Juiz
teve 'atuação político-partidária em favor de uma candidatura', diz entidade
A Associação Brasileira de Juristas pela
Democracia (ABDJ) vai entrar com uma representação no Conselho Nacional de
Justiça (CNJ) contra o juiz Sergio Moro.
Segundo nota divulgada neste sábado (3)
pela entidade, o objetivo é cobrar do CNJ o "zelo pela isenção da
magistratura, o respeito ao princípio da imparcialidade e a garantia da
legalidade dos atos de membros do Poder Judiciário".
A ABDJ afirma que Moro, "ainda na
condição de magistrado, atuou como se político fosse, aceitando o cargo de
Ministro da Justiça antes mesmo da posse do Presidente eleito e, grave, tendo
negociado o cargo durante o processo eleitoral, assumindo um dos lados da disputa,
conforme narrado pelo General Hamilton Mourão".
"Tal movimentação pública e
ostensiva do juiz confirma a ilegalidade de sua atuação político-partidária em
favor de uma candidatura, o que se vincula ao ato de divulgação do áudio de
Antonio Palocci para fins de prejudicar uma das candidaturas em disputa",
segue o texto.
A nota elenca ainda "alguns
episódios que denotam que o ativismo jurídico foi convertido em instrumento de
violação de direitos civis e políticos, a condicionar o calendário eleitoral e
o futuro democrático do país".
Os momentos de Moro
São 11 itens que descrevem, por exemplo,
quando Moro emitiu uma decisão judicial que vazou uma conversa telefônica entre
a então presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Lula.
"Em março de 2016, o juiz autorizou
a condução coercitiva contra o Lula numa operação espetáculo, eivada de
irregularidades e ilegalidades."
A associação diz ainda que o
"ativismo do juiz Sergio Moro não abala apenas a segurança dos casos por
ele julgados e a Lava Jato como um todo, mas transfere desconfiança a respeito
da ética e da independência com que conduzirá também o Ministério da Justiça e
da Segurança Pública, um ministério ampliado e com poderes amplos, no momento
em que o país passa por grave crise democrática, em que prevalecem as ameaças e
a perseguição aos que defendem direitos humanos e uma sociedade mais
justa".
Leia a íntegra:
NOTA DA ABJD EM DEFESA DA
IMPARCIALIDADE DO JUDICIÁRIO E CONTRA O PARTIDARISMO DE SÉRGIO MORO
A ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE JURISTAS PELA
DEMOCRACIA (ABJD), entidade que congrega os mais diversos segmentos de formação
jurídica em defesa do Estado Democrático de Direito, VEM A PÚBLICO, diante do
aceite do juiz federal Sérgio Moro para integrar o Ministério da Justiça e da
Segurança Pública do governo de Jair Bolsonaro, MANIFESTAR ESPANTO E GRAVE PREOCUPAÇÃO
com este gesto eminentemente político e consequencial ao comportamento anômalo
que o juiz vinha adotando na condução da Operação Lava-jato.
A conduta excepcionalmente ativista
adotada pelo juiz da 13a Vara Federal de Curitiba sempre foi objeto de críticas
contundentes por parte da comunidade jurídica nacional e internacional,
rendendo manifestações em artigos especializados e livros compostos por
centenas de autores, a denunciar o uso indevido da lei em detrimento das
garantias e liberdades fundamentais. Em diversos episódios, restou evidente a
violação do principio do juiz natural no critério da imparcialidade que deve
reger o justo processo em qualquer tradição jurídica. Um juiz deixa de ser
independente quando cede a pressões decorrentes de outros Poderes do Estado,
das partes ou, mais grave, a interesses alheios à estrita análise do processo,
deixando não apenas as partes, como também toda a sociedade sem o resguardo dos
critérios de justiça e do devido processo legal.
Um juiz que traz para si a competência
central da maior operação anticorrupção da história do Brasil não pode
pretender atuar sozinho, à revelia dos demais Poderes e declarando extintas ou
suspensas determinadas regras jurídicas para atender a quaisquer fins de apelo
popular. Um juiz com tal concentração de poder deveria ser exemplo de máxima
correição no uso de procedimentos jurídicos e tomada de decisões processuais,
tanto pelos riscos às liberdades e direitos dos acusados como pelos efeitos
nocivos de caráter econômico inexoravelmente provocados pela investigação de
agentes e empresas.
No entanto, o que se viu nos últimos
anos foi o oposto. O comportamento do juiz Sérgio Moro, percebido com clareza
até pela imprensa internacional ao noticiar um julgamento sem provas e a prisão
política de Lula, foi a de um juiz-acusador, perseguindo um réu específico em
tempo recorde e sem respeitar o amplo direito de defesa e a presunção de
inocência garantida na Constituição.
Recordem-se alguns episódios que denotam
que o ativismo jurídico foi convertido em instrumento de violação de direitos
civis e políticos, a condicionar o calendário eleitoral e o futuro democrático
do país, culminando com a aceitação do magistrado ao cargo de Ministro da
Justiça:
1. No
início de 2016, momento de grave crise política, o juiz Sérgio Moro utilizou
uma decisão judicial para vazar a setores daimprensa uma conversa telefônica
entre a então Presidenta da República, Dilma Rousseff, e o ex-Presidente Lula
por ocasião do convite para assumir um ministério;
2. Em
março de 2016, o juiz autorizou a condução coercitiva contra o Lula numa
operação espetáculo, eivada de irregularidades eilegalidades também contra
familiares e amigos do ex-Presidente;
3. Em
20 de setembro de 2016, às vésperas das eleições municipais, o juiz aceitou uma
denúncia do Ministério Público contra Lula einiciou a investigação do caso
Triplex. O que se seguiu durante os meses seguintes foi um festival de
violações ao devido processo legal, de provas ilícitas a violação de sigilo
profissional dos advogados. Esses abusos foram denunciados ao Comitê
Internacional de Direitos Humanos da ONU;
4. A
sentença condenatória do caso Triplex, em julho de 2017, provocou revolta na
comunidade jurídica, que reagiu com umaenxurrada de artigos contestando
tecnicamente o veredito nos mais diversos aspectos e chamando a atenção para o
comportamento acusatório e seletivo do magistrado;
5. A
divulgação da sentença condenatória do caso foi feita um dia após a aprovação
da reforma trabalhista no Senado Federal,quando então já se falava em
pré-candidatura de Lula ao pleito de 2018;
6. O
julgamento recursal pelo TRF4 em 27 de março de 2018, como se sabe, foi
realizado em tempo inédito, em sessão transmitida aovivo em rede nacional.
Vencidos os prazos de embargos declaratórios, o Tribunal autorizou a execução
provisória da pena, dando luz verde à possível prisão a ser decretada pelo juiz
Sérgio Moro, momento em que as ruas se acirraram ainda mais com a passagem das
Caravanas do pré-candidato Lula pelo sul do país;
7. No
dia 05 de abril, o STF julgou o pedido de habeas corpus em favor de Lula e, por
estreita margem de seis votos a cinco, rejeitouo recurso pela liberdade com
base na presunção de inocência No próprio dia 05, contrariando todas as
expectativas e precedentes, o juiz Sergio Moro determinou a prisão de Lula e
estipulou que este deveria se apresentar à Polícia Federal até às 17h do dia
seguinte. O mandado impetuoso é entendido pela comunidade jurídica, mesmo por
quem não apoia o ex-Presidente, como arbitrário e até mesmo ilegal;
8. Lula
decidiu cumprir a ordem ilegal para evitar maiores arbitrariedades, pois já
ecoava a ameaça de pedido de prisão preventivapor parte de Sérgio Moro. No dia
07 de abril, Lula conseguiu evitar a difusão de uma prisão humilhante, saindo
do sindicato nos braços do povo, imagem que correu o mundo como símbolo da
injustiça judiciária;
9. No
dia 08 de julho, houve um episódio que escancarou a parcialidade de Sérgio
Moro. O juiz, mesmo gozando de férias e numdomingo, telefonou para Curitiba e,
posteriormente, despachou no processo proibindo os agentes da Polícia Federal
de cumprirem uma ordem de liberação em favor de Lula expedida pelo juiz de
plantão no TRF4, o desembargador Rogério Favreto. Frise-se: mesmo sem ter
qualquer competência sobre o processo, já em fase de execução, Sérgio Moro
desautorizou o cumprimento do alvará de soltura já expedido, frustrando a
liberação, descumprindo ordem judicial, ignorando definitivamente a legalidade,
o regime de competência e a hierarquia funcional;
10. Avançando
para o processo na justiça eleitoral, já às vésperas das eleições presidenciais
em primeiro turno e com o francoavanço do candidato Fenando Haddad, que
substituiu Lula após o indeferimento da candidatura, o juiz Sérgio Moro
determinou a juntada aos autos da delação premiada do ex-ministro Antônio
Palocci contra Lula, depoimento que havia sido descartado pelo MPF e que foi
ressuscitado com ampla repercussão da mídia. Sabe-se agora, pelo
vice-Presidente eleito, General Mourão, que nesse tempo as conversas para que
Moro viesse a compor um cargo político central no futuro governo já estavam em
andamento;
11. Coroando
a cronologia de ilegalidades e abusos de poder, frisa-se que Sergio Moro, ainda
na condição de magistrado, atuoucomo se político fosse, aceitando o cargo de
Ministro da Justiça antes mesmo da posse do Presidente eleito e, grave, tendo
negociado o cargo durante o processo eleitoral, assumindo um dos lados da
disputa, conforme narrado pelo General Hamilton Mourão. Tal movimentação
pública e ostensiva do juiz confirma a ilegalidade de sua atuação
político-partidária em favor de uma candidatura, o que se vincula ao ato de
divulgação do áudio de Antonio Palocci para fins de prejudicar uma das
candidaturas em disputa. O repúdio a essa conduta disfuncional motiva a ABJD a
mover representação junto ao Conselho Nacional de Justiça – CNJ – com o fim de
exigir do órgão o zelo pela isenção da magistratura, o respeito ao principio da
imparcialidade e a garantia da legalidade dos atos de membros do Poder
Judiciário.
Moro não poderia, em acordo com as
normas democráticas vigentes, praticar qualquer ato de envolvimento político
com o governo eleito ou com qualquer outro enquanto fosse juiz. Ao fazê-lo
viola frontal e acintosamente as normas que estruturam a atuação da
magistratura, tornando tal violação ainda mais impactante ao anunciar que ainda
não pretende se afastar formalmente da magistratura, em razão de férias
vencidas.
O ativismo do juiz Sérgio Moro não abala
apenas a segurança dos casos por ele julgados e a Lava-jato como um todo, mas
transfere desconfiança a respeito da ética e da independência com que conduzirá
também o Ministério da Justiça e da Segurança Pública, um ministério ampliado e
com poderes amplos, no momento em que o país passa por grave crise democrática,
em que prevalecem as ameaças e a perseguição aos que defendem direitos humanos
e uma sociedade mais justa.
da Folha de São Paulo
da Folha de São Paulo
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