Juiz Douglas Martins, do CNJ: 'Estamos entregando os detentos às facções criminosas'
Autor do relatório que içou a cadeia maranhense de Pedrinhas às manchetes nacionais, o magistrado Douglas Martins afirma que “o sistema prisional ficou tão violento no Brasil que as prisões estão vomitando essa violência para a sociedade”. Juiz auxiliar da presidência do Conselho Nacional de Justiça, Douglas conhece o flagelo por dentro. Ele coordena no CNJ o departamento que fiscaliza as prisões no país. Ao inspecionar as cadeias, o doutor faz questão de ouvir os presos.
No diagnóstico de Douglas, a omissão do poder público nos presídios, um fenômeno nacional, “fomenta as facções criminosas”. Abandonados pelo Estado, os presos ficam à mercê do crime organizado. “Estamos entregando os detentos às facções”, afirma o juiz. Em troca de supostos favores e de proteção, os condenados são compelidos a cumprir ordens da criminalidade mesmo após deixar as cadeias. Potencializa-se, assim, a capacidade das facções de “vomitar” violência nas ruas.
As ordens que partem dos presídios para atear fogo em ônibus, atacar delegacias e executar policiais compõem apenas a face mais visível do fenômeno. Douglas afirma que a selvageria tem uma face ainda invisível. Algo que juízes e promotores habituados a inspecionar cadeias já perceberam. Vale a pena ouvir o magistrado:
“Você vê todos os dias notícias sobre a execução de pessoas nas periferias de grandes cidades. Essas notícias saem assim: ‘a polícia averiguou e constatou que as mortes decorrem de um acerto de contas de traficantes de drogas. Os policiais nem sequer abrem inquérito para apurar essas mortes. Normalmente, os mortos são ex-presidiários ou presos que migraram para o regime semiaberto. Todo mundo aceita passivamente as mortes. Afirma-se o seguinte: ‘Ah, foi acerto de contas entre bandidos’.”
Douglas prossegue: “Na verdade, o que ocorre na maioria desses casos não é acerto de contas entre bandidos, mas o assassinato de ex-detentos que tentam fazer a coisa certa. Estão morrendo as pessoas que se recusam a cumprir fora dos presídios as determinações das facções criminosas. Isso está acontecendo em várias partes do Brasil. O que me entristece é ver pessoas que tentam se reabilitar sendo tratadas como vilões, retratadas nos jornais como criminosos.”
O magistrado critica a imprensa. Os meios de comunicação “deveriam rever a maneira como tratam esses casos”, diz. Acha que também as polícias precisam se encontrar com a autocrítica. “Não é possível que continuaremos tratando as vítimas da periferia como culpados automáticos”, reclama. Além de falsear as estatísticas, a inação policial “produz grande injustiça com pessoas que tentam escapar do crime organizado.”
Ex-titular da Vara de Execuções Penais de São Luís, Douglas Martins enxerga na repercussão que a crise do sistema prisional do Maranhão obteve nas manchetes razões para cultivar o otimismo. “Tenho a impressão de que a sociedade brasileira está mudando. O problema dos presídios e a violência praticada por autoridades públicas e policiais contra os presos já não são temas restritos aos defensores de direitos humanos. A sociedade começa a perceber que não está imune.”
Nos últimos dias, Douglas se deu ao trabalho de ler os comentários que leitores anotam nos sites de jornais e nos blogs noticiosos. “Ainda tem muita gente defendendo a pena de morte. Mas surgiu um fato novo. A morte de uma menina queimada em São Luiz, a repetição no Maranhão de incêndios de ônibus que já haviam ocorrido em Estados como São Paulo e Santa Catarina, tudo isso fez subir o número de leitores que contestam a selvageria praticada contra detentos.”
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