Órgão afirmou que a orientação do
presidente merece 'repúdio social e político' e que pode configurar improbidade
administrativa
A Procuradoria Federal dos Direitos do
Cidadão (PFDC), colegiado que funciona no âmbito da Procuradoria-Geral da
República (PGR) , criticou a decisão do presidente Jair Bolsonaro de determinar
a comemoração do golpe que implantou a ditadura militar no Brasil em 31 de
março de 1964.
Em um texto duro, assinado pela
procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, e por três
procuradores auxiliares, o Ministério Público Federal (MPF) afirma que
"festejar a ditadura é festejar um regime inconstitucional e responsável
por graves crimes de violação aos direitos humanos".
"Essa iniciativa soa como apologia
à prática de atrocidades massivas e, portanto, merece repúdio social e
político, sem prejuízo de repercussões jurídicas", diz a nota pública
divulgada nesta terça-feira.
Bolsonaro, que admira e exalta os
regimes militares da América Latina, determinou que os quartéis comemorem o 31
de março e os 21 anos de ditadura militar no Brasil. Reportagem publicada no
site do GLOBO na tarde desta terça revelou que a determinação terá um efeito
prático nos principais comandos militares.
Uma cerimônia será realizada,
diferentemente do que era feito em anos anteriores. Generais ouvidos pela
reportagem preferem evitar o termo "comemoração", mas falam em
"lembrança de um fato histórico". A cerimônia vai contar com tropas
em forma em quartéis; aviso pelo mestre de cerimônia de que os militares estão
ali para "relembrar um fato histórico ocorrido em março de 64";
execução do Hino Nacional; leitura da chamada ordem do dia, que é um texto
elaborado pelo Ministério da Defesa; e desfile para encerrar o evento. No
Exército, houve quem sugerisse tiros de canhão ao fim da cerimônia, o que
acabou descartado por líderes dos comandos militares, conforme as fontes
ouvidas pela reportagem.
Improbidade
administrativa
A PFDC afirma na nota pública que a
defesa de crimes constitucionais e internacionais – como um golpe militar –
pode se caracterizar um ato de improbidade administrativa. Os procuradores
federais dos Direitos do Cidadão afirmam "confiar" que as Forças
Armadas e "demais autoridades militares e civis" deixarão de celebrar
o golpe militar de 1964 e cumprirão seus "papéis constitucionais" na
defesa do Estado Democrático de Direito. "Seria incompatível com a
celebração de um golpe de Estado e de um regime marcado por gravíssimas
violações aos direitos humanos."
Se a recomendação de Bolsonaro para que
se comemore o golpe tem sentido de "festejar", trata-se de um ato de
"enorme gravidade constitucional", conforme a PFDC. "O golpe de
Estado de 1964, sem nenhuma possibilidade de dúvida ou de revisionismo
histórico, foi um rompimento violento e antidemocrático da ordem
constitucional. Se repetida nos tempos atuais, a conduta das forças militares e
civis que promoveram o golpe seria caracterizada como crime inafiançável e
imprescritível de atentado contra a ordem constitucional e o Estado Democrático
previsto na Constituição."
O colegiado vinculado à PGR lembra que a
Comissão Nacional da Verdade foi instituída por lei e seu relatório final,
concluído no fim de 2014, é a versão oficial do Estado sobre o que aconteceu
nos 21 anos de ditadura militar. "Nenhuma autoridade pública, sem fundamentos
sólidos e transparentes, pode investir contra as conclusões da comissão, dado o
seu caráter oficial", diz a nota da PFDC.
Agentes da ditadura mataram ou fizeram
desaparecer 434 opositores do regime e 8 mil indígenas, como cita a PFDC. Entre
30 mil e 50 mil pessoas foram presas ilicitamente e torturadas, afirma o
colegiado. "Esses crimes bárbaros (execução sumária, desaparecimento
forçado de pessoas, extermínio de povos indígenas, torturas e violações
sexuais) foram perpetrados de modo sistemático e como meio de perseguição
social. Não foram excessos ou abusos cometidos por alguns insubordinados, mas
sim uma política de governo, decidida nos mais altos escalões militares,
inclusive com a participação dos presidentes da República."
Com informações de o Globo
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