Só acordo nacional capitaneado por PT e PSDB resolve
crise, diz governador do Maranhão.
Após romper uma hegemonia de 50 anos da família
Sarney no Maranhão, o Governador Flávio Dino (PCdoB) agora encampa uma batalha
nacional: junto com Ciro Gomes (PDT) e Carlos Lupi (PDT), o comunista lidera o
movimento Golpe Nunca Mais, para mobilizar o país contra o impeachment da
presidenta Dilma Rousseff. "A Constituição é nossa base para dizer que
agora impeachment é golpe, pois não houve crime de responsabilidade", repete
Dino país afora desde que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB),
anunciou que acolheria o pedido de impedimento de Dilma. Abaixo, o Governador
fala, em entrevista concedida no Palácio dos Leões no fim de novembro — quando
já se mobilizava em defesa do mandato da presidenta —, sobre a crise política
nacional e sobre as dificuldades e vitórias de seu primeiro ano de Governo.
Pergunta - O Maranhão coleciona alguns dos piores
indicadores sociais do Brasil. Como vocês conseguiram atravessar o primeiro ano
de Governo em meio à crise político-econômica?
Resposta - Temos um planejamento até o final de 2016.
Até lá, conseguimos manter a trajetória de obras e qualificação dos serviços
públicos. Porque tomamos algumas medidas tributárias que nos dão certo fôlego,
como imposto sobre herança, aumentamos IPVA de carro de luxo e ICMS de produtos
supérfluos — bebidas, isotônicos, helicóptero, ração de animal de estimação,
etc —, numa minirreforma tributária. Junto com a política permanente de redução
de custos, isso permite chegar a 2016 com dinamismo. Já para 2017, dependemos
muito da conjuntura nacional. Se tivermos três anos de recessão, muitos danos
serão produzidos, muitos corpos ficarão no campo de batalha. E um desses corpos
serão as finanças públicas estaduais, de praticamente todos os estados.
R. Certamente ela sair não é uma solução. Pelo
contrário: amplia o problema. Defendo muito claramente a continuidade do
mandato, primeiro por razão técnica, porque constitucionalmente não há nenhuma
base para que a presidenta da República eleita seja afastada. Em segundo lugar,
há a razão política. É a partir dela [Dilma] e do Governo que se pode construir
um novo pacto nacional. Mas para isso é preciso que o conjunto de forças do
Congresso mude sua atitude, que hoje é de sabotagem. Governo e oposição são
essenciais para a democracia. Ulysses Guimarães, naquele célebre discurso que
fez quando foi lançado anticandidato na ditadura, disse que a principal
contribuição da oposição para o bom Governo era existir. Portanto não se trata
de anular a existência da oposição, mas colocá-la em termos que se considera
que você não pode ter uma relação de destruição, de aniquilamento. Imagino que
o grande desafio de todos aqueles que desejam que o Brasil não sofra tanto é
construir algum tipo de entendimento que permita essa retomada do crescimento e
a preservação de conquistas que não têm coloração partidária.
P. Como conseguir esse acordo?
R. Só vejo uma saída e a tenho sustentado desde o
final do ano passado, quando fui eleito. A sociedade escolheu dois partidos
para serem os principais polos da política brasileira. O PT esteve presente no
primeiro ou no segundo turno, com protagonismo, nas sete eleições presidenciais
que houve após a democratização. O PSDB foi protagonista em seis, com uma única
exceção, em 1989. Esses são os dois principais partidos brasileiros. Não cabe
na minha cabeça que duas lideranças da envergadura e da importância histórica
como Fernando Henrique Cardoso e Lula não consigam sentar à mesa e fazer um
acordo nacional. Esse é o único caminho possível e não cabe na minha
racionalidade ingênua ou pretensiosa que não aconteça uma união nacional que
acontece em outros países do mundo. Estamos vendo isso agora na França. Já
houve nos Estados Unidos, na Espanha, em Portugal. Lutamos tanto para chegar
até aqui, muita gente sofreu, tivemos ditadura sangrenta, que torturou e matou,
depois uma hiperinflação. O que levamos três décadas conquistando, como
estabilidade econômica e diminuição das desigualdades, pode se perder em poucos
meses. No Maranhão, a gente governa com PT e PSDB, e todos estão felizes. Sem
isso, é muito difícil imaginar uma saída.
Não cabe na minha cabeça que duas lideranças da
envergadura e da importância histórica como FHC e Lula não consigam sentar à
mesa e fazer um acordo nacional.
P. Sobre o Maranhão, o que foi mais difícil neste
primeiro ano de Governo?
R. Temos uma dificuldade estrutural, derivada de um
desafio imenso do estado com os piores indicadores sociais do Brasil. Conseguir
alavancar recursos para produzir resultados é um desafio que exige matar um
leão por dia. Talvez por isso o nome do palácio [a sede do Governo] seja
Palácio dos Leões (risos). Um segundo desafio, correlato a esse, mas como
tempero especial, é que isso não ocorre numa conjuntura adversa, de recessão e
desemprego. Isso tornou ainda mais agudo o que já era desafiador.
P. Qual foi o melhor resultado até aqui?
R. Em primeiro lugar, a questão da infraestrutura.
Conseguimos manter obras, em razão do financiamento do BNDES — que é decisivo
hoje —, e ao mesmo tempo ampliá-las, com programas como o Mais Asfalto. Com
ele, conseguimos chegar em 40 cidades com intervenções de mobilidade urbana e
facilitação do trânsito. É um programa muito bem avaliado no estado, inclusive
pela sua capacidade de gerar emprego e oportunidade para as empresas de
construção civil, que estavam no meio de uma recessão muito aguda. O primeiro
êxito é que temos muitas obras, algumas herdadas do Governo passado, que estão
sendo concluídas, e outras novas, como a construção de escolas. O segundo
grande êxito seria a consolidação de uma cultura administrativa muito clara no
sentido de buscar uma administração honesta, transparente, proba, que aplica
bem os recursos públicos, mas com resultados. Com as economias que a gente fez,
com a revisão de contratos, conseguimos mobilizar uns 300 milhões de reais.
No Maranhão, a gente governa com PT e PSDB, e todos
estão felizes.
P. Seu Governo também optou por priorizar a atuação
nos 30 municípios mais pobres do estado. Como funciona o plano?
R. Esse é o terceiro êxito: o lançamento do plano
Mais IDH, que é a menina dos meus olhos, o que mais me encanta, embora esteja
ainda em uma fase embrionária. Mas as ações que já ocorreram mostram o tanto
que ele é decisivo. Quando a gente faz as ações da Força Estadual de Saúde,
atenção básica com médicos e enfermeiros — uma espécie de programa Mais Médicos
maranhense —, que começamos no mês de julho. E estamos neste momento licitando
restaurantes populares, água e casas para essas 30 cidades, além de estruturar
sistemas de produção e agricultura familiar. O programa de alfabetização também
já foi iniciado, num total de 23 ações. Considerando tudo isso, tenho certeza
de que até o fim do Governo vamos conseguir melhorar muito a vida dessas
pessoas. Conseguimos nestes meses, desenhar, estruturar o programa, ter as
diretrizes e começar a implementar. Isso infelizmente é muito raro.

R. Estamos usando para o Mais IDH recursos do
Tesouro, próprios, um pouco de PAC [Programa de Aceleração do Crescimento], que
conseguimos do PAC 2 para obras de saneamento, e BNDES [Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social], para construir os restaurantes populares.
Nesse último caso, o que fizemos foi redirecionar prioridades a partir da
operação BNDES. Havia um cardápio definido pelo Governo anterior, do qual
mantivemos sobretudo as obras mais avançadas, e redesenhamos uma parte do
cardápio para contemplar o Mais IDH e obras na área de educação. Dos institutos
estaduais de educação, ciência e tecnologia, o primeiro está em reforma. Tudo
isso ultrapassa 500 milhões de reais.
Só no cardápio economizamos 900.000 reais, tirando
alimentos de luxo e bebidas alcoólicas.
P. Dos quais pelo menos 300 milhões saíram só de
cortes? Cortaram onde?
R. Os 300 milhões de reais vêm do cancelamento de
contrato com a Constran, que foi intermediado pelo Youssef [doleiro preso no
âmbito da Operação Lava Jato ], de 110 milhões de reais. Também tem a economia
de 68 milhões do que eu chamo dos adereços do poder, como transporte, alimentação,
banquetes. Tinha muito desperdício. Diminuímos a segurança pela metade, mas sem
sacrificar a segurança que é necessária num estado como o Maranhão. Cortamos os
desperdícios essencialmente, como aluguel de carros, diárias. Havia muitos
contratos inexplicáveis. O questionamento dos contratos em busca de
alternativas mais baratas é permanente. Assim, vamos conseguindo otimizar sem
sacrificar o serviço. Só no cardápio economizamos 900.000 reais, tirando
alimentos de luxo e bebidas alcoólicas. Brinco que quem quiser tomar bebida
alcoólica no palácio pode, mas deve trazer de casa.
P. Vocês têm enfrentado muita resistência a essas
mudanças?
R. Claro que há, porque cada despesa abusiva tem um
dono, um beneficiário. Então tem resistência, principalmente no começo.
Inclusive midiática, plantando notícias. Mas duas coisas ajudaram que a gente
fizesse isso sem um grau alto de indisposição. Nossa eleição ocorreu por uma
margem muito grande, o que dá uma legitimidade popular muito clara. E, apesar
dos embates diários, a gente mantém uma taxa de aprovação alta, principalmente
neste contexto da política brasileira. Ter 55%, 60% de aprovação é fantástico.
Isso dá forçar política para sustentar um processo continuado de mudanças. Além
disso, adotamos uma visão gradualista. Quando Lênin fez a Revolução Russa,
fechou acordo logo com a Alemanha, porque não dá para brigar com todo mundo.
Fizemos um corte inicial de 30% de custeio, linear, em todas as secretarias, e
estamos agora numa espécie de sintonia fina, aprofundando ainda mais esses
cortes para 2016, revendo contratos nas principais secretarias: saúde,
educação, segurança, que têm um peso financeiro maior. Acho que no ano que vem
a gente consegue economizar ainda mais, porque não paramos esse trabalho de
conduzir a revisão dos contratos. Havia uma cultura muito permissiva aqui.
P. Você falou em notícias plantadas. O grupo
político que deixou o Governo mantém no estado uma relevante presença
midiática, com jornais, emissoras de tevê e rádios. Como isso afeta seu Governo?
R. A receita da sobrevivência até aqui tem sido a
internet, embora a gente tenha começado, neste mês de novembro, a fazer
publicidade, de modo aberto, em todos os veículos, inclusive nos da família
Sarney, para mais ou menos fazer um resumo do que estamos conversando aqui.
Depois da campanha de 2010, quando perdi a eleição, fiquei três anos
praticamente sem aparecer na televisão no Maranhão. Só dei entrevista em tevê
em 2014. Até hoje, no Governo, continuamos usando muito a internet, e sou eu
mesmo quem pilota essa parte, com alguma ajuda da assessoria. Isso tem dado
alguma aderência social, porque é desafiador você disputar a narrativa de
qualquer fato tendo em vista o alto nível de concentração da mídia
institucionalizada do outro lado. Ao mesmo tempo, mantenho o contato direto com
a sociedade: muito evento, muita viagem, muita inauguração, muita reunião com
movimentos, segmentos, empresários. Compreendemos que no caso da mídia local há
um nível de concentração que a gente não vai romper, e isso nem é tarefa nossa,
nem constitucionalmente, nem legalmente. E também não vamos fazer qualquer tipo
de mudança política para compor com esses interesses.
Trouxemos para Pedrinhas uma equipe que estava no
Governo de Minas Gerais há 16 anos, nos Governos Aécio e Anastasia, que
implantou mudanças gerenciais.
P. Por falar no Governo anterior, a Polícia Federal
realizou uma operação em novembro por suspeita de desvios na Secretaria de
Saúde do estado no Governo Roseana Sarney. Isso causou impacto na atual gestão?
R. Herdamos um modelo de saúde baseado em duas
organizações sociais, no qual enxergávamos vários problemas, inclusive
financeiros. Então, optamos por uma mudança gradualista: primeiro fazer uma
licitação, abrindo seis lotes, para não depender de apenas uma organização
social. Nessa licitação, umas das empresas anteriores foi vencedora — eles
conheciam profundamente a rede, porque já estavam nela. Simultâneo a isso,
estamos estruturando a empresa pública de administração de serviços
hospitalares, para que ela vá assumindo progressivamente as unidades
hospitalares. Esse processo foi catalisado por essa operação da Polícia
Federal. A empresa pública assumiu mais 18 unidades de saúde por conta disso.
Nosso horizonte é manter o modelo misto, em que convivam o setor público, com a
administração direta de algumas unidades, uma empresa pública forte gerindo e,
excepcionalmente, algumas organizações sociais licitadas.
P. Após meses frequentando o noticiário nacional por
conta de rebeliões e mortes, o Complexo Penitenciário de Pedrinhas não tem sido
notícia fora do Maranhão. Vocês conseguiram solucionar os problemas do
presídio?
R. No sistema penitenciário, por conta do histórico,
não se podia ter problemas e, graças a Deus, conseguimos avançar muito neste
ano. Nos preocupamos em substituir os recursos humanos. A terceirização estava
na origem dos problemas de Pedrinhas. Nós aprovamos na assembleia uma lei
aprovando novos cargos e fizemos um processo seletivo de 900 novos agentes
penitenciários para substituir terceirizados. Além disso, qualificamos melhor
os gestores, trouxemos uma equipe que estava no Governo de Minas Gerais há 16
anos, nos Governos Aécio e Anastasia, que implantou mudanças gerenciais. Também
mudamos, por exemplo, a alimentação. Aumentamos de três para quatro refeições
por dia, para eliminar a entrada de refeição. Porque, quando ela vinha, trazia
às vezes arma e drogas. Para eliminar essas fragilidades do sistema, tivemos de
gastar dinheiro. Assim, apesar de um problema gigantesco, que ainda existe, de
superlotação do sistema, a gente consegui reduzir em praticamente 80% os
números de fugas e mortes, que são os indicadores objetivos de qualidade do sistema.
Até aqui, não tivemos rebelião e estamos fazendo reformas utilizando a mão de
obra dos presos. Atualmente o Complexo de Pedrinhas está sendo remodelado com a
mão de obra dos próprios presos, que ganham por isso. Não vencemos a batalha de
Pedrinhas, mas estamos vencendo, porque é um problema gigantesco.
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