De volta ao trono, Sarney vai tentar de todas as formas influir no resultado do julgamento do processo de cassação de Jackson no TSE. Quer devolver o comando do Estado à filha. Quer ter o controle da máquina para eleger Lobão governador, em 2010.
As forças políticas que dão sustentação ao governador, mais uma vez, estão mobilizadas para denunciar o jogo perverso para tentar arrancar o mandato de Jackson. Nesta terça-feira, quando o TSE deve retormar o julgamento do caso, militantes partidários ocuparão a àrea em frente ao palácio dos Leões onde, no final do ano passado, foi montado o acampamento Balaiada. Está marcada concentração na praça Deodoro, às 17h, com passeata rumo aos Leões. Os manifestantes estão preparados para ocupar o Palácio por tempo indeterminado, caso o desfecho do julgamento seja desfavorável ao governo. Sarney não vai conseguir arrancar Jackson facilmente do poder.
É momento de reavivar-se na memória do povo acontecimentos não muito distantes que mostraram para todo o Brasil a verdadeira face do sarneysismo no Maranhão. Para relembrar, publicamos a íntegra de uma matéria de capa da Veja, no auge do "Escândalo Lunus", que levou Roseana a desistir de suas pretensões de chegar à Presidência.
Depois de todas as explicações que
não convenceram, Roseana diz ao
PFL que está fora do jogo da sucessão
Maurício Lima, Alexandre Oltramari
e Policarpo Junior
| Gustavo Miranda |
| Roseana, na hora difícil: pressões sobre o dinheiro da Lunus e queda nas pesquisas |
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O erro fundamental da ex-governadora Roseana Sarney e de seu marido, Jorge Murad, pode ter sido produto de uma miragem. Roseana é filha de um ex-governador maranhense e ex-presidente da República, José Sarney, que domina a política local há quatro décadas e dispõe da mais poderosa máquina de comunicação do Estado, que se estende aos campos da televisão, do rádio e do jornal. Jorge Murad é filho de uma rica família maranhense e atua nos bastidores do poder desde que o sogro foi presidente da República. No Maranhão, Jorge Murad foi nomeado pela mulher o homem forte do governo, uma espécie de supersecretário de Estado, com o domínio da quase totalidade das verbas públicas. Murad se meteu em muitos negócios, seus amigos e parentes eram prestadores de serviços ao governo e as autoridades suspeitam que ele possa ter se envolvido com as fraudes da Sudam. O casal sempre se comportou com tranqüilidade olímpica em relação ao que pensariam disso os maranhenses, bombardeados com a cobertura favorável ao governo por parte dos órgãos de comunicação da família. Quando Roseana resolveu candidatar-se a presidente da República, faltou-lhe a percepção de que o comportamento que era assimilado em sua capitania hereditária não seria aceitável no resto do Brasil. Na semana passada, sua candidatura se tornou insustentável.
Há mais de um mês, numa batida autorizada pela Justiça, foi encontrado 1,34 milhão de reais no cofre da Lunus, empresa de Jorge Murad em associação com Roseana Sarney, além de vários documentos comprometedores. O casal arranjou sete versões para explicar a origem do dinheiro, e cada uma se despedaçou horas depois da divulgação. Na semana passada, eles saíram com a oitava versão – e esta foi a pá de cal sobre as ambições presidenciais de Roseana. Durante mais de um mês apresentaram suas explicações como se bastasse ter um documento qualquer assinado por alguém para justificar qualquer coisa. Num primeiro momento, o dinheiro era da própria empresa Lunus. Depois, pertenceria a outra companhia e estava apenas guardado no cofre da Lunus. Em seguida, seria reserva financeira para comprar madeira de construção. E, mais adiante, já se transformaria em resultado da venda de chalés numa praia de turismo. Como nenhuma versão mereceu crédito, saiu a oitava na semana passada. A dinheirama, conforme a explicação dos advogados de Jorge Murad e Roseana Sarney, teria sido doada à campanha presidencial da candidata. Detalhe: todos os doadores eram parentes da família ou pessoas ligadas ao senador José Sarney por laços políticos. Essa ninguém engoliu. Até mesmo setores do PFL receberam o documento com desconfiança. "Só considero convincente depois que a lista for examinada pelo Ministério Público e pela Polícia Federal, para saber se os doadores de fato contribuíram. Só apresentar a lista não é suficiente", disse o ex-senador Antonio Carlos Magalhães, do PFL baiano. A tentativa de convencer o país com uma história tão frágil funcionou contra seus arquitetos. A reação do país foi imediata e fraturou a candidatura da ex-governadora, que já vinha afundando desde a publicação da foto dos maços de 50 reais apreendidos no escritório da Lunus.
Na quinta-feira passada, a candidata rendeu-se às evidências e comunicou ao PFL que está fora da corrida presidencial. Abalada ainda com as denúncias de envolvimento de sua empresa no festival de fraudes da Sudam, e em queda livre nas pesquisas, ela preferiu candidatar-se ao Senado e desistiu de concorrer ao Palácio do Planalto. Na conversa que teve na quinta-feira pela manhã com o presidente do partido, Jorge Bornhausen, o grande entusiasta de sua candidatura, a ex-governadora se disse cansada das pressões e entregou seu destino nas mãos do PFL. Por ela, pretendia sair do páreo sucessório naquele dia mesmo, mas foi convencida a esperar um pouco mais para definir a maneira pela qual sua desistência seria anunciada. Na sexta-feira, os cardeais do PFL se reuniram em São Paulo. Discutiram a possibilidade de segurar a candidatura um pouco mais, até maio talvez, pelo menos para usá-la como capital político numa negociação de aliança. Depois de mais de duas horas de análise, os pefelistas chegaram à conclusão de que nem isso era mais possível. Em seguida, o PFL entregou de volta a Roseana a decisão sobre o melhor momento para ela se retirar.
Campanha de cervejaria – Sua trajetória foi fulminante. Até oito meses atrás, Roseana Sarney era uma figura nacionalmente inexpressiva, popularíssima apenas no Maranhão. Desde então, passou a estrelar os comerciais eleitorais do PFL, numa campanha televisiva digna de cervejaria, tais o alcance e o investimento, e acabou se transformando no fenômeno eleitoral da temporada. Chegou a ameaçar a liderança do petista Luís Inácio Lula da Silva e, em simulações de segundo turno, vencia qualquer oponente, inclusive Lula. Em março, porém, começou o desmanche. Apareceu o dinheiro da Lunus, emoldurado pela imagem das 26.800 notas de 50 reais empilhadas, e teve início a sucessão inacreditável de versões contraditórias para explicar a dinheirama – num sinal eloqüente de que a verdade era a única coisa que não podia vir a público. De lá para cá, Roseana só caiu nas pesquisas. Com ela desabou o sonho pefelista de, pela primeira vez, empalmar o poder com nome próprio, e não pendurado em alianças partidárias.
| Ana Araujo |
| A Usimar, que não saiu do papel: ação de Murad foi mais intensa do que se sabia |
À cúpula do PFL resta agora estudar o rumo que vai tomar. Há uma parcela do partido, minoritária, que gostaria de cair nos braços da candidatura de José Serra, o tucano que está em segundo lugar nas pesquisas, com 19% das intenções de voto, atrás apenas de Lula, que tem 31% da preferência do eleitorado, segundo pesquisa do instituto Datafolha. A maioria do PFL, no entanto, acha que se aliar a Serra, a quem atribuem o desmonte da candidatura de Roseana, equivaleria a uma rendição incondicional e humilhante. Outra corrente da legenda, cujo maior expoente é o ex-senador Antonio Carlos Magalhães, prefere aliar-se a Ciro Gomes, do PPS, que está em quinto lugar nas pesquisas, com 10%. O problema, aí, é de identidade ideológica: o PPS é a reencarnação do antigo Partido Comunista Brasileiro e suas idéias não têm semelhança alguma com as do PFL. A terceira corrente, rendida ao insucesso do partido, defende não ter candidato oficial à Presidência da República.
Sem cerimônia – Na semana passada, o primeiro sinal de que o casal Roseana e Murad poderia estar imaginando que o Brasil era igual ao Maranhão veio do Palácio dos Leões, sede do governo maranhense. Soube-se ali que Jorge Murad voltara a integrar o primeiro escalão do governo, apenas um mês depois de sua renúncia. Quando deixou o cargo, pressionado pela dinheirama na Lunus, Murad explicou que, por iniciativa pessoal e sem o conhecimento de sua mulher, arrecadara fundos para bancar despesas de pré-campanha – esta foi sua sétima versão para a origem do dinheiro. Na ocasião, disse que estava se demitindo para "evitar mais constrangimentos" e aproveitou para fazer "sinceros pedidos de desculpa a todas as pessoas, inclusive à governadora e a seu partido". Agora, sem que nada se tenha esclarecido, Murad voltou ao poder, no posto de secretário de Estado do novo governador, José Reinaldo, sem constrangimento, sem desculpas – e sem cerimônia. Seu retorno ao governo teve um objetivo escancarado: recuperar o direito de ser processado por tribunal superior, regalia dada a ocupantes de cargos como o seu.
Parece ter razões para se preocupar. Na semana passada, procuradores da República examinaram uma parte dos documentos apreendidos na Lunus. A análise, ainda parcial, já revela que a participação de Murad no caso Usimar, a megafraude que previa a liberação de 1,38 bilhão de reais em recursos públicos para montar uma indústria de autopeças no Maranhão, foi mais intensa do que se sabia até agora. Entre os papéis apreendidos na Lunus, há um em que se lêem rabiscos fazendo acréscimos e supressões no projeto original da Usimar. Conforme avaliação de um dos procuradores envolvidos com o caso, trata-se da caligrafia de Jorge Murad. Numa das intervenções manuscritas, o autor das emendas tomou o cuidado inclusive de reduzir o valor para investimento na Usimar de 1,8 para 1,38 bilhão de reais.
| Dida Sampaio/AE |
| O deputado Inocêncio Oliveira: um dos primeiros a dizer que o barco ia afundar |
Existem outros indícios pesadíssimos. A Polícia Federal apreendeu na Lunus um fax enviado a Murad por um funcionário da Sudam. Na correspondência, o funcionário avisa Murad de que um auditor da Receita Federal estava prestes a ganhar um assento no conselho da Sudam no Maranhão – e ressalta que isso não é bom sinal para a aprovação do projeto da Usimar. O funcionário também explica que o tal auditor já trabalhara no Amazonas, onde sua atuação honesta chegou a atrapalhar a execução de certos trambiques, obstáculo só removido com a intervenção do governador do Estado, Amazonino Mendes. O auditor que tanto preocupava o funcionário da Sudam e Murad vem a ser José Barroso Tostes Neto, que realmente passou a integrar o conselho da Sudam no Maranhão e, de fato, foi o único voto contra a aprovação da fraude da Usimar. Aparentemente, Murad não fez nada para impedir que Tostes integrasse o conselho da Sudam, mas sabe-se que fez de tudo, embora em vão, para convencê-lo a aprovar a megafraude da Usimar.
"Poupança caseira" – Foi na terça-feira passada que chegou à Justiça, em Brasília, a explicação de Roseana e Murad sobre a origem da quantia de 1,34 milhão de reais encontrada na Lunus. Eles informaram que o dinheiro é resultado da doação espontânea de nove pessoas físicas. Na hora de identificar os doadores, descobriu-se que a lista era caseira. Fernando Sarney, o irmão de Roseana responsável pela administração dos negócios da família, aparece contribuindo com 150.000 reais. Dois tios de Murad deram 100.000 reais cada um. Emílio, um irmão de Murad que hoje mora nos Estados Unidos, também compareceu com 100.000 reais. O próprio Jorge Murad, sem o conhecimento de sua mulher, doou 200.000 reais. João Claudino, dono de um conglomerado de dezesseis empresas, inclusive da construtora Sucesso, uma das mais ativas nas obras públicas do Maranhão, é o campeão da lista, com 300.000 reais.
| Ana Araujo | Joedson Alves/AE |
| O ex-senador Antonio Carlos Magalhães e o senador José Sarney, pai de Roseana: mesmo dentro do PFL a lista dos doadores, com amigos e parentes, foi vista com aberta desconfiança | |
Fora do âmbito familiar, a lista traz nomes de políticos amigos. O senador Edison Lobão escalou o prefeito de Altamira do Maranhão, Rosalino Lima e Silva, um próspero fazendeiro da região, para entrar com uma cota de 100.000 reais. Hildon Marques, candidato a deputado federal pelo PFL maranhense e dono de uma rede de lojas de varejo, deu 150.000 reais, mas, com receio de prejudicar a própria candidatura, preferiu que a doação figurasse em nome de seu diretor comercial, Roberto Casemiro Dias. Outro senador maranhense, João Alberto, acionou seu irmão, Antônio Klinger de Sousa, que entrou na roda com 150.000 reais. O senador conta que ele próprio convenceu o irmão a fazer a contribuição. "Eu mesmo peguei o dinheiro numa pasta e entreguei ao Jorge", diz. Como seu irmão, aposentado como fiscal tributário, tinha tanto dinheiro? "Ele tem economias de toda uma vida de trabalho", diz o senador. E sacou em que banco? "Em nenhum. Ele guarda o dinheiro em casa." Como assim? "É. Poupança caseira. A poupança hoje não está rendendo nada, meu filho. Além disso, guardar dinheiro em casa é uma forma de se proteger de um confisco."
Generosos e milionários - A história é um espanto por seus furos óbvios. Por que todos os doadores acharam que o cofre da Lunus, uma empresa instalada num prédio onde a vigilância é amadora, era mais seguro que o cofre de um banco? Por que Murad, em vez de ir sacando o dinheiro conforme as necessidades de campanha, preferiu pegar a bolada de 200.000 reais em dinheiro vivo e metê-la num cofre? Por que o PFL não doou nada? Afinal, neste ano o partido tem 17 milhões de reais do fundo partidário.
–. Além disso, todos os doadores de Roseana são generosos além do normal – e sempre milionários. Antes de Roseana, não se tinha notícia de pessoas físicas fazendo contribuições eleitorais tão elevadas. Em 1998, o candidato à reeleição, Fernando Henrique Cardoso, recebeu dinheiro de 2.058 colaboradores em todo o país, segundo a prestação de contas oficial entregue ao Tribunal Superior Eleitoral. Na lista, havia 294 empresas e 1.764 pessoas. Entre estas, a maior contribuição foi feita pelo banqueiro Walther Moreira Salles, dono do Unibanco, um dos maiores bancos do país. O banqueiro deu 150.000 reais. Os outros três grandes doadores de Fernando Henrique ajudaram com 70 000 reais. Na prestação de contas de Luís Inácio Lula da Silva, constata-se que nenhuma das 5.271 pessoas que fizeram doações a ele em 1998 desembolsou quantias tão volumosas quanto os aliados da ex-governadora.
Além de generosos, os aliados de Roseana são sempre milionários. Pela lei, uma pessoa pode fazer contribuições eleitorais correspondentes, no máximo, a 10% de sua renda bruta no ano anterior à eleição. Por essa matemática, fica-se sabendo que Murad, com seus 200.000 reais de ajuda, ganhou, pelo menos, 2 milhões de reais em 2001, o que resulta numa renda pessoal mensal espetacular, de 165.000 reais. O empresário João Claudino, que desembolsou 300.000 reais, teve renda pessoal de 3 milhões de reais no ano passado, ou 250.000 reais por mês. É uma fortuna, mesmo para um grande empresário com direito à retirada de dinheiro de suas companhias. O empresário gaúcho Paulo Vellinho, sócio da Avipal, uma das maiores produtoras de frango do país, acha raríssimo que alguém possa retirar tanto dinheiro da empresa. "Os principais empresários do Rio Grande do Sul fazem retiradas mensais de, no máximo, 50.000 reais. No restante do país, as retiradas não são muito diferentes disso", afirma Vellinho.
Roseana e Murad começaram a cair no momento em que foram expostos à realidade – e a campanha não podia mais transcorrer nos limites de um estúdio de televisão onde se gravavam os comerciais eleitorais. Em contato com a vida real, o casal exibiu um comportamento que não cabe mais no Brasil. Aparentemente, eles entenderam que bastava um papelucho qualquer, uma declaração vigorosa de alguma autoridade – e a massa de eleitores estaria convencida. Com o domínio absoluto dos meios de comunicação no Maranhão, basta ao clã dos Sarney criar uma versão e divulgá-la à exaustão nos limites do Estado para que sua posição fique estabelecida. Basta dar a qualquer história apenas uma aparência de formalidade e legalidade. Habituado a isso, a esse modo de ser, de pensar e de agir, o casal Roseana e Murad julgou que poderia trabalhar no plano nacional nos mesmos moldes em que trabalha no Estado. Filhos de uma oligarquia política e eletrônica, eles contaram com esse imenso poder familiar para crescer – e justamente os hábitos de oligarcas, que lidam com a opinião pública como curral, é o que acabou por derrotá-los.
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