
Por
Vitor Nuzzi, Rede Brasil Atual
Se por um lado não se pode menosprezar o
perigo de uma ruptura institucional, por outro ainda "há jogo", desde
que se apresente uma proposta que ultrapasse a retórica, avalia o governador do
Maranhão, Flávio Dino (PCdoB). Ele defende uma "flexibilidade tática"
para avançar política e efetivamente, com a apresentação de uma agenda nacional
e popular, enfrentando uma conjuntura de desagregação política e anomia
(ausência de leis, regras).
"Ganhamos todas as hashtags e
perdemos todas as batalhas reais de 2013 para cá. Precisamos ter vitórias no
mundo real", afirmou Dino, durante entrevista coletiva a veículos
alternativos realizada na noite de ontem (27) no Centro de Estudos da Mídia
Alternativa Barão de Itararé, na região central de São Paulo, com a presença,
entre outros, dos ex-ministros Paulo Vannuchi e Roberto Amaral, do historiador
Luiz Felipe de Alencastro e dos jornalistas Fernando Morais e Raimundo Pereira.
No início da semana, o governador
participou do lançamento de um grupo de oposição ao governo, após reunir-se com
o ex-prefeito Fernando Haddad (PT), o ex-governador da Paraíba Ricardo Coutinho
(PSB) e o ex-candidato à Presidência Guilherme Boulos e sua vice, Sonia
Guajajara, ambos do Psol. Dino considera que às vezes há certa
"mitificação" quando se fala na formação de uma frente política.
"São várias frentes, com vários papéis", diz, citando a Brasil
Popular e a Povo sem Medo. "O que precisamos ter é essa dimensão da luta
política e institucional."
Várias forças políticas garantiram a
Constituição que vigora desde 1988, lembra Dino, citando nomes como Mário Covas
e Ulysses Guimarães. "O chamado centro democrático perdeu substância e
qualidade nas últimas décadas." Não pode haver "abordagens
sectárias" e é preciso buscar o "homem médio", o cidadão comum,
defende.
Militante
do conflito
Na visão do governador, o atual
presidente é "filho legítimo de um ethos nazifascista que privilegia o
conflito", faz a opção pela "retórica do inimigo" e representa
um projeto internacional. Esse papel de "militante do conflito", como
ele define, traz acirramento de algumas contradições: democracia e
autoritarismo, pobres e ricos, nacionalismo e imperialismo.
No primeiro caso, está, por exemplo, a
"batalha retórica" em torno das comemorações do golpe de 1964, uma
disputa entre uma visão democrática e uma perspectiva autoritária, com a
evocação de um passado "glorioso", como faz Bolsonaro, a esta altura
comparado a Benito Mussolini. Dino destaca ainda a "tentativa de sufocar o
movimento sindical brasileiro, o que desde 79/80 não se tentava de modo tão
organizado".
Para ele, o caráter da
"reforma" em discussão no Congresso é a "destruição da
Previdência por intermédio da capitalização". Mesmo partidos simpáticos ao
governo defenderam a retirada de itens como o que altera o BPC (benefício de
prestação continuada) e o que impacta negativamente o trabalho rural, mas
mantiveram a questão da capitalização, vista como central pelo ministro Paulo
Guedes.
Mas uma agenda popular, como diz o
governador, precisa trabalhar temas alternativos, como uma proposta de reforma
tributária. Ficar apenas na oposição ao governo significaria cair em uma
"armadilha retórica". E a herança do ex-presidente Luiz Inácio Lula
da Silva é fundamental: "Mesmo que se debata um novo lulismo, precisamos
do lulismo como base". O atual governo, lembrou, não tem como foco
implementar políticas distributivas ou enfrentar a crise social. Uma reforma
tributária progressiva é um dos caminhos para combater a crise.
Ainda sobre a gestão Bolsonaro, o
governador disse não lembrar de uma política externa "tão abertamente
subalterna". Uma agenda nacional, prega, precisa "combater o
nacionalismo de uma só nação" – no caso, os Estados Unidos. "O
vira-latismo se tornou, em larga medida, hegemônico."
Desvario
político
O Estado democrático de direito está
"objetivamente em risco", embora não se saiba, hoje, a que tipo de
ruptura institucional o atual desvario político pode levar. "Não temos o
direito, pela nossa experiência histórica trágica, de minimizar esse
risco." O governador vê nas manifestações de Bolsonaro não apenas
precariedade, mas também um movimento consciente para manter a base (de apoio)
tensionada. "Mas essa base é mais estreita do que aquela que o levou à
vitória. A coesão hoje é menor", completa.
Ex-presidente do PSB, Roberto Amaral
acredita que o país vive um processo de golpe desde o impeachment de Dilma
Rousseff, em 2016, e vê um quadro insustentável. "O impeachment foi um
golpe de Estado", concorda Dino. "Por um motivo simples: não havia
base constitucional. Assim como o banimento da candidatura Lula",
acrescenta o governador maranhense. Não podemos descartar uma ruptura legal
mais pronunciada, porque ela é desejada por muitos", alerta, para mais
adiante afirmar que ainda "há jogo" em disputa e que não é o caso de
um fatalismo histórico. "É importante fazer os alertas certos para não
combater os inimigos errados."
Ex-presidente do PCdoB, hoje à frente da
Fundação Mauricio Grabois, Renato Rabelo identifica esgotamento do liberalismo,
mesmo da social-democracia, o que abriu espaço para regimes identificados com o
autoritarismo. Existe ainda uma disputa por hegemonia econômica. "Entramos
numa transição mundial. Temos de realinhar forças. Não é só a esquerda que vai
dar conta disso."
Alguns perguntas recaem sobre Ciro Gomes
(PDT) e seus atritos recentes com o PT. Flávio Dino afirma que já fez críticas
a ele – públicas e reservadas –, mas não prescinde da presença do ex-governador
e ex-ministro. "Claro que Ciro é uma liderança do nosso campo político.
Com seu patrimônio de erros e acertos, como todos nós. Agora, expurgá-lo? Isso
eu não aceito de jeito nenhum."
Defesa
do lulismo
No encontro desta semana ("Um think
tank leve, menos pretensioso"), com Haddad, Coutinho, Sonia e Boulos, por
iniciativa deste, o governador disse que foi o primeiro a dizer sobre a
necessidade de se chamar Ciro para conversas futuras. "E o primeiro a concordar
foi o Haddad", lembrou. "O Ciro esteve conosco nas batalhas de
sustentação do governo", acrescenta, fazendo ao mesmo tempo a crítica de
que "atacar o lulismo é um desserviço".
"Assim como discordo dele atacar o
lulismo, da mesma forma discordo que façamos algum tipo de expurgo por posições
equivocadas", afirma Dino, ao destacar também a importância do PDT,
partido a qual Ciro está filiado. Para ele, o trabalhismo e o lulismo são
referências.
Hamilton Mourão, o vice, é uma opção,
considerado o rápido desgaste do presidente? Dino pensa que não. "Talvez
diminua o poder do Steve Bannon (assessor de Donald Trump, próximo do polemista
Olavo de Carvalho, guru de Bolsonaro). Mas aumenta o poder das Forças
Armadas."
O que fazer então?, perguntam alguns, sem
esconder a angústia diante do momento político. "É guerra de
movimentos", define Dino, citando fatos como o consórcio formado pelos
nove governadores da região Nordeste, articulações de personalidades políticas,
a Comissão Arns de direitos humanos, a eleição de Felipe Santa Cruz para a
presidência da Ordem dos Advogados do Brasil.
Energia
democrática
O antagonismo entre o presidente da
Câmara, Rodrigo Maia (DEM-DF) e o bolsonarismo também pode ser um elemento
importante. E a recente postura do Ministério Público Federal contra a
determinação presidencial de "comemorar" 1964 representa "um
descolamento do pacto antinacional, antipopular". Assim, é preciso
transformar o momento em "energia democrática e potencializá-la".
O comunista Flávio Dino arranca risos ao
lembrar de sua "militância cristã" para destacar outro item que
considera importante na conjuntura brasileira. "É preciso ter fé. A fé nos
salva da perplexidade. Ela permite que nós reavivemos princípios", diz.
Algumas questões recaem sobre sua gestão
à frente de um dos estados mais pobres do país. "Partimos de um
diagnóstico que não ocultou as tragédias do povo do Maranhão", lembrou
Dino, afirmando que o objetivo é vencer a desigualdade "obscena".
Como avanços, lembra que o Maranhão tem três anos seguidos de saldo positivo no
emprego formal e que hoje o estado é o que mais investe, em termos da fatia da
receita líquida: 10%, ante uma média nacional de 4%. Ele acredita que, enquanto
o Brasil cresceu 1% no ano passado, o Maranhão pode ter chegado a 3%, até 4%.
Fernando Morais quer saber sobre o grau
de unidade entre os governadores do Nordeste, onde acredita estar "o único
núcleo visível da oposição organizada" e onde "a treva perdeu"
em 2018. Direto, pergunta se Dino é candidato à Presidência da República.
"O que permitiu a formação do
consórcio (de governadores) é sobretudo o grau de confiança pessoal entre os
nove", afirma o maranhense, destacando o papel da resistência da região em
defesa da institucionalidade democrática. Quanto à segunda pergunta, lembra que
está para completar 51 anos (em 30 de abril) e o que fez até agora – juiz
federal, deputado e governador – já o deixa feliz. Qualquer outro rumo depende
de "um processo muito mais amplo, coletivo", afirma, recordando ser
"militante da causa popular desde os 15 anos".
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