Reportagem simulou licitações com quatro
fornecedoras do governo federal.
Do G1, em São Paulo
“O
mercado pratica 10%. É o normal, é o praxe. Aí tem uma negociação melhorzinha e
faz pra 15%". A frase acima mostra como funciona o esquema de propina que
acontece na saúde pública brasileira entre empresários e funcionários públicos.
O repórter do Fantástico trabalhou disfarçado por dois meses como responsável
pelo setor de compras do hospital de pediatria da Universidade Federal do Rio
de Janeiro (UFRJ). Ele mostra como é feito a oferta de suborno para fraudar
licitações de saúde pública.
Três das empresas envolvidas são
investigadas pelo Ministério Público por diferentes irregularidades. E, mesmo
assim, receberam juntas R$ 500 milhões só em contratos feitos com verbas
públicas.
Uma licitação correta termina com a
abertura dos envelopes das propostas para se saber quem é o vencedor. Em uma
licitação fraudada, os envelopes acabam lacrados, porque já se sabe quem vai
levar. A propina chega a atingir milhares de reais.
A Toesa Service, uma locadora de
veículos, foi convidada para a licitação de aluguel de quatro ambulâncias.
“Cinco. Cinco por cento. Quanto você quer?”, pergunta de imediato o gerente
Cassiano Lima. Falando em um código em que a palavra "camisas" se
refere à porcentagem desviada, ele aumenta a propina. “Dez camisa [sic], então?
Dez camisa?".
David Gomes, presidente do conselho da
Toesa, garante que o golpe é seguro e, o pagamento, é realizado em dinheiro ou
até mesmo em caixas de uísque e vinho. A Toesa ganharia R$ 1.680 milhão pelo
contrato.
"Eu vou colocar o meu custo, você
vai falar assim: ‘Bota tantos por cento’. A margem, hoje em dia, fica entre 15
e 20", explicam Carlos Alberto Silva e Carlos Sarres, diretor e gerente da
Locanty Soluções e Qualidade, convidada para a licitação de coleta de lixo
hospitalar. "Nós temos hoje, aproximadamente, três mil clientes nessa área
de coleta", afirmam.
A lei brasileira prevê concorrência
mesmo em licitações feitas em regime emergencial, mas isso não inibe o desvio
de dinheiro público. As fornecedoras agem em conjunto e aquelas que fazem parte
do esquema entram com orçamentos mais altos que o da primeira empresa nas
licitações. Entram para perder.
"Eu faço isso direto. Tem
concorrência que eu nem sei que estou participando!", comenta Renata
Cavas, gerente da Rufolo Serviços Técnicos e Construções, empresa chamada para
a licitação de contratação de mão de obra para jardinagem, limpeza, vigilância
e outros serviços que ganharia R$ 5.200.000 se a licitação tivesse existido.
O dinheiro do suborno é espalhado por
vários itens da proposta vencedora. Assim, a fraude fica escondida da
fiscalização. Jorge Figueiredo, representante comercial da Bella Vista
Refeições Industriais, explica como funciona.
"Tem gente que não conhece alimentação
e diz assim: 'Figueiredo, eu quero 30%.' Isso não existe em alimentação. Em
alimentação, nós temos que considerar a quantidade diária, colocar mais um
valor ali em cima, que no montante do mês a coisa vai crescer. Então o que eu
vou fazer? Eu vou te apresentar os preços e você vai dizer: 'Figueiredo, tu vai
botar mais xis aí em cima.' Deu para entender? Está claro?", continua.
O dono da Rufolo diz à reportagem, que
está acostumado a fraudar licitações, e a
gerente Renata comenta que o fraude nas licitações é "ética de
mercado". "No mercado, a gente vive nisso. Eu falo contigo que eu
trago as pessoas corretas. Eu não quero vigarista, não quero nunca".
Nenhum comentário:
Postar um comentário