernando Henrique Cardoso”. O
ex-presidente está na lista em outra altura, ao lado do filho, Paulo Henrique
Cardoso. À dupla, diz a lista do valerioduto, teria sido repassado o valor de
573 mil reais, “via Eduardo Azeredo e Pimenta da Veiga”. Eduardo Jorge,
ex-ministro e grão-tucano, teria recebido 1,5 milhão de reais.
Parlamentares não faltam. A começar pelo
deputado Paulo Abi-Ackel, a quem foram destinados 100 mil reais, segundo
registro do documento. Seu pai, o ex-deputado e ex-ministro da Justiça Ibrahim
Abi-Ackel, aparece como destinatário de 280 mil reais. Entre os locais estão os
deputados estaduais Alencar Magalhães da Silveira Junior (PDT), com um registro
de pagamento de 10 mil reais, e Ermínio Batista Filho (PSDB), com 25 mil reais.
Melhor sorte parece ter tido o ex-deputado tucano Elmo Braz Soares, ex-presidente
do Tribunal de Contas de Minas Gerais. Soares, também registrado nos depósitos
da SMP&B, teve direito a uma bolada de 145 mil reais.
As benesses do valerioduto mineiro
alcançaram lideranças nacionais do tucanato. Um deles foi o ex-senador Arthur
Virgílio Filho, do Amazonas. Pela lista de Marcos Valério, Virgílio recebeu
90,5 mil reais do esquema. Outro tucano, o ex-senador Antero Paes de Barros
(MT), ex-presidente da CPI do Banestado, aparece como beneficiário de 70 mil
reais. Também consta da lista o ex-senador Heráclito Fortes (DEM-PI), conhecido
por ter liderado a bancada de Daniel Dantas no Senado. O parlamentar piauiense
teria recebido 60 mil reais. O petista
Delcídio Amaral (MS), ex-presidente da CPI dos Correios, teria embolsado
50 mil reais.
As acusações também atingem o Judiciário
mineiro. São citados quatro desembargadores no documento, todos como
beneficiários do esquema. Corrêa de Marins (55 mil reais) foi corregedor
regional eleitoral, vice-presidente do Tribunal Regional Eleitoral e presidente
do Tribunal de Justiça. Faleceu em 2009. Rubens Xavier Ferreira (55 mil reais)
presidiu o TJ-MG entre 1998 e 2000. Ângela Catão (20 mil reais) era juíza em
1998 e foi investigada por crimes de corrupção e formação de quadrilha pela
Operação Pasárgada, da PF. Apesar disso, foi promovida a desembargadora do
Tribunal Regional Federal de Brasília em 2009. A magistrada é acusada de ter
participado de desvios de recursos de prefeituras de Minas e do Rio de Janeiro.
Também juíza à época da confecção da lista, Maria das Graças Albergaria Costa
(20 mil reais) foi do TRE de Minas e atualmente é desembargadora do TJ-MG. Dos
tribunais superiores, além de Mendes consta o ex-ministro do Superior Tribunal
de Justiça (STJ) Nilson Naves (58,5 mil reais).
Um dado a ser considerado é o fato de
que, em janeiro de 2009, Mendes ter concedido o habeas corpus que libertou
Souza da cadeia. Também foi libertado, no mesmo ato, Rogério Lanza Tolentino,
que aparece na lista do valerioduto como beneficiário de 250,8 mil reais “via Clésio
Andrade/Eduardo Azeredo”. O ministro do Supremo entendeu que o decreto de
prisão preventiva da dupla não apresentava “fundamentação suficiente”.
Chamam a atenção alguns repasses a meios
de comunicação. Entre os beneficiários da mídia aparecem a Editora Abril,
destinatária de 49,3 mil reais “via Clésio Andrade/Usiminas/Mares Guia”, e
Grupo Abril, com o mesmo valor, mas sem a intermediação da Usiminas. Há ainda
um registro de 300 mil reais para a Bloch Editora, assim como um de 5 mil reais
para o Correio Braziliense. O principal jornal de Brasília não é o único
beneficiário do grupo Diários Associados. O jornal Estado de Minas recebeu 7
mil reais, assim como o jornal mineiro O Tempo (76 mil reais), de propriedade
do ex-deputado tucano Vittorio Medioli que, como pessoa física, segundo a
lista, recebeu 370 mil reais.
As novas informações encaminhadas à
Polícia Federal, acredita Miraglia, não só poderão levar à reabertura do caso
da morte da modelo como podem ampliar a denúncia do valerioduto tucano. O grupo
sem foro privilegiado, sobretudo os intermediários do esquema, ficam mais
vulneráveis a condenações na Justiça comum, como é o caso de Mourão e de sua
assistente, Denise Pereira Landim, beneficiária de 527,5 mil reais, segundo o
documento.
Nos bons tempos, os dois se divertiam
alegremente em passeios de iate ao lado de Cleitom Melo de Almeida, dono da
gráfica Graffar, fornecedora de notas frias do esquema. Almeida aparece como
beneficiário de 50 mil reais. A Graffar, de 1,6 milhão de reais
Nossa impressionada, na visão do senhor o PT nunca cometeu nenhuma irregularidade não é? Tem certeza de que o senhor le e pesquisa antes de postar ? Ah so lembrando o Valerioduto que foi citado ali em cima , tambem é obra do PT.
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