Ultrapassou todos os limites a manipulação que o
presidente da Câmara faz do regimento, com o uso de seu poder, para atrapalhar
a apreciação de processo contra ele.
POR EDITORIAL
O GLOBO
A Câmara dos Deputados, assim como o Senado, é uma
instituição secular, fundada no Império, dirigida àquela época por condes e
viscondes. Na República, sua Mesa foi frequentada por nomes que se encontram
nos compêndios de História do Brasil: Flores da Cunha, Pedro Aleixo, Ulysses e
outros.
Em tempos recentes, houve a bizarrice de Severino
Cavalcanti, cassado por receber um “mensalinho” de R$ 10 mil de um
concessionário de restaurante na Câmara. Ungido pela política fisiológica do PT
de literalmente comprar apoio no Congresso, Severino queria controlar a
diretoria da Petrobras que “fura poço”. Um parêntese: ele talvez não soubesse,
mas o lulopetismo já havia dominado a direção da estatal e passara a saqueá-la.
No campo do exotismo — mas em outro sentido —, o
atual presidente, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), escala índices de rejeição na
opinião pública, ao manejar com frieza o poder do cargo e o conhecimento que
tem das regras da Casa, para sabotar a tramitação no Conselho de Ética de um
processo instaurado contra ele por falta de decoro.
Às favas com a objetividade dos fatos. Cunha, citado
na Lava-Jato como beneficiário de propinas geradas na Petrobras, compareceu,
por vontade própria, à última CPI da Petrobras e garantiu que não tinha contas
escondidas em bancos suíços.
O MP suíço o desmentiu, ao enviar dados de contas
suas e família à Procuradoria-Geral da República. Configurado o perjúrio, o
PSOL e a Rede encaminharam denúncia ao Conselho de Ética. Aberto o processo,
Cunha, aliados e tropa de choque fazem de tudo para impedir o funcionamento do
Conselho, com a intenção de atrasar ao máximo os trabalhos e jogá-los para
2016.
Inviabilizado um acordo com o governo — mais por
resistência de petistas que se recusaram a votar em favor dele —, para que o
deputado escape da cassação, os embates no Conselho passaram a reproduzir cenas
à altura de câmaras de vereadores do mais longínquo sertão. Tapas, gritaria,
intervenções protelatórias de nível rasteiro.
Mesmo tucanos que estavam condescendentes com Eduardo
Cunha, para que ele aceitasse o pedido de impeachment de Dilma — arma que o
deputado usou para chantagear o Planalto —, o abandonaram. Ainda antes de ele
instaurar o processo do impedimento — dentro das prerrogativas do presidente da
Câmara, seja ele quem for.
Aberto o processo, passaram-se 38 dias e oito
reuniões, até a de quinta-feira, sem que se conseguisse votar um relatório,
diante de um atônito presidente do conselho, José Carlos Araújo (PSD-BA). O
primeiro relator, Fausto Pinato (PRB-SP), contestado pelo grupo de Cunha, por
se declarar a favor do prosseguimento do processo, disse ter sido ameaçado, e
terminou substituído por Marcos Rogério (PDT-RO). Este promete ler seu
relatório, também contra Cunha, na terça-feira. Mas nada é certo.
O presidente da Câmara deveria renunciar ao cargo,
para se dedicar à sua defesa, sem atrapalhar os trabalhos da Casa. Seu tempo
acabou.
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