Flávio Dino
(Publicado no Blog do Ricardo Noblat)

O título deste artigo evoca o filme do
diretor Ang Lee, baseado no romance da inglesa Jane Austen que, em 1996,
conquistou o Oscar. Infelizmente, o drama do Complexo Penitenciário de
Pedrinhas levou o Oscar da barbárie brasileira, encenada num presídio que
registrou 62 mortes desde o ano passado – ou 30% das mortes violentas ocorridas
nas penitenciárias do País, em 2013.
Pedrinhas foi classificada como uma das
dez piores cadeias pela CPI do Sistema Carcerário, conduzida pela Câmara em
2008. E desde então, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) fez reiteradas recomendações
sobre o sistema prisional do Estado quanto à superlotação e às graves violações
aos direitos humanos de presos e de seus parentes.
Nada foi feito e os acontecimentos do
Maranhão sacudiram e horrorizaram o Brasil.
Mas não basta nos dizermos chocados.
Neste momento, o plano da razão – invocado no título acima – está, sobretudo,
no leque de ações para sanar o problema. Deu-se um passo com o recente plano
conjunto estabelecido entre as esferas estadual e federal, sob a orientação do
Ministério da Justiça.
Medidas como o reforço da segurança com
mais homens da Força Nacional, a remoção de presos para penitenciárias federais
e mutirão da defensoria pública para avaliar a situação dos encarcerados são
bem-vindas nessa agenda. Porém, tais medidas são insuficientes, pois esse drama
é a crônica de um problema há muito anunciado e para o qual faltou, por parte
do governo estadual, sensibilidade à altura.
Há no DNA da insegurança no Maranhão
algo conhecido das autoridades de outros estados: a presença do crime
organizado. O problema não está apenas dentro dos presídios; começa nas ruas e
precisa ser enfrentado de forma integrada.
A ocorrência de crimes graves no
interior do sistema prisional conjuga-se a ataques organizados segundo o modus
operandi característico e já observado em outros estados brasileiros: incêndios
de ônibus, bloqueio de vias, campanhas de assassinatos de policiais, ataques
contra delegacias e batalhões da PM.
O crime organizado é diferente do comum,
praticado por indivíduos esparsamente articulados. Atividades ilícitas como
tráfico de armas e drogas, roubos a bancos e de cargas, biopirataria,
contrabando e tráfico de pessoas não se restringem aos limites estaduais e nem
às fronteiras nacionais. Nos estados onde organizações criminosas têm décadas
de atuação, há também extensas ramificações do crime no comércio legal, no
setor de serviços, incluindo serviços financeiros, na burocracia estatal e na
política.
As experiências internacionais
demonstram quão importante é desarticular o poder de organizações criminosas
nos seus estágios iniciais de expansão, antes que o custo financeiro e social
das intervenções aumente exponencialmente.
Faltou e falta essa percepção aos
gestores maranhenses, por isso as medidas anunciadas pelo governo são
incompletas, pois não atingem os negócios e as atividades ilícitas que
sustentam a engrenagem da violência dentro e fora dos presídios.
É fundamental buscar novas formas de
organização, operação e articulação das forças de segurança, principalmente na
integração entre os sistemas de inteligência e informação das polícias, do
Ministério Público e do Judiciário, com vistas a permitir a gestão estratégica
do problema.
Há medidas já testadas que são possíveis
de implementação no Maranhão. Listo algumas, entre outras: 1. Constituir, de
modo permanente, uma instância interinstitucional (Ministério Público, Polícia
Civil, Polícia Militar etc), pois a segmentação das informações e iniciativas
entre os organismos do Estado favorece a continuidade dos crimes; 2. Investir
na expansão da polícia de proximidade e nos serviços do ‘Disque-Denúncia’; 3.
Definir como prioridade realizar operações conjuntas para o combate ao tráfico
de drogas (notadamente do crack); 4. Investir na criação de vagas em
estabelecimentos prisionais humanizados, de pequeno porte; 5. Dotar a Polícia
Científica de equipamentos e pessoal, para uma adequada e rápida coleta de
provas; 6. Manter uma adequada relação entre o número de policiais e de
habitantes; 7. Garantir o bom funcionamento da Defensoria Pública e dialogar
com o Judiciário para assegurar a celeridade nos processos; 8. Atuar sob
constante acompanhamento das entidades da sociedade civil, que devem ter os
meios necessários para exercer o legítimo controle social.
Mais do que todas essas iniciativas
racionais, é preciso ter autêntica solidariedade com as dores das pessoas e
senti-las na alma. É aí que razão e sensibilidade devem ter um encontro
imprescindível para um adequado e justo tratamento à agenda da segurança no
Maranhão.
Flávio Dino foi juiz federal
(1994-2006), deputado federal (2007-2011), é advogado e professor da
Universidade Federal do Maranhão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário