Ação da Promotoria sustenta que 'crimes
permanentes' não são abrangidos pela Lei da Anistia
Mariângela Gallucci, de O Estado de S.
Paulo
BRASÍLIA - O Ministério Público Federal
vai denunciar nesta terça-feira, 13, na Justiça Federal em Marabá o coronel da
reserva do Exército Sebastião Curió Rodrigues de Moura pelo crime de sequestro
qualificado de cinco pessoas na Guerrilha do Araguaia. Curió comandou as tropas
que atuaram na região em 1974, época dos desaparecimentos de Maria Célia Corrêa
(Rosinha), Hélio Luiz Navarro Magalhães (Edinho), Daniel Ribeiro Callado
(Doca), Antônio de Pádua Costa (Piauí) e Telma Regina Corrêa (Lia).
Em entrevista concedida na
segunda-feira, 12, em Brasília, quatro procuradores da República envolvidos na
investigação sustentaram que mesmo após 38 anos da guerrilha é possível
responsabilizar Curió pelo sumiço dos militantes. De acordo com eles, o que
ocorreu no caso foi um sequestro, crime que tem caráter permanente já que as
vítimas continuam desaparecidas.
Por causa desse caráter permanente,
segundo os procuradores, é possível denunciar Curió mesmo depois de o Supremo
Tribunal Federal (STF) ter reconhecido em 2010 a validade ampla, geral e
irrestrita da Lei de Anistia. Promulgada em 1979, a lei anistiou pessoas
punidas por ações contra a ditadura e, conforme a interpretação estabelecida na
época, agentes do Estado acusados de violações a direitos humanos. A tese é
polêmica e deverá chegar ao STF.
Os procuradores também afirmam que a lei
anistiou os crimes praticados até 15 de agosto de 1979. No entanto, segundo
eles, o crime de sequestro ainda persiste e, portanto, não a lei não beneficiou
Curió. "O fato concreto e suficiente é que após a privação da liberdade
das vítimas, ainda não se sabe o paradeiro de tais pessoas e tampouco foram
encontrados seus restos mortais", argumentam os procuradores.
"Por se tratar de crimes
permanentes, cuja consumação encontra-se em curso, algo precisava ser
feito", afirmou o procurador Tiago Modesto Rabelo, um dos autores da
denúncia. Os procuradores também citaram decisões recentes do STF que
autorizaram a extradição de militares argentinos acusados do mesmo crime
durante a ditadura naquele país.
A denúncia que será entregue nesta
terça-feira é baseada principalmente em provas testemunhais, como relatos de
que as vítimas teriam sido capturadas, levadas para a base militar, colocadas
em helicópteros e nunca mais vistas. Também foram descritos maus tratos que
teriam sido praticados nas bases militares comandadas por Curió.
"As violentas condutas de
sequestrar, agredir e executar opositores do regime governamental militar,
apesar de praticadas sob o pretexto de consubstanciarem medidas para
restabelecer a paz nacional, consistiram em atos nitidamente criminosos, atentatórios
aos direitos humanos e à ordem jurídica", sustenta o Ministério Público
Federal.
A denúncia contra Curió é a primeira
apresentada pelos procuradores. No entanto, os integrantes do Ministério
Público afirmaram que outras investigações estão em curso e que se forem
encontradas provas suficientes novas acusações poderão ser feitas.
Em 2009, o Estado publicou reportagem
sobre os arquivos de Curió a respeito da Guerrilha do Araguaia. Guardados numa
mala de couro até então há 34 anos, os documentos confirmavam a execução de
críticos da ditadura em bases militares localizadas na Amazônia.
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