Entidades mais importantes da classe de advogados se manifestam contra a possibilidade de prisão de réus já em segunda instância.
"A OAB possui posição firme no sentido de que o princípio constitucional da presunção de inocência não permite a prisão enquanto houver direito a recurso", diz a nota.
Fachada do STF |
POR MATEUS COUTINHO E FAUSTO MACEDO
O Estado de São Paulo
A Ordem dos Advogados do Brasil reagiu
enfaticamente à decisão desta quarta-feira, 17, do Supremo Tribunal Federal que
autoriza a prisão de réus já em segunda instância judicial – decisão de
colegiado de magistrados, como nos Tribunais de Justiça nos Estados e nos
Tribunais Regionais Federais – sem aguardar o trânsito final da sentença e o
esgotamento de todos os recursos.
Em nota, a OAB destacou que o Conselho
Federal e o Colégio de Presidentes Seccionais ‘reafirmam sua histórica posição
pela defesa das garantias individuais e contra a impunidade’.
“A OAB possui posição firme no sentido
de que o princípio constitucional da presunção de inocência não permite a
prisão enquanto houver direito a recurso.”
A decisão do Supremo foi tomada no
julgamento de um habeas corpus. Por sete votos a quatro, os ministros da Corte
máxima concluíram que a prisão do acusado pode ser executada a nível de segundo
grau – na linha do projeto da Associação dos Juízes Federais apresentado em
2015 ao Senado, com apoio do juiz Sérgio Moro, da Operação Lava Jato.
“A Ordem dos Advogados dos Brasil
respeita a decisão do Supremo, mas entende que a execução provisória da pena é
preocupante em razão do postulado constitucional e da natureza da decisão
executada, uma vez que eventualmente reformada, produzirá danos irreparáveis na
vida das pessoas que forem encarceradas injustamente”, alerta a entidade.
Os advogados destacam ‘o alto índice de
reforma de decisões de segundo grau’ pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo
próprio Supremo.
“Nesse cenário, o controle jurisdicional
das cortes superiores mostra-se absolutamente necessário à garantia da
liberdade, da igualdade da persecução criminal e do equilíbrio do sistema
punitivo, ao que a Ordem permanecerá atenta e atuante”, destaca a nota
divulgada pela OAB, subscrita por toda a Diretoria do Conselho Federal e pelo
Colégio de Presidentes Seccionais.
Em São Paulo, a Seccional da Ordem
avalia que a mudança de orientação do Supremo para permitir que o cumprimento
de sentença penal, com prisão do réu, ocorra antes do trânsito em julgado da
decisão, ‘representa enorme retrocesso nas conquistas democráticas alcançadas
com a Constituição Cidadã de 1988, relativizando as cláusulas pétreas da
presunção de inocência, do devido processo legal e da ampla defesa com os
recursos a ela inerentes’.
“A demanda da sociedade por Justiça não
será alcançada com atropelo às garantias constitucionais”, afirma a OAB/São
Paulo.
O braço paulista da Ordem anota que
‘sempre estará ao lado do Poder Judiciário na luta por uma estrutura adequada
para dar conta da demanda social por Justiça, mas não concorda que se
neutralize a falta de estrutura por meio da desconsideração de garantias
constitucionais’.
“O comando constitucional supremo
estabelece que a todos os brasileiros, como regra, está assegurada a liberdade
até o trânsito em julgado da decisão condenatória”, diz a OAB/São Paulo, também
em nota.
“Apenas excepcionalmente, nos casos de
absoluta e imperiosa necessidade comprovadamente demonstrada, é que o
ordenamento permite a segregação ante tempus do acusado. Não é dado ao
Judiciário legislar, nem a exceção pode se transformar em regra, máxime quando
em aberta colidência com a Carta Magna.”
Segundo a Ordem paulista “no passado
recente, por meio de seu então presidente, o Supremo encaminhou ao Congresso
proposta de emenda constitucional exatamente para permitir a execução
provisória de sentenças penais, que não foi aprovada pelo Poder Legislativo’ –
uma alusão a uma proposta do ex-ministro Cézar Peluso (2010/2012).
“O debate social então havido mostrou os
riscos irreparáveis de se antecipar a prisão de alguém que, depois, tivesse sua
inocência reconhecida pela Corte Suprema. Não se admite que, não tendo
alcançado êxito naquela mudança, no palco adequado, o Congresso Nacional, com
os legítimos representantes da sociedade, eleitos pelos brasileiros, venha
agora o Supremo Tribunal Federal a verdadeiramente afastar a cláusula pétrea por
decisão de seus ministros.”
Para o advogado Francisco de Paula
Bernardes Jr., sócio da banca criminalista Guillon & Bernardes Jr.
Advogados, a decisão do STF, ‘causou espécie’. Ele atribui às manifestações
populares a mudança de entendimento da Corte máxima.
“Isso porque nossa Suprema Corte,
motivada pelo ‘grito das ruas’, mudou entendimento constitucional que visava
garantir a aplicação literal do artigo 5º, LVII, da Constituição, que
fundamenta o princípio da presunção de inocência, garantia fundamental do
cidadão que cumpre uma função político-retórica de difundir na sociedade a
ideia de que o processo penal tem por finalidade garantir direitos dos
acusados, considerando-os inocentes até o advento de uma sentença penal
condenatória irrecorrível.”
“O julgamento se trata, a meu ver, de um
verdadeiro retrocesso em se tratando de regras de tratamento digno aos acusados
em processos penais”, afirma Francisco de Paula Bernardes Jr.
O criminalista Fábio Tofic Simantob,
sócio do Tofic Simantob Advogados, disse que ‘respeita a decisão do Supremo’,
mas considera que ela ‘invade a competência do constituinte originário, que
estabelece como cláusula pétrea a presunção de inocência até o trânsito em
julgado’. “Montesquieu deve ter ficado aborrecido.”
Leia
a nota da OAB
Nota
O Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil e o Colégio de Presidentes Seccionais reafirmam sua
histórica posição pela defesa das garantias individuais e contra a impunidade.
A OAB possui posição firme no sentido de
que o princípio constitucional da presunção de inocência não permite a prisão
enquanto houver direito a recurso.
A entidade respeita a decisão do STF,
mas entende que a execução provisória da pena é preocupante em razão do
postulado constitucional e da natureza da decisão executada, uma vez que
eventualmente reformada, produzirá danos irreparáveis na vida das pessoas que
forem encarceradas injustamente.
Não se pode deixar de levar também em
consideração o alto índice de reforma de decisões de segundo grau pelo STJ e
pelo próprio STF.
Nesse cenário, o controle jurisdicional
das cortes superiores mostra-se absolutamente necessário à garantia da
liberdade, da igualdade da persecução criminal e do equilíbrio do sistema
punitivo, ao que a Ordem permanecerá atenta e atuante.
Diretoria do Conselho Federal da OAB e
Colégio de Presidentes Seccionais
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