‘Estado’ fez levantamento de autoridades públicas
citadas em 200 inquéritos e identificou que mesmo nos casos em que não já
segredo de Justiça só as iniciais são divulgadas, escondendo os nomes.
Felipe Recondo, de O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA - O Supremo Tribunal Federal (STF) mantém em
sigilo a identidade de 152 autoridades suspeitas de cometer crimes. Um
procedimento adotado no ano passado como exceção, que visava a proteger as
investigações, acabou tornando-se regra e passou a blindar deputados, senadores
e ministros de Estado. Levantamento feito pelo Estado em aproximadamente 200
inquéritos mostrou que os nomes dos investigados são ocultados.
Apenas suas iniciais são expressas, mesmo que o
processo não tramite em segredo de Justiça, o que torna praticamente impossível
descobrir quem está sendo alvo de investigação. O Estado já havia revelado, em
dezembro do ano passado, a adoção dessa prática no STF.
O inquérito aberto contra a deputada Jaqueline Roriz
(PMN-DF), flagrada recebendo dinheiro do esquema do mensalão do DEM no Distrito
Federal, aparece no site do Supremo apenas com as iniciais da parlamentar: JMR
(Jaqueline Maria Roriz). Outros seis inquéritos trazem as iniciais L.L.F.F. Só
foi possível identificar que o investigado era o senador Lindbergh Farias
(PT-RJ) porque outra investigação com a mesma sigla foi levada ao plenário do
tribunal recentemente.
Em outros casos, é possível inferir quem é o
investigado por meio de uma pesquisa. Sabendo que a investigação foi aberta em
um Estado específico, é necessário cruzar as iniciais com todos os nomes de
deputados e senadores eleitos por esse mesmo Estado. Por esse procedimento é
possível inferir que um inquérito aberto contra L.H.S. em Santa Catarina
envolve o senador Luiz Henrique da Silveira (PMDB-SC). Nesse caso, o Estado
confirmou que se trata efetivamente do parlamentar e ex-governador catarinense.
Mas na maioria das vezes essa pesquisa não é suficiente para saber quem está
sob investigação no Supremo.
Proteção. A regra de identificar os investigados no
STF apenas pelas iniciais foi baixada pelo presidente do tribunal, ministro
Cezar Peluso, no fim do ano passado. A inovação tinha por objetivo proteger
investigações que poderiam correr em segredo de Justiça. Esse procedimento está
amparado no regimento interno do STF. Não se aplica aos demais tribunais.
Pela regra, o ministro que for sorteado para relatar
a investigação analisa se o processo deve ou não correr em segredo de Justiça.
Se concluir que não há motivos para o sigilo, as iniciais serão tiradas e o
nome completo será publicado no site.
O levantamento nos mais de 200 inquéritos mostrou que
apenas o ministro Celso de Mello tem como padrão tirar essa proteção a
investigados com foro privilegiado. Ele já tem despacho padrão para esses casos
e é a primeira providência que adota quando o processo chega a suas mãos.
O primeiro desses despachos foi dado no processo que
envolve o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Ari Pargendler,
acusado de injúria por um ex-estagiário do STJ. Na decisão, Celso de Mello
afirma que o sigilo e o tratamento diferenciado a essas autoridades são
incompatíveis com o princípio republicano: "Cabe acentuar, desde logo, que
nada deve justificar, em princípio, a tramitação, em regime de sigilo, de
qualquer procedimento que tenha curso em juízo, pois, na matéria, deve
prevalecer a cláusula da publicidade".
"Não custa rememorar, tal como sempre tenho
assinalado nesta Suprema Corte, que os estatutos do poder, numa República
fundada em bases democráticas, não podem privilegiar o mistério",
acrescentou.
Crítico do procedimento criado por Peluso, o ministro
Marco Aurélio Mello também retirou esse segredo em três dos processos que
estavam em seu gabinete.
Num deles, ressaltou ser "princípio básico, na
administração pública, a publicidade dos atos". E lembrou que o processo,
antes de o investigado se tornar deputado, tramitou em outro tribunal sem esse
sigilo. Por isso, mandou que fosse retificada a autuação para que constasse o
nome inteiro do deputado Fernando Jordão (PMDB-RJ). No entanto, apesar de ter
alterado alguns dos inquéritos que estão sob sua relatoria, Marco Aurélio ainda
cuida de alguns que trazem apenas as iniciais dos nomes dos investigados.
Os demais ministros do Supremo não alteram a autuação
dos inquéritos. Por isso, praticamente todos os procedimentos que chegaram ao
STF nos últimos meses tramitam sem que se possa saber quem está sendo
investigado.
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