Para Carvalho, a Lava Jato não tem provas contra Lula, tem teses. E prevê que, no pior caso, tentem prender o ex-presidente: "Não quero falar nessa hipótese. Espero que não brinquem com fogo".
NATUZA NERY
EDITORA DE PAINEL
Folha de São Paulo
Folha de São Paulo
Na última quinta-feira (3), véspera da
Operação Aletheia, Lula fez um desabafo premonitório ao amigo petista Gilberto
Carvalho.
"Eu vou ser preso ou vão fazer a minha
condução coercitiva porque, do contrário, a Lava Jato não tem sentido."
A conversa sintetiza a percepção do
partido de que a maior investigação das últimas décadas busca fazer
"justiçamento, não justiça".
"O doutor Sergio Moro tem uma
necessidade de provar que os agentes do PT formam uma quadrilha e que o capo
dessa quadrilha agora é o presidente Lula", disse ele.
Para Carvalho, a Lava Jato não tem
provas contra Lula, tem teses. E prevê que, no pior caso, tentem prender o
ex-presidente: "Não quero falar nessa hipótese. Espero que não brinquem
com fogo".
Carvalho não acredita no sucesso do
impeachment e duvida que Dilma Rousseff saia do PT. "Até porque a
sobrevivência dela estaria muito ameaçada", avalia.
Folha
- O Ministério Público diz que Lula obteve vantagem na Lava Jato. Daí a
operação de sexta-feira (4).
Gilberto
Carvalho - Foi uma operação totalmente desnecessária, uma
violência gratuita. O presidente Lula nunca se negou a depor. Podiam ter feito
com ele o que fizeram com o presidente Fernando Henrique, em que a PF foi
colher em sua casa o depoimento dele gentilmente e discretamente em um processo
no qual ele é citado como testemunha. Eu só posso entender que o que aconteceu
na sexta foi motivado por um processo que, a meu juízo, está tirando os méritos
que poderíamos ter na Lava Jato, porque ela surge como uma ação importante de
combate à corrupção. Mas, à medida que ela é invadida por uma concepção
ideológica e política por parte de seus principais agentes, vai se tornando um
instrumento de perseguição política.
A
Lava Jato se politizou?
O problema acontece quando, numa
investigação criminal, se abandonam os princípios que regem uma investigação
científica. Os procuradores e, ao que tudo indica, o Dr. Sergio Moro, tem uma
necessidade de provar que os agentes do PT formam uma quadrilha e que o capo
dessa quadrilha, que antes era o José Dirceu, agora é o presidente Lula. Mas,
ao invés dos fatos, dão base a uma tese pronta. Aí eles constrangem os fatos.
Aquela entrevista coletiva dada na sexta em Curitiba, particularmente a
participação do Dr. Carlos Fernando [procurador da Lava Jato], deve ficar
gravada para a história como a demonstração mais cabal do que eu estou dizendo.
O tempo todo ele ficou pré-julgando. Ele não pode fazer isso! Ele não pode
dizer que não houve palestras antes de levantar os fatos.
Você
diz que a PF esteve na casa do FHC no mesmo dia da condução coercitiva do Lula?
Li no Brasil 247 que sim.
Você
diz que o procurador não tinha elementos para dizer o que disse?
É isso. Porque, antes da investigação e
da verificação dos fatos, ele já trabalha com a tese de que tudo aquilo que
apareceu até agora está amarrado por uma quadrilha que busca dinheiro a
qualquer preço, e que as palestras, por exemplo, não passam de desculpas para
que Lula obtivesse dinheiro. Ele agiu como um julgador, sem nenhuma serenidade.
Qual a tese de que eles estabeleceram previamente? Que o dinheiro da Petrobras
é roubado pelas empresas coordenadas pela quadrilha do PT e que, a partir daí,
o dinheiro que elas roubaram irrigou as campanhas eleitorais, deram um
apartamento para o Lula, fizeram uma chácara para ele. Essa é a tese. Eles vão
ter que provar isso. Não tem nenhuma disso! Até porque, pela história do país,
os cartéis que se formam entre as empresas, e a maneira que elas corrompem os
agentes públicos, não é por comando político. O problema político aparece em
virtude do financiamento de campanhas, que todos os partidos praticaram.
Mas
não há muitas acusações nas delações premiadas.
Nas delações premiadas, só interessam
delações contra o PT, porque é preciso provar que aquele dinheiro é
contaminado. O dinheiro que foi para o Aécio e o que foi para a Marina Silva
não tem essa contaminação. Ele sai do mesmo cofre, da mesma fonte, mas como não
estavam no governo, não determinaram o assalto à Petrobras. Isso é uma loucura.
Por
que?
As empresas obtiveram o recurso, lícito
ou escuso. Quando o Edinho Silva [ministro da Secom e ex-tesoureiro de Dilma]
pediu dinheiro para a Andrade Gutierrez ou para Camargo Corrêa, fez o mesmo que
o tesoureiro da campanha do Aécio ou da Marina. O Edinho não condicionou a uma
sonda ou a uma obra. O dinheiro tem a mesma origem.
Mas
isso não exime o dolo.
Vou insistir. O problema da delação
premiada é que a pessoa é constrangida pelo inquiridor a dizer aquilo que o
agrada porque está na mão dele a liberdade do delator. O advogado também tem o
papel de convencer o seu cliente a fazer a delação para buscar a liberdade do
seu cliente.
Tudo
empurra para a delação. Mas não é preciso haver prova?
O problema da Lava Jato, e é preciso que
se diga em alto e bom som, é que os campeões da corrupção estão soltos, tendo
as suas penas reduzidas escandalosamente e tendo devolvido pequenas quantias
daquilo que eles são acusados de ter se apropriado. Quem está ficando na cadeia
em Curitiba é o Marcelo Odebrecht, que se negou a fazer delação, e os
políticos. Isso é combate à corrupção? Isso tem de ser denunciado. O povo está
se iludindo, achando que a Lava Jato está fazendo um processo importantíssimo
de combate à corrupção.
Isso
não exime o PT de tudo?
Eu sei que o PT errou, nós temos de
reconhecer que errou. Além de não combater o financiamento empresarial,
meteu-se a cometer erros através de várias pessoas, que se locupletaram. Não
quero de maneira nenhuma negar isso. O problema é que quem criou isso, o
mecanismo de financiamento empresarial de campanhas, não foi o PT. O mecanismo
de financiamento empresarial de campanha é o mesmo para todos os partidos
maiores. E todas as empresas doaram para ficar bem com os governantes. Isso
precisa ser dito. O que as empresas fazem, na verdade, é uma espécie de
investimento para não terem problema com o governante. Então, se nós queremos
extirpar o câncer da corrupção, não se pode acusar primeiro, vazar criminosamente
em seguida e expor Lula como ele foi exposto e só depois vem um julgamento. E
quando for provado que as palestras foram pagas e efetivamente dadas? E quando
for mostrado que não tem nada a ver o trabalho que a Odebrecht fez lá em
Atibaia com a Petrobras? Aí será tarde. Estão criando no Brasil uma espécie de
neofascismo. Pois não estão fazendo justiça, estão fazendo justiçamento. O
clima que está no Brasil agora, e estou muito preocupado, é que estamos fazendo
um acirramento de ânimos, onde não importa o devido processo legal. Isso leva a
uma violência cada vez maior e fragilizará as nossas instituições. E o algoz de
hoje pode ser a vítima de amanhã. Hoje é o PT que está exposto na praça
pública, que virou a Geni, e que atiram pedras. Amanhã pode ser um outro
partido se não se tomar os cuidados necessários. Esse é um papel que a mídia
tem de chamar para si e assumir responsabilidade.
E
quem é responsável por essa perseguição ao PT?
Estou falando de um setor da Polícia
Federal, de um setor do Ministério Público. Estou falando da ação dirigida do
juiz Moro.
Você
tem algum indício de vínculo do Moro com algum partido político?
Em defesa do José Eduardo Cardozo –que
era muito acusado de não controlar os excessos da Polícia Federal–, é disso que
se tratavam as broncas que o Zé Eduardo levava, não era a atuação objetiva da
polícia, que era necessária, mas esse conchavo com um tipo de imprensa e com os
vazamentos. Não é assim. A Polícia Federal não é controlada pelo PSDB. Esses
rapazes que estão hoje na PF e no MP são formadas numa geração profundamente
marcada por um antipetismo. Eles cresceram, são jovens em geral, em famílias
que hoje estão batendo panela. Foi se desenvolvendo nesses setores uma
convicção de que bater no PT é bom para o país. Eu fui interrogado por dois
delegados da Polícia Federal, eu pedi para conversar com eles fora do processo
e me dei conta disso. São pessoas honestas, são sérias, não são bandidos e nem
são instrumentos na mão da oposição. Não é rastaquera assim. Veja a ironia da
história. Até 2002, você sabe o que acontecia no Ministério Público Federal.
Por que não foi feito uma investigação mais profunda da compra de votos do
Fernando Henrique e em torno da privatização? O Dr. Gurgel, ex-procurador-Geral
da República, disse numa entrevista recente que Fernando Henrique não queria
ser incomodado, por isso colocou um cara que não deixava nada andar. Ele tinha
o controle rigoroso da PF, que centralizava qualquer investigação. Quando Lula
tomou posse, muita gente tentou indicar nomes próximos a nós, mas o Lula
decidiu que indicaria o primeiro da lista.
E
houve reação na época?
Exatamente. Mas Lula bancou o primeiro
da lista. Nos anos subsequentes, quando saiu Fontelles e entrou o Antônio
Fernando, que faz a denúncia do mensalão, houve uma forte pressão para que ele
rompesse essa lógica do primeiro da lista. Mas ele reconduziu Antonio Fernando.
Depois, aconteceu a mesma coisa com o Gurgel. Mas não se rompeu essa tradição.
Então, o que se esperaria do Ministério Público? Essa responsabilidade. O
máximo de equilíbrio. No caso da polícia federal aconteceu a mesma coisa.
Descentralizamos as investigações. Tanto que o Lula sempre dizia: daqui pra
frente, quem não quiser ser investigado no governo, que não erre. Doa quem
doer. Eu me lembro da nossa dor quando o José Dirceu, o [Antonio] Palocci foram
investigados. Lula disse 'eu sinto muito'. Esse delegado que me inquiriu
começou na Polícia Federal em 1998 e se tornou delegado em 2002. Ele não
conhece o período anterior. Esse menino não tem a maturidade de não fazer
loucuras como essa de sexta. Na sexta, quem saiu prejudicado e quem vai se
desgastar no médio prazo não é o Lula, e sim essas instituições. Porque é muito
ruim para nós que a Polícia Federal comece a ser utilizada para atender esse ou
aquele tipo de pressão. Aí se faz um complô da investigação e do vazamento pra
imprensa. Isso neste momento prejudica o PT, é verdade. Mas é ruim para a
democracia. Esse procurador Carlos Fernando, que hoje brilha e foi receber as
palmas sexta à noite, a história o terá como Calabar, como alguém que perseguiu
uma pessoa que só fez bem ao país. Essa glória momentânea inebria essas pessoas
e elas vão na linha da irresponsabilidade. Isso que, aparentemente, é muito
bom, porque é o tal do julgamento imediato sem o contraditório, vai fazer mal
mais para essas instituições do que para o PT no longo prazo.
Nos
últimos meses, Lula passou por um desgaste muito grande e ficou fragilizado,
mas não deu uma palavra sobre o seu caso. Ele parecia acuado. Por que ele
demorou tanto para falar? Por que precisou de uma condução coercitiva para
falar e ainda assim não explicou o que deveria explicar?
Eu concordo com a tese de que o Lula
deveria ter falado antes. Acontece que em certos acontecimentos você precisa
ter muita certeza do que você vai falar. Lula não estava a par de muitas das
coisas da qual era acusado.
Como
o quê, por exemplo?
Na história da chácara, o Lula não
acompanhou em detalhes o processo de aquisição feito pelos amigos, nem sobre a
reforma. Ele estava no governo e nós estávamos pressionando Lula a partir do
penúltimo ano para que ele desse um destino para os bens que ele recebia no
governo. O Lula, de longe, é o presidente que mais recebeu presentes e o acervo
é imenso. Nossa preocupação era de como ia ser tratar aquele acervo porque o
certo era ter uma fundação que tivesse condições de pegar todo esse material de
todos os ex-presidentes e que faz parte da história do Brasil e colocasse no
mesmo lugar. Só que a legislação diz que isso pertence ao ex-presidente e é de
interesse público mas de propriedade privada. O que fez o Fernando Henrique?
Ele pegou empresas e pediu doação para fazer o Instituto FHC. O Lula fez um
Instituto Lula e pensava em construir um memorial da democracia. Nós estávamos
fazendo essa pressão. Da mesma forma, a família estava pressionando para que
ele tivesse algum espaço de descanso após a Presidência, mas ele dizia que
discutiria isso depois. Foi nesse contexto que surge uma história de algum
amigo comprar um espaço onde ele pudesse descansar e eventualmente guardar os
presentes da Presidência. Foi aí que esses amigos tomaram uma iniciativa. Só
que ele não foi informado adequadamente e no tempo certo de todo esse processo.
Mas
ele não teve curiosidade para saber quem tocou a compra? Dona Marisa?
Foi um pool de amigos. Se ele teve
curiosidade depois, eu não sei, não acompanhei. Houve um embaraço da parte
dele, que eu concordo que não foi positivo, para poder dar uma explicação cabal
de dizer que a chácara tinha sido comprada e mostrar os recibos. Foi feito uma
reforma e alguém teve a ideia de pedir para um construtora ajudar para acelerar
o processo, porque estava chegando o fim do ano e queriam dar esse presente
para ele ter um lugar para descansar.
Quando
Lula toma conhecimento de como foi toda operação, ele fica constrangido de
admitir que tinha recebido presentes, é isso?
Primeiro porque ele não sabia quem tinha
participado efetivamente, não era uma coisa explicitada na época. O negócio da
torre da Oi eu nem sei, não posso falar, mas o da reforma, que teve a
participação da Odebrecht, não foi o Lula que pediu. Até porque, é bom lembrar
que, em 2010 e em 2011, não tinha a Lava Jato e não tinha essa conotação. E o
Lula estava saindo do governo.
Mas
quando as obras começaram o Lula ainda estava no governo.
Pois é, mas ele não estava participando
dessa história, pois quiseram fazer uma surpresa pra ele. Eu concordo que
faltou rapidez na resposta e concordo também que não foi adequado envolver uma
empresa nessa questão. Agora, o que não pode é estabelecer esse nexo causal de
crime entre a Petrobras e uma obra de reforma de um lago e de uma casa em
Atibaia porque, se ele quisesse acumular dinheiro, ele teria feito como outros
fizeram e não fez. O Lula passou a ganhar dinheiro fazendo palestras depois da
Presidência. Qualquer empresa no Brasil e no exterior queria ouvi-lo. Não faz
sentido, é ridículo. Ele que foi tão rigoroso com a gente, não se sujaria.
Não
é inverossímil ele ir ao sítio pela primeira vez e não perguntar de onde veio?
Não dá para dizer que ele não sabia.
Eu não posso dizer isso. Eu só disse que
eu não acompanhei esse processo.
Ele
tinha intenção de adquirir o sítio mais tarde?
Não tenho certeza, mas acho que seria
provável.
E
o tríplex?
Ele tinha comprado um apartamento lá
atrás, aí a OAS quis inventar de fazer uma puta de uma melhora naquele
apartamento para oferecer para ele como uma valorização daquele móvel. Ele me
contou que foi lá um dia para ver se fechava o negócio ou não. A OAS queria
agradá-lo, mas ele chega lá, olha pro mar, e diz: "isso aqui seria uma
prisão, uma torre de marfim pra mim, uma prisão, eu nunca poderei atravessar a
rua e ir para essa praia. Não quero", disse para Marisa. E o negócio não
foi feito, graças a Deus, diga-se de passagem. Então, no caso do tríplex, é
mais fácil a explicação porque não tem nada que vá comprovar essa acusação. É como
se um cara me oferecesse um imóvel e me desse uma puta arrumada no imóvel para
me agradar e eu chego lá e desisto de fazer, de exercer o direito de comprar. A
chácara está em nome do Fernando e do Jonas e não tem nada que prove a acusação
de que não são deles. Parte do acervo foi pra lá. Pelo amor de Deus, os dois
pedalinhos, não vou nem comentar.
O
Lula estava deixando de ser funcionário público e, ainda que ele não soubesse
da operação do presente da casa, o transporte dos presentes da Presidência que
foi pago por uma empreiteira também.
Mas o Lula não era mais presidente. Esse
material saiu do Planalto e do Alvorada quando ele já era ex-presidente.
Ele
não era mais presidente, mas era um quadro político com extrema influência
sobre o novo governo. Afinal de contas, ele tinha eleito Dilma Rousseff. Não
tem empresa nem no Brasil nem no mundo que agrade sem um interesse. Portanto, a
empresa era movida por interesse e Lula aceitou.
Se ele tivesse aceito um tipo de
presente dessa natureza como presidente da República, eu ficaria muito mal com
ele, seria antiético. Agora, ele não sendo mais presidente, eu não posso
pessoalmente, no meu critério, dizer que não acho legal, Ele pode ser influente
o resto da vida, e vai passar o resto da vida sem poder receber nenhum tipo de
presente? Eu não posso impor a ele aquilo que a lei permite. Se a lei dissesse
que ex-presidente não pode aceitar nenhum tipo de presente, tudo bem. Mas a lei
permite. O que a lei não lhe proíbe, não posso ter um padrão de exigência
subjetivo meu para dizer "não, você não pode, porque você é ex-presidente
e porque talvez você pudesse influenciar a Dilma".
O
Lula foi conduzido até a polícia e você diz que a polícia foi até o Fernando
Henrique? Não vi isso.
Eu li num blog ontem que trazia uma ata
da PF mostrando isso, que a polícia foi até a casa do Fernando Henrique para
colher o depoimento dele. Não estou reclamando que fizeram isso, eu estou
achando que podiam ter feito com Lula o que eles já fizeram em outras
condições. Mandaram uma comunicação e se combinou a data do depoimento.
Mas
ele demorou sete meses para isso acontecer.
Um deles pode ser verdade, ter demorado
mais, mas, no segundo, não, no segundo ele foi quando foi chamado. Eu não estou
reclamando tratamento especial para ele, não. O ministro Marco Aurélio [STF]
foi muito claro quando disse que a condução coercitiva é quando o investigado
se recusa a se apresentar.
É uma diferença gritante de tratamento
entre Lula e FHC! Uma diferença gritante que pede uma explicação. Tudo bem que
o Fernando Henrique era chamado como testemunha, mas tinha que ter dado uma
isonomia não só em relação a Fernando Henrique mas a qualquer cidadão. O que eles
fizeram com o Fernando Henrique, a meu juízo, é correto, pois não o
constrangeram e não expuseram publicamente. Fizeram uma gentileza pelo fato de
ele ser ex-presidente da República. Eu nem estou dizendo que a polícia
precisava ir na casa do Lula, era só fazer uma intimação e o Lula compareceria.
Porque não fizeram com Lula isso? Vou te falar uma frase que o Lula me disse na
quinta: 'Gilbertinho, põe na tua cabeça. Eu vou ser preso ou vão fazer a minha
condução coercitiva porque, do contrário, a Lava Jato não tem sentido. Ela foi
moldada nessa perspectiva. Então, Gilbertinho, tire da cabeça que eu não
sofrerei algum tipo de constrangimento porque eles fizeram tudo isso para
chegar a mim. Então, não tem como eu não ser levado'. Eu só não imaginava que
isso seria no dia seguinte.
Isso
foi na véspera da Operação?
Um dia antes. Passei no Instituto para
me reunir com Luiz Dulci sobre uma questão do movimento sindical para combater
o desemprego, e o Lula estava lá. Tomei um café rápido com ele e perguntei como
ele estava e tocamos na Lava Jato.
Existia
no começo da Lava Jato uma máxima de que não teriam coragem de levar Lula
preso. A operação de sexta parece ter derrubado essa máxima. O que veremos o
que nos próximos dias nas ruas?
Eu não quero falar nesse hipótese,
espero sinceramente que não aconteça. Eu só espero que eles não brinquem com
fogo. A tese que eles desenvolveram é a tese de que o Lula é uma estátua de
gelo, que basta você encostar perto do fogo que ela vai derreter. Essa foi a
tese que eles seguiram, na expressão de um cara deles, que eu fiquei sabendo.
Então, eles tentaram desmoralizar o Lula, primeiro isolando-o da massa para
depois chegar nele. Na sexta ficou evidente que isso não é tão simples assim.
Mas o problema não é esse. A polícia não pode ser conduzida pelo princípio de
que eu prendo ou não prendo pelo que ele fez ou deixou de fazer, mas sim pelo
medo que eu tenho de uma convulsão. Isso é um absurdo. Espero que haja o
bom-senso e de que a Lava Jato volte ao seu leito natural de combater a
corrupção real e deixe de fazer teatro, que as delações premiadas deixem de ser
instrumento de perseguição de parte de um partido político. E digo mais, se a
delação da Andrade Gutierrez for direcionada apenas contra o PT, esse escândalo
vai ser insuportável, porque vai ser a confissão final de que a lava jato é
dirigida contra o PT. Pois todo mundo sabe que a Andrade Gutierrez é a casa do
senhor Aécio Neves, é quem banca o Aécio. Então, se houver isso, vai ser uma
loucura. Por isso espero que volte a ser um instrumento de combate à corrupção.
Esperamos que cessem os vazamentos criminosos e a espetacularização. Queremos
uma investigação séria, científica, sem preconceito. Não pode isso de que o
cara roubou, conta duas ou três coisas e é perdoado no tempo de prisão e na
questão financeira. É esse o combate à corrupção que nós vamos ter no país? Não
pode, eu não quero acreditar nisso.
O
que acua mais o PT, a Lava Jato ou a economia?
O povo está preocupado com emprego. Eu
começo a ver o fastio das pessoas. Eu não esqueço quando, no mensalão, cheguei
no meu gabinete e Lula estava lá, sentado esperando. Quando entrei, ele me deu
um abraço e disse: "Gilbertinho, eu vou viajar, quero que você ponha na
cabeção uma coisa: o que eles querem é que a gente pare de trabalhar. Vamos
trabalhar, vamos fazer economia crescer, pois quando passar esta espuma, o povo
vai perceber que nós trabalhamos e que a vida do povo começou a melhorar, o
resto desaparece". Foi o que aconteceu. Agora eu digo a mesma coisa. O
problema principal da Lava Jato é que ela está prejudicando profundamente a
economia. O que eu acho que é pior pra nós, de fato, é a economia. Porque se a
economia voltar, tiver respiro de crescimento, a Lava Jato vai ficar no seu
lugar. O que preocupa é muito mais a economia, mais do que a Lava Jato.
Todos
os relatos das pessoas do grande e do baixo clero que trabalham no governo são
de que o governo está completamente paralisado. O governo Dilma não consegue se
desvencilhar da paralisação. Parece que parou.
Eu te confesso que essa é a minha
preocupação central. Eu não estou no governo, eu não tenho elementos para
avaliar, mas o que mais me preocupa, de longe, é esta questão da economia. Eu
penso que nós precisamos trabalhar e isso é muito difícil porque este clima não
ajuda em nada. Tem que ter um processo de repactuação neste sentido ou vamos
entrar num processo gravíssimo para o país.
Você
diz repactuar com qual agenda?
Com o mundo empresarial, com o mundo
político mesmo. Eu acho que é hora de chamar governadores e mesmo a oposição, e
o governo deve propor. Porque, nesse caso, quem sinaliza uma proposição, um
pacto, não é o mais fraco, é o mais nobre, é o que tem mais condição de ver que
acima de tudo está o interesse do país. Precisamos salvar o essencial.
Você
acha que a Dilma está livre do impeachment?
Eu não acredito na possibilidade do
impeachment enquanto as instituições estiverem funcionando, porque eu não vejo
base nenhuma para o impeachment, nem mesmo base para um julgamento do TSE
(Tribunal Superior Eleitoral). Eu acho que a Dilma vai até 2018. Eu não posso
ser ingênuo e achar que o impeachment acabou. Acho que é um erro da oposição,
porque ela não contribui, ela ajuda a fragilizar muito o governo. O governo tem
que virar esta agenda. Quando você está muito sitiado é que precisa tomar uma
iniciativa.
Foro
privilegiado para ex-presidentes. Você acha que com o que aconteceu na sexta é
o momento discutir isso?
Não. Acho que não.
Para
não parecer casuísmo?
Não é para não parecer casuísmo. O foro
privilegiado tem que pertencer a quem está exercendo algum mandato pra que ele
não fique ao léu à disposição de qualquer juiz de primeira instância. Mas quem
não está no governo não vê razão nenhuma para isso. O próprio Lula concorda
porque nunca aceitou a hipótese de virar ministro para ter foro privilegiado.
Eu não vejo razão.
O
PT e a Dilma estão cada vez mais distantes e a presidente tem sido aconselhada
a sair do PT. O que você acha disso?
A Dilma não vai sair do PT. Eu não
consigo imaginar de maneira alguma isso. Não pode ser visto como uma crise. Se
o partido discorda da política econômica do governo, está na opção dele,
criticando. O governo recebe enorme pressão dos setores conservadores todos os
dias. Se, do outro lado, não tiver ninguém pressionando, o governo vai ser cada
vez mais conservador. Sempre fui favorável à pressão dos movimentos sociais
porque é a forma que nós temos de equilibrar o governo. Os nossos ministros
recebem todos os dias empresários, mas têm enorme dificuldade de receber
movimentos sociais. Mesmo o governo Lula, mesmo o governo Dilma. Então, acho
que está correto o partido fazer as críticas que têm que fazer. Elas têm que
ser recebidas com naturalidade pelo governo, pela presidente, e o partido tem
que entender que ele não pode querer mandar no governo, ele pode influenciar,
mas ele não tem que mandar no governo. Então, eu não acho que a Dilma saia do
do PT, até porque a sobrevivência dela estaria muito ameaçada se ela saísse do
PT. Seria uma ilusão achar que ela faria o movimento feito por Marta Suplicy,
que iria sobreviver apoiada por setores que só querem vê-la fora do governo.
Acho que ela tem uma ligação com o presidente Lula que é muito mais profunda
ainda.
O
que acontece se a presidente não mudar sua agenda econômica?
Não quero pensar nessa hipótese. O
conflito com o partido evidentemente se acentuaria. A base que a sustenta hoje
não terá condição de segui-la sustentando, mesmo querendo. Os movimentos
sociais demonstraram a maior maturidade nos últimos tempos na relação com o
governo, pois mesmo tendo uma agenda absolutamente adversa, as iniciativas do
governo nos últimos tempos têm sido quase toda contra os interesses da maioria
dos trabalhadores. Os movimentos tiveram a maturidade de distinguir a crítica à
política econômica do governo da necessidade de manter a legalidade e ser
contra o impeachment. Daqui para frente, se continuar numa situação em que a
economia vai mal e os direitos sociais, tolhidos, qual trabalhador ou sindicalista
vai para porta de fábrica defender um governo com o índice de desemprego
imenso? Qual morador, qual agente do movimento social de moradia vai poder
defender se pararem os benefícios de moradia para o povo? Por isso que eu
espero sinceramente que a presidente Dilma leve em conta a necessidade de
buscar saídas na economia que retomem o investimento e o emprego.
Essa
condução coercitiva do Lula levará a uma radicalização muito forte nas ruas?
Vai depender, a meu juízo, do
comportamento da PF, do Ministério Público e do Judiciário. Se houver um
reequilíbrio e ficar claro que a Lava Jato busca combater a corrupção, não o
Lula, acho que a sociedade vai compreender. Mas, se continuar tão
explicitamente como foi demonstrado na sexta e em outras ocasiões, esse direcionamento
persecutório de uma força política de um líder, como é o caso do Lula, aí eu
temo muito por um processo que nos leve ao que acontece na Venezuela, porque
você vai levar ao processo de justiçamento, de justiça com as próprias mãos, e
haverá um ódio progressivo. Não foi nada bom o que ocorreu na sexta, as
manifestações à tarde. Estou convencido de que pode ocorrer no dia 13, mas
temos que ter maturidade de não insuflar ou estimular esse tipo de
manifestação. Temos de buscar o contrário, buscar o entendimento e a paz.
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