Eduardo Cunha, ao ameaçar governo com projetos de
aumento de gastos, na prática aproxima Dilma de governadores, pois estados
também serão prejudicados
Editorial de O Globo
A reunião da presidente Dilma com os governadores e
ministros, no Alvorada, na quinta, revela a existência de vida no Planalto. Já
não era sem tempo de a chefe do Executivo acelerar o passo. Não adianta ficar
amuada enquanto a crise transcorre. Quanto mais não seja, porque a agenda do
Congresso e o momento do país exigem que, mesmo a contragosto, Dilma faça
política. Ameaças de impeachment à parte.
Sete meses de mandato são tempo mais que suficiente
para a presidente digerir o choque de impopularidade sofrido pelo desencontro
entre o que prometeu do palanque e o que teve de fazer na prática. Afinal, é
preciso governar.
As derrotas acumuladas no Congresso na tramitação do
ajuste fiscal, a ponto de a equipe econômica ter de reduzir de forma
substancial, de 1,12% do PIB para minguado 0,15%, a meta deste ano do superávit
primário, forçam o governo a buscar apoio.
Os governadores são, de fato, aliados nas agruras.
Os recursos que passam a minguar nos cofres do Tesouro também escasseiam nas
finanças estaduais e municipais. O Rio Grande do Sul, no momento o caso mais
visível de crise fiscal entre os estados, já atrasa salários do funcionalismo.
As dificuldades são generalizadas, devido à queda na arrecadação provocada pela
perda de dinamismo da economia.
Muitos pontos unem, hoje, o Planalto a governadores,
e um deles é o combate à chamada pauta-bomba que o presidente da Câmara,
Eduardo Cunha (PMDB-RJ), sob ameaça do Ministério Público Federal , decidiu
engatilhar.
Convencido de que é vítima de uma grande conspiração
em que se entrelaçariam o Planalto, o Ministério Público Federal e a Justiça
para incriminá-lo na Lava-Jato — um enredo inverossímil —, Cunha tem atuado com
afinco com o objetivo de criar problemas ao governo.
Munição, o deputado tem, toda ela capaz de elevar os
gastos públicos neste momento crítico de déficits. Neste primeiro semestre, por
exemplo, o governo central (Tesouro, Previdência e Banco Central) acumulou um
resultado negativo primário (sem incluir os juros da dívida) de R$ 1,59 bilhão,
pela primeira vez desde que a estatística é calculada. É por isso que a
presidente tem vetado decisões inconsequentes do Congresso, como o aumento de
salários no Judiciário de até 78%.
Trabalhar para derrubar vetos sensatos de Dilma pode
ser uma das ações vingativas de Cunha. Acusado diretamente pelo lobista Júlio
Camargo de cobrar US$ 5 milhões em propinas, Cunha agiria como homem-bomba: explode,
mas causa grande estrago em volta.
As manobras do deputado, na prática, aproximam Dilma
de governadores. Porque várias das bombas da pauta do presidente da Câmara
jogam estilhaços em toda a Federação. E desarmar os artefatos é essencial a fim
de haver algum horizonte para a recuperação da economia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário