"Estatuto do nascituro" prevê incentivos financeiros para mulheres vítimas de violência sexual que engravidarem e quiserem seguir com a gestação
de Veja
Jean-Philip Struck
O deputado Eduardo Cunha (PMDB). Parlamentar foi favorável ao projeto do "estatuto do nascituro" (Lúcio Bernardo Jr/Agência Senado)
A Comissão de Finanças e Tributação da Câmara aprovou nesta quarta-feira o projeto do chamado “estatuto do nascituro”, um documento elaborado por deputados da bancada religiosa que estabelece, entre outros pontos, a criação de uma espécie de “bolsa” para incentivar mulheres vítimas de estupro que engravidarem a não realizarem um aborto e seguirem com a gestação. O projeto também pretende obrigar estupradores a pagar pensão alimentícia para crianças geradas a partir da violência sexual. Os críticos apelidaram a proposta de “bolsa estupro”.
O documento foi aprovado com parecer favorável do relator Eduardo Cunha (PMDB-RJ), membro da bancada evangélica da Câmara. O projeto havia sido proposto orginalmente em 2007 pelos ex-deputados Luiz Carlos Bassuma (PV), um seguidor da doutrina espírita, e Miguel Martini (PHS), um católico.
Originalmente, os autores pretendiam usar o projeto para tornar o aborto crime hediondo, mas este trecho foi retirado conforme o projeto avançou e não consta na versão aprovada nesta quarta-feira.
Após a aprovação do projeto pela Comissão de Finanças, o projeto deve ser analisado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que pode encaminhá-lo para o plenário. Se aprovado na Câmara, ele deve seguir para o Senado. A aprovação na comissão ocorreu um dia depois que 5.000 evangélicos realizaram uma protesto contra o aborto na Esplanada dos Ministérios, em Brasília.
Argumentos - Em defesa do estatuto, o deputado Cunha argumentou que o texto não chega a propor a alteração do trecho do Código Penal que trata da lei do aborto brasileira, que prevê o procedimento em casos de risco de vida para mãe, em que os fetos sofram de anencefalia (má formação do cérebro) e estupro. Segundo Cunha, o projeto é importante “por dar oportunidade a quem sofreu violência sexual de optar por não praticar o aborto".
Mas na concepção de alguns deputados que criticaram e votaram contra o projeto, o estatuto pode criar brechas para que no futuro o aborto legal e a pesquisa com células-tronco sejam dificultados. Um dos primeiros parágrafos do texto prevê que “desde a concepção são reconhecidos todos os direitos do nascituro, em especial o direito à vida, à saúde, ao desenvolvimento e à integridade física”. Outro parágrafo estabelece que até mesmo embriões congelados estão incluídos nessa proteção.
Bolsa - Mas a indignação dos críticos do projeto foi dirigida, sobretudo, aos pontos que estabelecem ajuda financeira para as crianças geradas a partir de estupro. Segundo o texto, o estado terá que ajudar financeiramente mães que desejarem ter os filhos, mas que não dispõem dos meios. O pagamento deve seguir até que seja identificado o “pai” da criança, ou seja, o estuprador. A partir daí, o pagamento de uma pensão passa a ser responsabilidade dele. A mãe também deve ter a opção de encaminhar a criança para a adoção.
De acordo com o deputado Cláudio Puty (PT-PA), que votou contra a proposta, o estatuto é uma “crueldade” já que abre caminho para a possibilidade de obrigar a vítima de estupro a ter um contato, ainda que indireto, com o agressor pelo resto da vida. “Isso vai acabar gerando uma série de ações judiciais de pais querendo ter direito à visita”, disse. A opinião foi compartilhada pelos deputados Erika Kokay (PT-DF) e Assis Carvalho (PT-PI), entre outros, que chamaram o projeto de “retrocesso”.
Já o deputado Afonso Florence (PT-BA) disse que não é a favor do aborto, mas resolveu votar contra o texto porque considerou que o projeto não atende o requisito de adequação orçamentária. No texto vago do projeto não foi estabelecido um valor para a bolsa, por quanto tempo ela será paga ou quantas pessoas poderão ser contempladas.
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