domingo, 9 de dezembro de 2012

Dom Casaldáliga está marcado para morrer


O Globo

SÃO PAULO - Aumentaram as ameaças contra Dom Pedro Casaldáliga, 84 anos, bispo emérito de São Félix do Araguaia, depois que a Justiça derrubou dois recursos que tentavam adiar a retirada de não índios da Terra Indígena (TI) Marãiwatsédé, no Mato Grosso. A decisão foi tomada pelo juiz federal Marllon de Souza, que considerou que os recursos tinham “caráter eminentemente procrastinatório”. Na última sexta-feira, o bispo foi escoltado pela Polícia Federal de sua casa até o aeroporto.

Segundo Luís Gouveia de Paula, da Prelazia de São Félix do Xingu, a iniciativa da escolta foi da própria Polícia Federal que soube que o bispo iria viajar para Goiás para participar da festa dos 90 anos do bispo Dom Tomás Balduíno, bispo-emérito de Goiás e assessor da Comissão Pastoral da Terra. Dom Pedro viajou num avião fretado pela Prelazia.

– Não foi pedida escolta alguma, mas a Polícia Federal tomou iniciativa de escoltá-lo por medida de segurança, Há cerca de cinco dias, num bar da cidade, um homem havia feito uma ameaça pública: disse que Dom Pedro Casaldáliga não passaria desta semana – afirmou Luís.

Apesar disso, Cleber César Buzatto, secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), negou que Dom Pedro Casaldáliga tenha deixado São Félix do Araguaia devido às ameaças que vem sofrendo. Segundo ele, o bispo viajou apenas para participar da festa de Dom Tomás Balduíno. A Prelazia de São Félix do Xingu não soube informar quando Dom Pedro retornará para casa e explicou que ele encontra-se com a saúde fragilizada, em função do Mal de Parkinson.

– Ele não está sob proteção da Polícia Federal e nem aceitaria este tipo de coisa – afirmou Gilberto Vieira dos Santos, coordenador do Cimi no Mato Grosso.

As ameaças ao bispo têm sido constantes. Em novembro, depois do bloqueio da BR-158 e de um protesto dos ocupantes da Terra Indígena em Brasília, líderes do movimento contra a demarcação passaram a dizer que a demarcação das terras só inclui a área ocupada por plantações porque o bispo havia influenciado o processo, incitando os invasores contra o religioso.

O início do processo de desocupação, que será feito por etapas, está previsto para esta segunda-feira. A TI tem 165.241 hectares e pertence ao povo xavante, mas apenas 20 mil hectares são de fato ocupados pelos índios. O restante são propriedades de criação de gado ou plantações de soja e arroz. A homologação da área ocorreu em 1998, mas desde então vem sendo alvo de vários recursos judiciais por parte dos ocupantes. Em outubro passado, o Supremo Tribunal Federal determinou a saída deles, mas outros recursos foram apresentados à Justiça.

Segundo o Ministério Público Federal, uma equipe de desintrusão ajudará na saída das famílias que optaram por cumprir a notificação judicial e sair voluntariamente, mas pediram ajuda para retirar seus pertences e mobiliário. A área a ser desocupada foi dividida em quatro setores e a equipe de trabalho começará nas propriedades de grande porte e menos povoadas para, posteriormente, seguir para as áreas com maior concentração de pessoas. O Incra montou uma base de apoio para cadastrar trabalhadores para o programa de reforma agrária e dá orientações para cadastramento em programas sociais, como o bolsa família.

Segundo Gilberto Santos, os índios estão com medo e evitam circular fora das aldeias. No último dia 3 de novembro, um xavante foi abordado no município de Água Boa, quando retornava de atendimento médico. Um homem perguntou a ele se era filho do cacique. O rapaz negou. Na estrada, o indígena percebeu que estava sendo seguido por dois carros e reconheceu alguns de seus ocupantes como sendo do grupo de invasores da TI Marãiwatsédé. Na tentativa de escapar do grupo, ele capotou o veículo que dirigia a cerca de 3 km da aldeia. Foi ajudado por caminhoneiros e conseguiu chegar em casa. O carro capotado foi encontrado incendiado. Produtores rurais chegaram a bloquear a BR-158 na altura de Alto Boa Vista e realizaram protesto em Brasília para pedir a suspensão da decisão judicial que determinou a retirada deles.

A reunião para programar a desocupação da TI, realizada na semana passada, foi coordenada pela procuradora Marcia Brandão Zollinger (MPF-MT) e participaram representantes da Funai, Incra, Secretaria Nacional de Articulação Social da Presidência da República, Polícia Federal, Ibama, Advocacia Geral da União e Ministério do Trabalho e Emprego.

Marãiwatsédé começou a ser ocupada na década de 50. O povo xavante foi retirado do local por aviões do Exército e levados para outra região do Mato Grosso, 400 km da área original, onde muitos morreram vítimas de epidemia de sarampo. O atual cacique Damião Padridzane era um garoto quando, em 1966, foi retirado de sua terra, ao lado de toda a família, num avião da Força Aérea Brasileira (FAB), para instalação do projeto Suiá Missu. O projeto foi repassado à italiana Agip que, durante a Eco 92, no Rio, destinou os 165 mil hectares para os xavante.

Dom Pedro Casaldáliga foi nomeado bispo em 1971 e enviado para a Prelazia de São Félix. Ali, ele conheceu a história dos índios que estavam sendo retirados de suas terras por grandes projetos agropecuários financiados pelo governo, por meio da antiga Sudam. No mesmo ano ele fez também uma Carta Aberta enunciando os problemas também dos trabalhadores rurais. Ele ajudou a criar o Cimi e o Conselho Pastoral da Terra (CPT). Criticado por bispos conservadores e por militares, Dom Pedro Casaldáliga chegou a ser ameaçado a ter de sair do Brasil. O então Papa João Paulo VI teria mandado recado que não aceitaria sua expulsão

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