Levantamento
feito em São Paulo, Minas Gerais e Rio aponta que vencimentos de
desembargadores ficam muito acima do teto estabelecido no País, de R$ 33,7 mil;
para especialistas, números são amostras da dificuldade de se fazer o ajuste
fiscal.

Alexa Salomão,
O Estado de S.Paulo
O salário dos juízes no Brasil
tem um teto. Não pode ultrapassar o salário de ministros do Supremo Tribunal
Federal, o STF, hoje em R$ 33.763. Na prática, já se sabe há um tempo, não é
bem assim. Um levantamento conseguido em primeira mão pelo Estado mostra que a
correlação é bem mais desproporcional. Um desembargador (como é chamado o juiz de
segunda instância nos Estados) em Minas Gerais ganha, em média, líquido, R$ 56
mil por mês. Em São Paulo, R$ 52 mil. No Rio de Janeiro, R$ 38 mil.
Esses valores superam os pagos a
um juiz similar no Reino Unido, que recebe cerca de R$ 29 mil, e até dos
Estados Unidos, cujo salário mensal médio é de R$ 43 mil. Chega a ser superior
a juízes da Suprema Corte de países da União Europeia, como Bélgica e Portugal.
Os salários básicos são
engordados por adicionais legais, sustentados por interpretações da legislação.
Mas formam vários andares acima do teto. Como disse a ministra Cármen Lúcia
numa audiência no STF: “Além do teto, tem cobertura, puxadinho e sei mais lá o
quê”, numa referência ao fato de que o limite vale mesmo apenas para os 11
ministros do Supremo.
Segundo economistas que já
passaram pelo poder público e profissionais da área de direito, os salários dos
juízes, acima do teto, são um alerta para o ajuste fiscal em discussão no País.
Mostram que a batalha para a implementação de um limite para o crescimento dos
gastos públicos, peça-chave do ajuste, tende a ser bem complexa e dura do que a
simples fixação de um limite dentro de uma PEC, a Proposta de Emenda
Constitucional.
Os juízes são o topo da cadeia
de servidores públicos, diz o responsável pelo levantamento, Nelson Marconi,
coordenador Executivo do Fórum de Economia da Fundação Getúlio Vargas. Segundo
Marconi, quando há uma demanda por qualquer tipo de benefícios no
funcionalismo, os juízes costumam abrir o ciclo de negociações. Na sequência,
diz, vêm Polícia Federal, Receita, advogados do Executivo, Banco Central e
Tesouro Nacional, numa fila que se estende até funcionários administrativos e
professores.
Este ano, o poder de mobilização
do Judiciário já foi visto. Foi a primeira a defender o seu reajuste salarial,
tão logo o governo interino assumiu. Na negociação do pacote de ajuda de União
aos Estados, foi a primeira categoria que se opôs à contabilização dos ganhos
adicionais como parte dos salários, para fins de adequação aos limites da Lei
de Responsabilidade Fiscal.
“Todas as categorias vão atuar
contra o ajuste fiscal, basta ver que depois que os juízes conseguiram o
reajuste as demais entraram pedindo o seu também”, diz Marconi. “O verdadeiro
desafio será vencer o corporativismo de inúmeras categorias que vão se
mobilizar para pressionar o Congresso e escapar da tesoura”, diz o economista
Marcos Lisboa, presidente do Insper e ex-secretário de Política Econômica do
Ministério da Fazenda.
Adicionais
Marconi explica que
o teto do Judiciário é rompido por uma série de verbas adicionais. Há
diferentes abonos e gratificações – por tempo de serviço, por dupla função e substituição
de colegas em férias ou em licença. Também existem os auxílios – auxílio
pré-escolar, auxílio-saúde, auxílio-moradia. Os ganhos adicionais são legais e
uma parte deles são até eventuais – como gratificações natalinas ou por férias
ou mesmo por ganhos em processos judiciais movidos pelos próprios juízes.
Os especialistas lembram que, em
1998, quando foi feita uma emenda da reforma da administração pública, o
princípio era incluir todo o subsídio (termo usado para definir o salário de
juízes) dentro do teto, mas auxílios, abonos e gratificações acabaram ficando
de fora.
“Tudo deveria estar dentro do
subsídio, mas ficou difícil conseguir aumentos no subsídio e vieram os
penduricalhos”, diz Janaina Penalva, professora de direito constitucional da
Universidade de Brasília. Por causa dos “penduricalhos”, diz, a transparência
fica prejudicada. Mesmo os dados divulgados são “restritos” e “obscuros”. “Como
o ganho depende de várias verbas sobre as quais não temos clareza, não é
possível dizer, de maneira consistente, quanto os desembargadores ganham.”
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