Procurador agiu ocultado
por movimentos em pautas que envolviam decisões do Supremo e de Michel Temer
O procurador Deltan Dallagnol usou dois
grupos políticos surgidos após a operação Lava Jato como porta-vozes de causas
políticas pessoais dele e da operação, revelam mensagens trocadas pelo
aplicativo Telegram e que fazem parte do arquivo da Vaza Jato. Nelas, Dallagnol
pauta atos públicos, publicações em redes sociais e manifestações dos
movimentos de forma oculta, tomando cuidados para não ser vinculado
publicamente a eles.
Um dos grupos, o Vem Pra Rua, é
notoriamente alinhado a partidos e políticos de direita. Dono de uma página de
Facebook com mais de 2 milhões de seguidores, foi um dos principais
organizadores de marchas pelo impeachment de Dilma Rousseff. A sua principal
figura é Rogerio Chequer, que aproveitou a fama para lançar-se candidato a
governador de São Paulo pelo Novo e, em seguida, tornar-se cabo eleitoral de
Jair Bolsonaro.
Próxima a Dallagnol, a procuradora Thaméa
Danelon, ex-integrante do braço paulista da Lava Jato – que chegou a coordenar
por menos de dois meses no fim de 2018, quando repentinamente pediu para deixar
o grupo –, em várias ocasiões funcionou como ponte com o Vem pra Rua, revelam
as mensagens recebidas pelo Intercept de uma fonte anônima.
O outro grupo é o Instituto Mude — Chega
de Corrupção, criado inicialmente para coletar assinaturas a favor das dez
medidas contra a corrupção, um pacote de mudanças legislativas que se tornou
uma obsessão pessoal de Dallagnol. Embora o Mude não informe isso em seu site,
o coordenador da Lava Jato no Paraná atuou como um diretor informal do
movimento, que chegou a organizar encontros numa igreja frequentada pelo
procurador – e em que ele é pregador eventual.
Mas, passada a derrota na votação das dez
medidas na Câmara, Dallagnol passou a usar o Mude — e também o Vem Pra Rua —
para outras tarefas – entre elas influenciar a escolha do relator da Lava Jato
no Supremo Tribunal Federal após a morte do ministro Teori Zavascki.
Atuando nos bastidores dos grupos e insuflando-os
a pressionar o STF, Dallagnol estimulou a rejeição dos nomes de Gilmar Mendes,
Ricardo Lewandowski e do atual presidente da Corte, Dias Toffoli, para a
relatoria das ações da operação. Os diálogos mostram ainda que o procurador
articulou ações para constranger ou pressionar ministros nos julgamentos que
discutiram a prisão em segunda instância.
Em 2017, Dallagnol encomendou aos
movimentos uma campanha para forçar Michel Temer a indicar o primeiro nome da
lista tríplice encaminhada pela Associação Nacional dos Procuradores da
República, a ANPR, ao cargo de procurador-geral da República. O escolhido
substituiria Rodrigo Janot, que comandou o órgão durante o surgimento e a
ascensão da Lava Jato.
‘NÃO ME CITEM COMO
ORIGEM, PARA EVITAR MELINDRAR STF’
UM DOS PRIMEIROS EPISÓDIOS revelados pelas
mensagens ocorreu em janeiro de 2017, quando Teori Zavascki morreu num acidente
aéreo. O ministro do STF deixou aberta não apenas uma cadeira no Supremo:
também ficou vago o posto de relator dos processos da Lava Jato na corte – o
responsável pelos casos que envolviam políticos com foro privilegiado. A lacuna
criada pela morte repentina de Zavascki só poderia ser preenchida por um
integrante da 2ª turma, e nenhum dos remanescentes — Toffoli, Mendes,
Lewandowski e Celso de Mello — tinha a simpatia da força-tarefa. Dallagnol
deixou isso explícito ao relatar ao líder do Mude, Fabio Alex Oliveira, uma
conversa que tivera com um integrante de outro movimento político.
“De início, agradeci o apio do movimento
etc. 1. Falei que não posso posicionar a FT publicamente, mesmo em off, quanto
a Ministros que seriam bons, pq podemos queimar em vez de ajudar”,
contou Dallagnol. “Falei os 4 que seriam ruins, “que Toff, Lewa, Gilm e
Marco Aur”, escreveu para Oliveira no dia seguinte à morte de Zavascki.
Dias depois, em 24 de janeiro, o Mude
pediu ao procurador uma “orientação sobre quem seria ideal pra assumir a
posição do Teori”. A co-fundadora Patricia Fehrmann explicou que “tem muita
gente perguntando o q fazer. O VPR é um desses”, referindo-se ao Vem Pra Rua. O
procurador declinou. “Não podemos nos posicionar. Queimamos a pessoa rsrsrs”.
Mas, em 31 de janeiro, Dallagnol
manifestou sua preocupação com os colegas da força-tarefa do Paraná no grupo
Filhos do Januário 1. Ele sugeriu que dissessem a jornalistas, em off, que
temiam “que Toff, Gilm ou Lew assumam” e que delegassem aos movimentos sociais
a tarefa de pressionar o STF a não definir a questão por sorteio, o que seria
uma “roleta russa”.
Outros procuradores concordaram que não
valeria a pena a força-tarefa se manifestar, mas não se opuseram a orientar
grupos de pressão alinhados. “se houver um movimento social, sem vinculação
conosco, contra o sorteio, aí pode ter algum resultado…”, avaliou o procurador
Paulo Roberto Galvão.
No dia seguinte, em 1º de fevereiro, o
ministro Edson Fachin, de surpresa, pediu para migrar para a 2ª turma. Mas a
Lava Jato preferia que Luís Roberto Barroso tivesse feito isso. Numa conversa
privada com uma ex-integrante da Lava Jato na Procuradoria-Geral da República,
Dallagnol indica que chegou a fazer o pedido a ele:
1 de fevereiro de 2017 – Chat privado
Anna Carolina Resende – 12:11:18 – Deltan, fale com Barroso
Resende – 12:11:37 – insista para ele ir pra 2 Turma
Deltan Dallagnol – 12:18:07 – Há infos novas? E Fachin?
Dallagnol – 12:18:11 – Ele seria ótimo
Resende – 13:54:21 – Vai ser definido hj
Resende – 13:54:33 – Fachin não eh ruim mas não eh bom como Barroso
Resende – 13:54:44 – Mas nunca se sabe quem será sorteado
Resende – 13:56:40 – Barroso tinha q entrar nessa briga. Ele não tem rabo preso. Eh uma
oportunidade dele mostrar o trabalho dele. Os outros ministros devem ter ciúmes
dele, pq sabem que ele brilharia na LJ. Ele tem que ser forte e corajoso. Ele
pode pedir p ir p 2 turma e ninguém pode impedi-lo. Vão achar ruim mas
paciência, ele teria feito a parte dele
Dallagnol – 14:11:37 – Ele ficou alijado de todo processo. Ninguém consultou
ele em nenhum momento. Há poréns na visão dele em ir, mas insisti com um pedido
final. É possível, mas improvável.
Dallagnol – 14:30:16 – Mas sua mensagem foi ótima, Caroll
Dallagnol – 14:30:24 – Por favor não comente isso com ninguém
Dallagnol – 14:30:25 – Please
Dallagnol – 14:30:29 – Ele pediu reserva
Resende – 14:30:31 – clarooo, nem se preocupe
Resende – 14:30:45 – só lhe pedi para falar novamente com ele porque isso está sendo
decidido hoje
Dallagnol – 14:30:52 – Foi o tom do meu último peido
Resende – 14:31:18 – vamos rezar para Deus fazer o melhor
Resende – 14:32:22 – mas nosso mentalização aqui é toda em Barroso
Naquele dia, Dallagnol voltou a conversar
com Patrícia Fehrmann, líder do Mude, para dizer que “seria bom se os
movimentos replicassem o post do Luis Flavio Gomes”. Encaminhou, em seguida, um
texto do jurista, que hoje também é deputado federal pelo PSB de São Paulo.
A publicação atacava Mendes, Lewandowski e
Toffoli e afirmava que “comprovar-se-á que o diabo também pode vestir toga” se
a relatoria da Lava Jato caísse com um dos três. Dallagnol instruiu Fehrmann a
procurar o Vem Pra Rua para reproduzir a mensagem, mas pediu anonimato na
sugestão: “só não me citem como origem, para evitar melindrar STF”.
O Mude seguiu a recomendação e logo
compartilhou o texto do jurista. No fim das contas, Fachin foi transferido para
a 2ª Turma e acabou sorteado relator da Lava Jato. Dallagnol comemorou o
resultado em 2 de fevereiro numa conversa com Fabio Oliveira, do Mude: “Fachin
foi coisa de Deus”.
‘UM JEITO ELEGANTE DE
PRESSIONAR RS’
COM A RELATORIA DA LAVA JATO ENTREGUE A
FACHIN, Michel Temer indicou Alexandre de Moraes, então ministro da Justiça,
para a vaga de Zavascki no Supremo. Um ano depois, o ministro tornou-se alvo de
uma investida dos movimentos coordenada por Dallagnol após o Tribunal Regional
Federal da 4ª Região confirmar, em janeiro, a condenação do ex-presidente Lula
no processo do triplex do Guarujá.
Em meio às especulações sobre a provável
prisão do petista, circulou a informação de que o Supremo estudava permitir o
cumprimento da pena só após a condenação ser ratificada Superior Tribunal de
Justiça, a terceira instância. As atenções então voltaram-se para Moraes, o
único no STF que ainda não havia emitido voto sobre o assunto. O entendimento
mais recente do STF sobre a prisão em segunda instância era de fevereiro de
2016, quando a posição prevaleceu por sete votos a quatro em julgamento que
teve a participação de todos os outros ministros — exceto ele.
Três dias após a confirmação da sentença
de Lula, Dallagnol expôs sua preocupação à procuradora Thaméa Danelon:
27 de Janeiro de 2018 – Chat privado
Deltan Dallagnol –
20:41:03 – Tamis, qto à execução provisória, temos que deixar
mais caro pro Alexandre de Moraes mudar de posição
Thaméa Danelon – 20:41:26 – Claro
Danelon – 20:41:31 – O q vc sugere?
Danelon – 20:41:49 – Eu vi q vc replicou um tt de uma
cidadã.
Danelon – 20:41:54 – Vou replicar
Dallagnol – 20:43:56 – Temos que reunir
infos de que no passado apoiava a execução após julgamento de SEGUNDO grau e
passar pros movimentos baterem nisso muito
Dallagnol – 20:44:09 – Deixar cara a
mudança
Danelon – 20:44:16 – Ok. Eu posso passar para os
movimento.
Danelon – 20:44:31 – Para o Vem pra Rua e Nas Ruas
Dallagnol – 20:44:33 – Mostrar que a
mudança beneficia Aécio e PSDbistas do partido a que vinculado
Danelon – 20:44:43 – Ótimo
Danelon – 20:44:58 – Eu lembro q ele se manifestou
favorável a segunda inst
Dallagnol – 20:45:00 – Que vão perder
foro neste ano provavelmente
Danelon – 20:45:06 – Mas não lembro como ele declarou
isso
Em seguida, Dallagnol encaminhou a um
assessor de Comunicação do MPF a troca de mensagens com Thaméa Danelon para
pedir que o profissional ajudasse a buscar material que pudesse constranger o
ministro. O servidor fez algumas ponderações:
27 de Janeiro de 2018 –
Chat privado
Assessor 1 – 21:57:13 – sobre a
estratégia sobre a 2a instância: acho que temos de ser muito cuidadosos.
qualquer manifestação da FT sobre o assunto agora vai ser usada pelo PT e
aliados (de verdade ou de ocasião, como boa parte do MDB) para repetir a
ladainha de que a LJ persegue Lula. isso sem contar a provável reação negativa
(mesmo que não tornada pública) da PGR. alimentar – discretamente – os
movimentos sociais e até a imprensa (como esta informação para o Antagonista)
me parece mais “seguro” do que se manifestar pessoalmente em entrevista, artigo
ou mesmo post.
Assessor 1 – 22:12:47 – neste vídeo, ele
fica bem em cima do muro (a partir de 12 min, mais ou menos): https://www.youtube.com/watch?v=oxoOgBVUzQ4
Deltan Dallagnol – 22:32:39 – CF já
começou a detonar rs
Dallagnol – 22:32:43 – concordo com Vc
Dallagnol – 22:32:51 – hummmm
Dallagnol – 22:32:56 – se tivermos um
vídeo bem claro, será top
Assessor 1 – 22:33:00 – ai, ai, ai… rs
Dallagnol – 22:33:01 – um vídeo
viralizaria
Assessor 1 – 22:33:40 – é exatamente isso
que estou procurando agora, um vídeo.
Dallagnol – 22:35:15 –
Ainda naquele início de madrugada, o
assessor retornou com o vídeo pedido pelo procurador:
28 de Janeiro de 2018 – Chat privado
Assessor 1 – 21:57:13 – [vídeo
não encontrado]
Assessor 1 – 01:48:20 – ele
falou na sabatina do Senado. cortei o vídeo “grosseiramente” para deixar só a
fala sobre execução provisória. não acrescentei legenda, nada, e reduzi a
resolução para viralizar mais fácil… rsrs
Assessor 1 – 01:49:56 – e,
pelo visto, dra Thaméa já acionou o VPR:
Assessor 1 – 01:50:13 – https://www.facebook.com/vemprarua.net/videos/923467331167949/
Assessor 1 – 01:50:13 – Versão
Telegram / WhatsApp [vídeo não encontrado]
Assessor 1 – 01:52:23 – ah,
o vídeo original da TV Senado com a sabatina do Moraes está aqui: https://www.youtube.com/watch?v=ejaXcVrGnAc
Assessor 1 – 02:18:10 – o
trecho sobre execução primária começa aos 3:01:50.
Deltan Dallagnol – 12:55:18 – Shou
Dallagnol – 12:56:12 – Deltan
Top Assessor 1
Dallagnol – 12:58:30 – HAHAHAAH
SENSACIONAL!
Dallagnol – 12:58:39 – Deltan
VC É DEMAIS!!!
No início da tarde daquele dia, Dallagnol chamou a colega do MPF em São Paulo pelo Telegram e a estimulou a abastecer os movimentos com o vídeo:
28 de Janeiro de 2018 – Chat privado
Deltan Dallagnol – 12:57:12 – https://www.facebook.com/vemprarua.net/videos/923467331167949/
Dallagnol – 12:57:12 – Versão Telegram / WhatsApp [vídeo não encontrado]
Thaméa Danelon – 12:57:51 – Vc acha q podemos repassar esses posts?
Danelon – 12:58:56 – Acho q nessa altura do campeonato não haveria problema em
compartilhar posts do VPR né?
Danelon – 12:59:06 – Acho eles bem coerentes e razoáveis
Dallagnol – 12:59:35 – Vc quem vê…. pra nós aqui acho que não é bom
Danelon – 13:00:12 – Entendi. Então, Thiago se ofereceu para ser o
Coordenador de nossa FT aqui
Dallagnol – 13:01:37 – Passa esse vídeo pro VPR e outros movimentos, pra usarem se
acharem bom?
Dallagnol – 13:01:49 – [vídeo não encontrado]
Danelon – 13:01:57 – Ok
Danelon – 13:15:55 – [anexo não encontrado]
Danelon – 13:16:07 – Mande para a Iza, atual líder do VPR em SP
Danelon – 13:17:33 – *mandei
Danelon – 15:50:40 – VPR já fez post com o vídeo!!
Danelon – 15:50:45 – [anexo não encontrado]
Danelon – 15:50:59 – Vc acha q eu posso compartilhar?
Dallagnol – 19:36:59 – Eu evito VPR
Dallagnol – 19:37:34 – Da pra compartilhar dizendo: certamente AM vai votar
pela prisão… não teria razão pra mudar de opinião que tem desde 2009 agora…
Danelon – 19:39:02 – Entendi. Farei isso. Thanks
Danelon – 19:54:49 – Postei. Veja
Danelon – 19:54:55 – [anexo não encontrado]
Dallagnol – 19:59:08 – Ótimo
Danelon – 19:59:23 – Só estou corrigindo o diz por disse
Dallagnol – 20:00:24 – Pois é não vi na sua rimeline
Danelon – 20:00:39 – Eu apaguei. Estou corrigindo
Danelon – 20:02:38 – [anexo não encontrado]
Danelon – 20:03:14 – [áudio não encontrado]
Danelon – 20:03:30 – [áudio não encontrado]
Dallagnol – 20:09:04 – Boa Tamis, acho que é por aí. É uma mensagem que deposita
confiança e ao mesmo tempo empareda
Danelon – 20:09:17 – Sim
Dallagnol – 20:09:21 – Um jeito elegante de pressionar rs
Danelon – 20:10:02 – Valeu pelo RTT
Dallagnol – 20:10:49 – Imagina! Esse vídeo tem que viralizar! Seria bom se fizessem uma
edição bacana pra circular…
Danelon – 20:11:01 – Vou falar pra eles.
Danelon – 20:11:07 – Eles fazem sim
Dallagnol – 20:12:52 – Se puder, assume a sugestão como sua. Quando
menos FTLJ aparecer nisso, melhor.
Danelon – 20:13:07 – Claro!!
Danelon – 20:13:11 – Fique tranquilo
Danelon – 20:13:18 – Nem menciono seu nome!
Dallagnol – 20:13:27 – Talvez tenhamos que entrar nisso (CF já entrou até), mas o que der
pra ficarmos fora, se voar sem a gente, muito melhor
Danelon – 20:13:38 – Tranquilo amigo
Dallagnol – 20:13:40 – Se não vão dizer que é perseguição ao Lula
Danelon – 20:13:45 – Pode deixar q faço o q for preciso
Danelon – 21:22:16 – Os posts estão dando bastante repercussão.
Danelon – 21:23:04 – Mais pra frente vou sugerir aos grupos um tuitaço tipo
#naomudaAlexandre
Se por causa da pressão ou não, certo é
que poucos dias depois, em 6 de fevereiro, Alexandre de Moraes fez o que
Dallagnol, Danelon e o Vem Pra Rua desejavam: votou a favor da execução da pena
do deputado federal João Rodrigues, do PSD de Santa Catarina, que havia tido
uma condenação pela Justiça Federal confirmada em segunda instância.
‘EU JÁ ESTAVA FALANDO COM
OS MOVIMENTOS’
Procuradores – entre eles
Deltan Dallagnol e Thaméa Danelon – festejam a marca de 1,5 milhão de
assinaturas ao projeto de medidas contra a corrupção do Ministério Público
Federal, vistas como autoritárias por críticos
OUTRA ARTICULAÇÃO DE DALLAGNOL não chegou
a ser posta em prática pelos movimentos por falta de tempo. Em 27 de junho de
2017, a Associação Nacional dos Procuradores da República, a ANPR, anunciou a
lista tríplice com os nomes sugeridos pela instituição para substituir o
Procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que deixaria o cargo em setembro
daquele ano. Os procuradores mais votados pelos pares foram, por ordem, Nicolao
Dino, Raquel Dodge e Mario Bonsaglia. Legalmente, a escolha do presidente da
República é livre: ele não é obrigado a indicar o vencedor da eleição ou
qualquer um dos indicados da lista.
Naquele mesmo dia, o chefe da Lava Jato no
Paraná chamou Dino – irmão do governador do Maranhão, Flávio Dino, do PCdoB –
no Telegram e expôs a ele sua preferência e seu plano secreto. “Nicolaaaaaaooooo
PARABÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉNSS. Não conta pra ng, mas vou pedir
pros movimentos sociais fazerem campanha pra ser nomeado o primeiro da lista”.
Dallagnol ainda perguntou se haveria “alguma reserva” à estratégia, mas Dino
não se opôs. “Ok”, respondeu.
O procurador buscou novamente o grupo do
Telegram com os colaboradores mais próximos do Mude. “Caros, Nicolao ganhou.
Ele é a voz anticorrupção. é o primeiro da lista tríplice”, anunciou. “Sem
mencionar minha sugestão, Vcs conseguiriam articular uma campanha para ser
nomeado o primeiro da lista? Ele é o top. Essa campanha não tem legitimidade se
sari da gente. Apenas se sair da sociedade”.
Dallagnol prosseguiu, já na madrugada de
28 de junho:
28 de junho de 2017 – Grupo #Mude
Delta,Fáb,Pat,Had,Mar
Deltan Dallagnol – 00:33:20 – Vcs conseguem articular com VPR e outros uma campanha
pra escolha do mais votado, com hashtag e tal?
Dallagnol – 01:22:17 – Há um risco de Temer querer nomear amanhã mesmo, para evitar essa
pressão… por isso o qto antes, melhor
Patricia Fehrmann – 11:30:25 – Deltan. Estamos tentando articular. As pessoas tem duvidas e ou
estao distantes desse assunto. Mas estamos fomentando.
Dallagnol – 12:26:21 – Se quiser me mandar as dúvidas posso tentar responder
Fehrmann – 12:58:35 – Vc tem alguma materia na mão que ele defenda a lava jato ou q
tenha um pouco do perfil dele?
Naquele dia, o Mude chegou a conclamar
seus seguidores no Facebook a exigirem que Temer respeitasse a lista tríplice.
Mas, talvez por Dino ser irmão de um político do PCdoB, o Vem Pra Rua
limitou-se a noticiar o resultado da eleição da ANPR. De todo modo, a
mobilização foi prejudicada, como temia o coordenador da Lava Jato, porque
Temer selou a indicação de Dodge, a segunda da lista, já no dia seguinte.
O procurador lamentou com a colega Anna
Carolina Resende, de Brasília: “Temer foi esperto. Não nos tempo para nos
articularmos pelo primeiro. Eu já estava falando com os movimentos em favro de
uma campanha”, escreveu o procurador. E acrescentou: “(não comente isso)”.
‘TEMOS QUE CUIDAR PRA NÃO
PARECER PRESSÃO’
EM 22 DE MARÇO DE 2018, o STF concedeu ao
ex-presidente Lula um salvo-conduto para que ele, já condenado em segunda
instância no caso do triplex do Guarujá, não fosse preso até o julgamento de
seu habeas corpus preventivo, marcado para 4 de abril. Grupos contrários e
favoráveis ao petista mobilizaram-se para pressionar o Supremo.
Oito dias depois, Dallagnol anunciou no
grupo de Telegram Parceiros MPF — 10 medidas que ele e a equipe da Lava Jato no
Paraná haviam aderido a um abaixo-assinado restrito a juízes e procuradores a
favor da prisão em segunda instância. Horas mais tarde, o procurador discutiu
com Thaméa Danelon a possibilidade de que também houvesse abaixo-assinados
apresentados pela sociedade, e não apenas por autoridades.
No dia seguinte, Dallagnol fez uma
proposta à procuradora. “Se Vc topar, vou te pedir pra ser laranja em outra
coisa que estou articulando kkkk”. Danelon assentiu, animada, e o chefe da Lava
Jato continuou. “Um abaixo assinado da população, mas isso tb nao pode sair de
nós… o Observatório vai fazer. Mas não comenta com ng, mesmo depois. Tenho que
ficar na sombra e aderir lá pelo segundo dia. No primeiro, ia pedir pra Vc
divulgar nos grupos. Daí o pessoal automaticamente vai postar etc”.
O Observatório Social é uma organização de
atuação nacional sediada em Curitiba que atua, segundo o site, “em favor da
transparência e da qualidade na aplicação dos recursos públicos”. Mantendo
sigilo sobre a articulação, a colega de Dallagnol em São Paulo divulgou o
abaixo-assinado e disse a ele que o Vem Pra Rua fez o mesmo. Em seguida, o
coordenador da Lava Jato compartilhou a petição em seu perfil do Facebook sem
mencionar que estava por trás da iniciativa.
Satisfeito com a repercussão, Dallagnol
escreveu a Danelon: “Temos que cuidar pra não parecer pressão. Se não
estivéssemos na LJ, o tom seria outro kkkkk. Ia chutar o pau da barraca rs.
Depois chutava a barraca e eles todos tb kkk”. A procuradora subiu vários tons.
“Eu colocava todos na barraca e metralhava kkkk”.
‘DELTAN PRECISA VER E
INDICAR NOMES’
UM DOS PRINCIPAIS grupos de pressão
política usado por Dallagnol, o Instituto Mude — Chega de Corrupção começou a
se estruturar no final de março de 2015. Ele surgiu logo após o Ministério
Público Federal ter apresentado as 10 medidas contra a corrupção, o pacote de
mudanças legislativas que a instituição lançou com a intenção de reduzir a
impunidade, prevenir a ocorrência de crimes e facilitar a recuperação de
dinheiro desviado – propostas vistas por críticos como medidas autoritárias.
Em seu livro “A luta contra a corrupção”,
Dallagnol conta que partiu de um dos líderes do Mude a ideia de que as medidas
não fossem entregues diretamente ao Congresso. O plano era articular um projeto
de lei de iniciativa popular, subscrito por um por cento do eleitorado
nacional, o mínimo exigido em lei, o que significa cerca de 1,5 milhão de
assinaturas.
Os principais organizadores do movimento,
com quem Dallagnol tinha um grupo exclusivo no Telegram, são todos membros da
Igreja Batista do Bacacheri, templo evangélico em Curitiba que o procurador
também frequenta.
Dallagnol nunca escondeu sua proximidade
com o grupo. Ele costumava ceder a líderes do Mude espaço em suas palestras
sobre as dez medidas, especialmente as realizadas em igrejas. Os integrantes,
porém, eram apresentados publicamente apenas como membros da sociedade civil
que haviam abraçado o projeto. Mas as conversas mantidas entre eles no Telegram
deixam claro que o procurador coordenava o grupo e acompanhava todos os seus
passos, ainda que desse a eles autonomia para decisões administrativas de menor
porte.
Autor de várias iniciativas de divulgação
das dez medidas, tais como um “ônibus outdoor” destinado a divulgar as
propostas pela região de Curitiba, o Mude passou a ter CNPJ próprio em setembro
de 2016. O objetivo era facilitar, entre outras coisas, a captação de recursos
para suas ações. Em julho daquele ano, quando o grupo estava às voltas com as
últimas burocracias para se formalizar, um dos líderes fez um pedido a uma
colega em um grupo de Telegram composto apenas pela cúpula do movimento.
“coloca aqui como seria a composição da diretoria estatutária e do conselho que
conversamos ? Deltan precisa ver e indicar nomes”.
Em 18 de novembro de 2016, a coluna
Painel, da Folha de S.Paulo, noticiou que Dallagnol havia visitado a redação do
jornal, na capital paulista, acompanhado de Tiago Stachon, vice-presidente de
Planejamento da Opus Múltipla. A agência de publicidade, sediada em Curitiba,
fazia campanha publicitária contratada pelo Mude para divulgar as dez medidas.
Blogs de esquerda exploraram a ligação de
Dallagnol com a empresa a partir dessa nota, o que preocupou a cúpula do Mude.
Em um chat privado com o procurador, Patricia Fehrmann, do Mude, disse que a
diretoria da Opus Múltipla não havia gostado da repercussão do caso e temia que
a agência abandonasse a parceria com o instituto.
Dois dias depois, ela disse a Dallagnol
que a crise com a Opus Múltipla ainda não havia sido resolvida e explicou seu
temor de futuras repercussões: “próxima manchete será “o instituto que o dr
Deltan criou como fachada pra fazer pressão nos deputados” – vão chegar no Mude
por causa da ligação com a Opus, vão procurar o CNPJ, estatuto, vao ver os
nomes e chegam aqui na igreja facil. todos da igreja do Deltan”.
Dallagnol procurou tranquilizá-la.
“Concordo com providências, mas calma rsrs… segura a ansiedade. Se forem fazer
isso, vão fazer de qq modo, fale eu ou não… é o endereço que ficou o da igreja,
não.?”, perguntou. A líder do Mude confirmou. “Já pedimos pra alterar o
endereço. Vai mudar essa semana. Mas o original ficou da igreja”.
‘TEM DE SER DE NAME AND
SHAME NAS REDES’
Protesto realizado no dia
4 de dezembro de 2016 depois que a Câmara aprovou uma versão “desfigurada” do
pacote anticorrupção proposto pelo Ministério Público Federal.
O PROJETO DAS DEZ MEDIDAS CONTRA A
CORRUPÇÃO foi entregue ao Congresso em março de 2016 acompanhado de mais de 2
milhões de assinaturas. O texto passou por uma comissão especial na Câmara e
entrou na fase decisiva em novembro.
No dia 17, quando havia a expectativa de
que fosse votado no colegiado, Dallagnol fez um informe ao grupo Parceiros 10
Medidas MPF assim que soube que a votação não ocorreria naquele dia, por falta
de quórum: “Caros, votação será adiada para terça feira. Agora temos que adotar
uma estratégia forte, de diferentes frentes. Uma delas será colocar 500 pessoas
no Congresso. Já alinhei isso com o MUDE e eles têm capacidade para fazer
isso”, escreveu, pela manhã.
À tarde, após a procuradora Thaméa Danelon
informar que avisara vários grupos alinhados à direita, Dallagnol passou a
traçar estratégias de ação:
17 de Novembro de 2016 –
Grupo 2017 – Parceiros/MPF – 10 Medidas.
Thaméa Danelon – 13:44:49 – Já acionei o VPR,
Nas Ruas, Brasil Melhor, Brasil Livre
Deltan Dallagnol – 13:44:55 – Danilo,
precisamos o quanto antes de uma divisão de tarefas: 1) quem fala com que
veículo de imprensa. Entrevistas serão mais fáceis de emplacar do que artigos.
2) quem fala com que deputado. Era bom dividirmos os deputados da comissão e os
líderes 3) orientação padronizada do conteúdo da abordagem 4) quem tiver
contato com movimentos teria que pedir algo na linha da única linguagem que os
deputados falam: a do voto e próximas eleições. A estratégia dos movimentos tem
de ser de name and shame nas redes sociais. A segunda estratégia é
ligar, tuitar, mandar e-mail… 5) Estou em SP e vou tentar espaço nos jornais
Folha e Estadao, falando com os donos
Danelon – 13:44:56 – Eles vão lotar a Câmara na terça
O relatório foi votado na comissão no dia
23 com um texto que Dallagnol e os demais procuradores acharam aceitável.
Entretanto, uma semana depois, na madrugada de 30 de novembro, o plenário
aprovou o pacote, mas rejeitou quase todos os pontos que os membros que
Dallagnol considerava fundamentais para a efetividade do projeto.
A força-tarefa da Lava Jato protestou
contra a decisão dos deputados, afirmando que o projeto havia sido
“desfigurado”, e protestos em defesa da Lava Jato ocorreram em mais de 200
cidades do país no dia 4 de dezembro – convocados por movimentos como o Vem Pra
Rua e o Mude.
OS DIÁLOGOS QUE EMBASARAM esta reportagem
são parte de um pacote de mensagens que o Intercept começou a revelar em 9 de
junho – série conhecida como Vaza Jato. Os arquivos reúnem chats, fotos, áudios
e documentos de procuradores da Lava Jato compartilhados em vários grupos e
chats privados do aplicativo Telegram. A declaração conjunta dos editores do
The Intercept e do Intercept Brasil (clique para ler o texto completo) explica
os critérios editoriais usados para publicar esses materiais.
A assessoria de imprensa do Ministério
Público Federal do Paraná informou que “é lícito aos procuradores da República
interagir com entidades e movimentos da sociedade civil e estimular a causa de
combate à corrupção”.
Mas o Código de Ética e de Conduta do
Ministério Público da União, assinado em setembro de 2017 pelo então
procurador-geral da República, Rodrigo Janot, diz que é compromisso de conduta
ética dos procuradores “atuar com imparcialidade no desempenho das atribuições
funcionais, não permitindo que convicções de ordem político-partidária,
religiosa ou ideológica afetem sua isenção”.
“O procurador Deltan Dallagnol não lidera
nem integra o Mude, mas apoia o instituto que é apartidário; conhece seus
integrantes e seu compromisso com a causa pública e fez doações, que permitiram
o desenvolvimento de um curso online de cidadania”, informou o MPF. “O
procurador jamais recebeu recursos do Mude. O procurador sugeriu a algumas
pessoas interessadas no trabalho anticorrupção que conhecessem o Mude.”
Apesar disso, o MPF insistiu que “a
força-tarefa da Lava Jato em Curitiba não reconhece as mensagens que têm sido
atribuídas a seus integrantes nas últimas semanas”, e disse que “o site
prejudica o direito de resposta ao não fornecer o material que diz usar na
reportagem”. O Intercept esclarece que jamais envia o conteúdo completo de suas
reportagens previamente a qualquer fonte ou pessoa citada nelas, mas que
oferece, inclusive na série Vaza Jato, a caracterização dos trechos nos quais
são citadas, e que concede ao menos 24 horas para que elas enviem suas
considerações. Além disso, o procurador Deltan Dallagnol recusou um pedido de
entrevista.
Procurado, o Instituto Mude informou que
“o contato com o coordenador da maior operação de combate à corrupção já
realizada no Brasil é natural” e que ele “iniciou-se a partir do conhecimento
da proposta das dez medidas contra a corrupção”.
Apesar disso, alegou que as ações do
movimento “não são ou foram definidas por sugestões de indivíduos ou entidades”
e que “Dallagnol nunca foi integrante ou associado do Instituto Mude, muito
menos fez parte da liderança do movimento” – o que é refutado pelo teor das
mensagens. Sobre elas, o instituto, ecoando as palavras do procurador, diz que
“não há como reconhecer a literalidade”.
O Vem Pra Rua informou que “na campanha a
favor das 10 Medidas Contra a Corrupção buscou parcerias de outros movimentos,
entidades e pessoas alinhadas com seus ideais, mantendo sempre sua autonomia”.
Apesar disso, recusou-se a comentar o conteúdo das mensagens trocadas com
procuradores da República.
A procuradora Thaméa Danelon também foi
consultada, mas preferiu não fazer comentários.
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