Ivan
Sartori, que absolveu PMs envolvidos no massacre de 111 presos na Detenção,
condenou homem a 6 meses de cadeia; réu alegou fome, mas o magistrado recusou o
argumento e disse que deixar o acusado solto poria em ‘risco a incolumidade
pública’
Julgamento no TJ-SP. A 4ª Câmara Criminal negou 81% dos recursos pedidos em 2014, de acordo com estudo da Associação Brasileira de Jurimetria |
Alexandre
Hisayasu e Marco Antônio Carvalho,
O Estado
de S. Paulo
O
desembargador Ivan Sartori, relator do processo que anulou os cinco júris que
condenaram 74 policiais militares acusados do massacre de 111 presos no
Carandiru, mandou para a cadeia um homem acusado de furtar cinco salames de um
supermercado em Poá, na Grande São Paulo. A decisão é de julho. No caso do
massacre, Sartori foi mais longe que seus colegas: propôs também a absolvição
dos PMs, mas foi voto vencido.
Na
decisão sobre o acusado de furtar salames, Sartori também foi o relator da
apelação do acusado, Edson Castanhal Affonso. O réu havia sido condenado em
primeira instância a 6 meses de reclusão pelo furto dos salames, em 2013.
Segundo a denúncia do Ministério Público, o homem escondeu os salames debaixo
da blusa, na altura da cintura. Um segurança do mercado percebeu e o deteve na
rua. Levado à delegacia, ele confessou o crime e disse “que estava desempregado
e, como estava com muita fome, acabou furtando a mercadoria”.
A
Defensoria Pública pediu a absolvição do acusado, considerando o bem furtado,
os motivos que levaram o rapaz a praticar o crime e também o fato de ele ter
confessado o delito. Em seu voto, Sartori negou os argumentos da defesa e disse
que o acusado, que tem passagens anteriores pelo mesmo crime, é “um infrator
contumaz, que faz do crime meio de vida”. Afirmou também que “reconhecer sua
incidência em larga escala seria o mesmo que incentivar a prática de pequenos
furtos, com o escudo do Judiciário, o que não pode ser tolerado”.
Por fim,
Sartori decidiu manter a pena de 6 meses de reclusão e o pagamento de multa.
Ele completa o voto afirmando que Affonso “demonstrou desenvoltura na execução
do delito” e que sua personalidade é “distorcida”, colocando em “risco a
incolumidade pública”. “Particularidade a determinar a que seja ele segregado
do meio social.” Por ordem do desembargador, o réu cumpre pena em regime
semiaberto, no qual o preso tem direito de sair da prisão durante o dia e deve
voltar à noite.
O voto de
Sartori foi acompanhado pelos outros dois desembargadores da 4.ª Câmara
Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), entre eles Camilo Léllis,
que também participou do julgamento do caso do Carandiru - Léllis foi contra a
absolvição dos PMs, mas votou pela anulação dos júris. O Estado procurou
Sartori. A assessoria de imprensa do TJ-SP informou que o desembargador não se
manifestaria.
Rigor
Responsável pela anulação dos júris do Carandiru, a 4.ª Câmara Criminal do
TJ-SP tem decisões recorrentes cujo conteúdo é considerado rigoroso com réus
comuns, dificilmente revertendo penas, segundo criminalistas e entidades. A
visão é corroborada por pesquisa da Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ),
que aponta a turma como a que menos atende a apelações em toda a Corte.
A ABJ
analisou em 2014 todos os acórdãos das 20 câmaras criminais do TJ-SP. A 4.ª
Câmara negou 81% dos pedidos. A média das demais câmaras é de 51%. A posição da
4ª Câmara, porém, é considerada conservadora e benevolente em casos de
violência cometida por policiais, como na decisão sobre o massacre da Detenção,
em 1992.
Ex-presidente
da seção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP) e criminalista,
Antônio Cláudio Mariz de Oliveira reconheceu a fama da turma. “É composta por
magistrados muito técnicos, rigorosos e legalistas. A decisão de ontem (sobre o
Carandiru) tem um grande significado porque eles demonstraram que se
convenceram dos argumentos da defesa. De resto, não costumam ter grande dose de
humanidade.”
Diretora
do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), a advogada Eleonora
Rangel Nacif criticou a decisão sobre o Carandiru. “O caso que é uma das
maiores violações de direitos humanos do Brasil recebeu tratamento benevolente
com os acusados desse crime bárbaro”, disse. “A posição diverge de condenações
altíssimas impostas recorrentemente a pequenos traficantes, por exemplo, e
outros crimes pequenos. A Câmara é reconhecida por ser dura e raramente soltar
réus.” Para Eleonora, a decisão sobre o Carandiru mostra que os magistrados têm
uma “visão política alinhada com a repressão violenta das polícias”.
A opinião
é compartilhada pelo presidente da ABJ, Marcelo Guedes Nunes, que vê tratamento
diferente dado pelo grupo quando são policiais que estão no banco dos réus. “No
recurso de uma autoridade, o crime é visto como cometido no estrito exercício
da função e acaba recebendo provimento.”
Defesa de PMs elogia turma: ‘Leram o processo’
Responsável
pela defesa de 28 dos 74 policiais militares condenados em júris, o advogado
Celso Vendramini elogiou a equipe de desembargadores, dizendo que eles “leram
todo o processo e notaram as controvérsias da acusação”. “Não é que são duros
ou rígidos, eles cumprem a lei. Estou muito feliz que conseguiram enxergar a
fragilidade da condenação.”
O
defensor disse que entrará com embargos para que o voto do desembargador
Sartori, entendendo pela necessidade de absolvição, seja analisado e atendido
por dois magistrados que poderão definir o processo. Caso não seja atendido,
antecipou que irá a instâncias superiores contestando a decisão, o que deve
levar o processo a se arrastar por mais alguns anos.
“É um
caso realmente comovente e grave, mas não podemos sair distribuindo acusações,
tem de haver provas concretas. Mas, sem saber a autoria, querem condenar por
baciada.”
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