Myrian Abicair assume romance trinta
anos depois e diz que viveu entre Rio, SP e Brasília.
"Eu não participava da sua vida. Eu era
uma alienada política. De político mesmo, eu só convivia com o governador do
Maranhão, João Castelo, a quem conheci antes do Figueiredo. Meu marido e eu
tínhamos empreendimentos no Maranhão."
Jorge Bastos Moreno/O Globo

Myrian Abicair e o então presidente Figueiredo: romance teve início
Jorge Bastos Moreno/O Globo
Myrian Abicair e o então presidente Figueiredo: romance teve início
depois de encontro em festa Divulgação
BRASÍLIA - Era a sua noite de gala. A
empresária atravessa o salão solenemente em direção ao convidado especial da
inauguração de mais um de seus empreendimentos: Sua Excelência o presidente da
República Federativa do Brasil. Até chegar ao lugar onde estava o presidente, a
belíssima anfitriã percorreu 35 metros contados, passando por políticos,
empresários, artistas, um batalhão de fotógrafos e uma dezena de colunistas
sociais do país inteiro.
Para chegar, finalmente, ao destino,
teria a empresária que atravessar a piscina. Pretendia fazê-lo com seus passos
de bailarina. Mas acabou fazendo a nado. Como? Isso mesmo! Quando estava já a
poucos metros do homem por quem se apaixonaria ainda naquela noite, a anfitriã
foi empurrada para dentro da piscina, por uma impertinente e desagradável
brincadeira de uma amiga, já bêbada. O presidente até que insinuou um
salvamento, mas foi contido pelos seguranças. Mas ela viu e, portanto, valeu o
gesto.
Só que a anfitriã não queria
apresentar-se daquela maneira ao presidente. Totalmente encharcado, o vestido
colado ao corpo a deixava quase nua. Não teve alternativa, pois o presidente da
República já estava à sua frente.
Assim começou o romance entre o então
presidente João Baptista de Oliveira Figueiredo e a empresária Myrian Abicair.
Tudo por puro acaso. Figueiredo estava em São Luís para uma conversa com o
empresário Victor Civita, no hotel Quatro Rodas, então de propriedade do grupo
Abril. Não gostou da distância e optou por hotel mais perto da cidade. Foi para
o Villa Rica, que, por coincidência estava sendo inaugurado naquela noite. O
hotel pertencia a uma rede do grupo do empresário Luis Serson, administrado
pela sua então mulher, a personagem da nossa história.
O romance entre o presidente da
República e a empresária é uma versão às avessas da novela “Salve Jorge”, de
Glória Perez: a mocinha não era uma favelada, mas uma ricaça paulista; e a
semelhança entre Ricardo Lombardi e Figueiredo é a preferência pelos cavalos,
que o general deixou claro antes mesmo de assumir a Presidência: “prefiro o
cheiro de cavalos ao cheiro do povo”. Mas, se vivo estivesse, e visse as cenas
da novela, diria, certamente: “Esse cara sou eu”.
Passados 30 anos do romance, Myrian Abicair,
dona de um dos mais badalados spas do país, o “Sete Voltas”, resolveu,
finalmente, assumir de público o romance com Figueiredo. Na verdade, há mais de
cinco anos que, durante as minhas constantes estadas no seu SPA — por que será?
— que a empresária vem me relatando a história da sua vida. Ao lado de
Figueiredo foram só três anos e meio, mas valeu por uma eternidade. Até hoje,
ela fala dele com muita emoção:
— Eu abandonei a minha vida de luxo, de
mulher milionária, para curtir a minha paixão. Saí do casamento de mãos
abanando, por pura opção. Abri mão de tudo e voltei para o meu sítio em
Itatiba, onde, anos depois, montei um spa.
Durante o período em que namorou com
Figueiredo, Myrian ficava no eixo São Paulo — Brasília — Rio. Em Brasília, ela
se hospedava na casa de um ministro de Figueiredo, que foi uma das mais
importantes representantes civil nos governos militares. No Rio, ficava com
Figueiredo “num bairro muito afastado da Zona Sul”, cujo nome não se lembra. Em
São Paulo, bem, em São Paulo, a maioria das vezes no hotel Maksoud. Figueiredo
nunca gostou que Myrian se aproximasse dos seus amigos:
— Não quero você perto do poder. O poder
é perigoso. Se souberem que você tem um caso com o presidente da República, os
políticos e meus próprios amigos vão começar a te bajular para que você, na
cama, consiga comigo as coisas que eles não conseguem no meu gabinete nem nas
minhas churrascadas.
Segundo Myrian, o então presidente tinha
particular preocupação com o empresário Geoges Gazale:
— O Figueiredo me dizia que o Gazale era
incansável, o perturbava sempre em busca de favores. Não dava folga. E, se
fizesse amizade comigo, ele estaria ferrado.
Outra grande preocupação do presidente
da República, segundo Myrian, era com a mídia. Já se especulava muito a fama do
general de ser um mulherengo. Vira e mexe saiam notinhas maldosas nos jornais
sobre os supostos casos de Figueiredo.
— Era o que mais o incomodava. Todos
sabiam que, a partir de um determinado momento, seu casamento era só de
fachada. Mas ele achava que a população brasileira, por ser essencialmente
conservadora, não aceitaria um presidente adúltero. Para dizer a verdade, não
foi ele que desprezou a mulher, mas a mulher que não gostava mais dele. E isso
ela dizia na cara dele” — conta Myrian.
A empresária nega que o spa “Sete
Voltas” tenha sido presente de Figueiredo:
— A coisa mais valiosa que eu ganhei
dele foi um cavalo. O sítio eu já tinha desde 1969. Nunca me desfiz dele. O
Figueiredo não era homem de dar muitos presentes e nem eu precisava. Por isso é
que eu digo que a nossa relação foi de amor, pois era desinteressada. Acho que
isso deu muita estabilidade ao nosso relacionamento: nunca lhe pedi nada, nem
para nomear um contínuo.
Para não dizer que nunca intercedeu por
ninguém, Myrian lembra que, certa vez, sugeriu a Figueiredo que nomeasse o
coronel Luiz Carlos Coutinho como seu secretário particular.
— O Figueiredo não confiava em ninguém.
Não queria, repito, ninguém no meio da nossa relação. Mas precisávamos ter
alguém, uma pessoa de confiança, para nos comunicar. Eu já conhecia o Coutinho
de longa data e o Figueiredo gostava muito dele. Mas, no fundo, o Coutinho foi
escolhido pelo seu currículo. Foi o homem da confiança da maioria dos
presidentes que o tinham antecedido. Eu só dei um empurrãozinho. O Coutinho
tinha estatura para o cargo.
A empresária é cautelosa quando
questionada sobre o uso aeronaves oficiais nos seus deslocamentos para
encontrar-se com Figueiredo:
— Eu nunca entrei na aeronave
presidencial. Ao que eu me lembre, uma vez eu peguei carona no avião reserva
para ir de Brasília a São Paulo. Eu nunca viajei com ele para fora do país e,
mesmo aqui dentro, nunca viajávamos juntos.
Segundo Myrian, ela também nunca entrou
em carro oficial, durante o tempo em que namorou Figueiredo. A empresária
rejeita a expressão amante e justifica:
— Para ele, eu era namorada. O dia em
que ele esteve aqui em casa para conversar com meus filhos (ela é mãe de um
casal) disse para eles: “Eu quero que saibam que a mãe de vocês não é minha
amante, mas namorada. Meu casamento, hoje, é só uma formalidade.”
A empresária conta que Figueiredo,
durante o tempo em que ficaram juntos, era um homem muito depressivo:
— Às vezes baixava um helicóptero aqui
com um ajudante de ordens, dizendo: “Dona Myrian, a senhora tem que ir para
Brasília imediatamente, o homem não quer nem sair do quarto”.
Myrian revela que o ex-presidente nunca
conversou assuntos políticos com ela e nunca confidenciou nada sobre sua vida
pessoal.
— Eu não participava da sua vida. Eu era
uma alienada política. De político mesmo, eu só convivia com o governador do
Maranhão, João Castelo, a quem conheci antes do Figueiredo. Meu marido e eu
tínhamos empreendimentos no Maranhão.
Quando estavam juntos, revela a
empresária, às vezes um assessor deixava na porta algumas páginas dos
principais jornais do país:
— Ele nunca recebeu um jornal inteiro,
completo, mas todo recortado, com as notícias do seu interesse. Nem mesmo
nessas horas ele comentava sobre fatos ou pessoas que o teriam deixado triste
ou alegre. Ele se fechava para mim. Eu conheci o João, um homem excepcional,
mas nunca conheci o presidente João Figueiredo. Nunca soube o que pensava ou
fazia o presidente da República.
O romance acabou como começou,
repentinamente. Certo dia, Figueiredo contou-lhe uma história difícil de
engolir, apelando para a memória do pai e sua condição de militar:
— Meu paizinho, lá do céu, não deve
estar gostando nada de eu ter essa vida adúltera. Eu te prometi casamento, mas
eu não posso, como militar, separar da minha mulher para casar com outra.
Podemos continuar namorando, mas nada de casamento.
Myrian reagiu:
— Não posso viver num mundo de mentiras.
Abandonei meu marido para poder viver um amor verdadeiro. Eu não vou continuar
me escondendo. Fique aí com seu paizinho, que, mesmo estando lá em cima, não
quer que o filho se case comigo.
E nunca mais se reencontraram, nem
depois que Figueiredo deixou a Presidência da República.
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